Doutor em Zootecnia, Michel do Vale Maciel (Foto: Arquivo pessoal)

Não é novidade: a produção pecuária brasileira é desenvolvida em diferentes condições ambientais que, muitas vezes, impedem o estabelecimento de um sistema único de produção. Por isso, é necessário que cada sistema esteja adequado as condições locais. Neste cenário, a falta de gestão e objetivos bem definidos se tornam entraves para a produção animal.

A pedido da Associação Brasileira de Zootecnistas (ABZ), o doutor em Zootecnia, Michel do Vale Maciel e pós-doutorando da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), discorreu um pouco sobre o tema, explicando a utilização da vegetação caatinga para o pastoreio.

Confira o texto abaixo.

A exploração pecuária brasileira tem como base o uso de pastagens. No Nordeste brasileiro não é diferente, pois a utilização do pasto nativo da Caatinga é a principal, quando não a única fonte de alimentos para os rebanhos da região. É um bioma exclusivamente brasileiro, rico em diversidade e ainda pouco conhecido. O nome Caatinga é originada do tupi (língua indígena) que significa “floresta branca”, esse nome foi dado devido à característica de suas arvores e arbustos, que por possuírem folhas caducifólias, perdem suas folhas na época seca, causando um efeito visual negativo e muitas vezes com uma aparência de um bioma de pouca diversidade. Hoje devido à utilização dessas plantas arbóreas para a produção de casas, cercas e carvão, a Caatinga é predominantemente composta por vegetação arbustiva e espinhosa. Porém, o bioma Caatinga surpreende com sua “explosão” de diversidade na presença das primeiras chuvas ainda que esteja muito degradado.

A vegetação de Caatinga cobre cerca de 86,10% da região semiárida do Brasil, 53% da área do Nordeste e 9,8% do Brasil (IBGE, 2012), apresenta quatro estratos distintos: arbóreo, arbustivo, herbáceo e serapilheira. O estrato arbóreo e arbustivo composto por espécies xerófilas e caducifólias, porém, com grande potencial forrageiro no período chuvoso. Já o estrato herbáceo é composto em sua maioria por plantas efêmeras, que completam seu ciclo rapidamente aproveitando os pulsos de precipitações, para completar seu ciclo. A serrapilheira consiste em material senescente compostos por folhas, galhos, flores e frutos, além de apresentarem resíduos vegetais e animais, onde parte deste material faz parte da dieta dos animais.  A utilização das forrageiras presentes no bioma Caatinga distribuídas nos diferentes estratos, são fundamentais para manutenção da produção.

A imprevisibilidade dos eventos de chuva (pulsos de precipitação) e a baixa capacidade de retenção desta água no solo são os principais agravantes da discrepância na produção de fitomassa da Caatinga, uma vez que a água rege toda a fisiologia da planta desde sua produção de fitomassa até a duração dos estádios fenológicos.

Assim, unidades de produção inseridas nesta realidade existe uma “ferramenta” de planejamento, que é a orçamentação forrageira, que pode contribuir significativamente para o sistema de produção. Consiste em cálculos e orientações da quantidade forragem disponível relacionado com a quantidade de forragem exigida pelo rebanho, em um determinado nível de produção.

O bioma Caatinga comporta criações diversificadas, com várias espécies de herbívoros criados na mesma pastagem ao mesmo tempo, características de sistemas agrossilvipastoril.  A grande diversidade do bioma instiga o pesquisador a identificar quais espécies estão presentes e, devido à grande variação e um número elevado de espécies, o simples conhecimento da composição química do pasto pode não refletir a composição da dieta selecionada pelos animais, devido aos diferentes hábitos de pastejo, variações na frequência das principais espécies nas diferentes épocas do ano e dinâmica especial da pastagem.

O planejamento nestas condições parte do entendimento que da dinâmica da pastagem e do potencial de uso durante o ano, além do uso de um material genético compatível com esta realidade.

O entendimento de limitações para produção no semiárido é uma cultura propagada com base em um comodismo, a espera das condições perfeitas. Não existem limitações e sim características da região que devem ser compreendidas. Disso depende o início de uma parceria entre o produtor e o ambiente capaz de gerar uma produção adequada e uma sincronia entre produção pecuária e ambiente. O Semiárido nordestino tem grande capacidade de manter uma produção pecuária principalmente se associada às técnicas de fenação, ensilagem e suplementação.

A condição de semiárido que por muitos é considerada uma relação direta com a pobreza, “cai por terra” quando países como a Austrália, que possui o clima semiárido em maior parte de seu território, é uma das pecuárias mais fortes do mundo. Entre outras regiões semiáridas do mundo o semiárido brasileiro é privilegiado em suas condições, não por menos sendo a área semiárida mais povoada do mundo. Assim, não deve ser considerado hostil e sim pouco compreendido, ainda.  

0 Comentários

Envie uma Resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

©2024 Associação Brasileira de Zootecnistas

Fazer login com suas credenciais

Esqueceu sua senha?