Utilização de modelos não lineares na produção de gases in vitro da raspa de mandioca

João Paulo Fonseca Tavares1, Ícaro dos Santos Cabral2, José Augusto Gomes Azevêdo3, Ronaldo Francisco de Lima4, Thaisa Brasil Carvalho5, Terezinha Teixeira de Souza6, Valéria dos Santos de Medeiros7, Jackson Rômulo de Souza Leite8
1 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM
2 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM
3 - Universidade Estadual de Santa Catarina - UESC
4 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM
5 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM
6 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM
7 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM
8 - Universidade Federal do Amazonas - UFAM

RESUMO -

Objetivou-se avaliar a adequação de sete modelos não lineares (France, Orskov & McDonald, Gompertz, exponenciais simples e bicompartimental e logísticos simples e bicompartimental) no ajuste da curva e na geração de parâmetros de produção cumulativa de gases da raspa de mandioca. Realizou-se a incubação in vitro com medição da produção de gases nos tempos 0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 24, 26, 28, 30, 32, 36, 48, 52, 54, 56, 60 e 72 horas. Testou-se os parâmetros de regressão pelo teste de Mayer, além de valores de viés médio (VM), coeficiente de concordância da correlação (CCC) e quadrado médio do erro de predição (QMEP). Segundo o teste de Mayer, o modelo de Orskov & McDonald não foi adequado para a geração da curva de gás na raspa de mandioca. Os demais modelos adequaram-se gerando parâmetros da cinética de produção de gases e ajuste da curva, porém o modelo Exponencial Bicompartimental, parece ser o mais adequado, pois apresentou menores QMEP e VM além de CCC próximo de 1.

Palavras-chave: cinética de degradação, modelos não-lineares, incubação.

Use of nonlinear models in the in vitro production of cassava scrap

ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the suitability of seven non-linear models (France, Orskov & McDonald, Gompertz, simple and bicompartmental exponents and simple and bicompartmental logistic) in curve fitting and in the generation of cumulative cassava scrap gas production parameters. The in vitro incubation was carried out with measurement of gas production at the times 0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 24, 26, 28, 30, 32, 36, 48, 52, 54, 56, 60 and 72 hours. The regression parameters were tested by the Mayer test, in addition to mean bias (MB), correlation concordance coefficient (CCC) and mean square of prediction error (MSPE). According to the Mayer test, the Orskov & McDonald model was not suitable for the generation of the gas curve in the Cassava scrap. The other models were adapted generating parameters of the gas production kinetics and curve fitting, but the Exponential Bicompartmental model seems to be the most adequate, since it presented lower MSPE and MB besides CCC near 1.
Keywords: degradation kinetics, nonlinear models, incubation.


Introdução

A técnica in vitro de produção de gases tem sido amplamente utilizada para avaliar a cinética dos processos de fermentação microbiana ruminal, onde, o substrato fica em contato com microrganismos ruminais no interior de vidros, e se reproduz em condições predominantes do rúmen-retículo (presença de microrganismos, anaerobiose, temperatura de 39ºC, poder tampão e pH de 6,9).

Vários modelos não-lineares estão disponíveis para ajuste das curvas de produção de gases para determinação dos parâmetros de degradação ou perfil de fermentação, onde o principal objetivo é descrever as alterações do sistema em função do tempo de incubação. Entre os modelos não-lineares utilizados na descrição matemática dos perfis de produção de gases destacam-se os de crescimento exponencial e sigmoide, que pressupõe que a taxa específica de produção de gases pode ser proporcional à quantidade de substrato e independente da massa microbiana, independente da quantidade de substrato e proporcional à massa microbiana ou proporcional à quantidade de substrato e massa microbiana (Schofield et al., 1994).



Revisão Bibliográfica

A taxa de produção dos gases, mensurada através da técnica in vitro é utilizada para predizer a taxa de degradação dos alimentos, assumindo que a quantidade de gases produzidos é reflexo da quantidade de substrato degradado (Dijkstra et al., 2005).

Em estudo com incubação de silagens de girassol e milho, Melo et al. (2008) testaram diferentes modelos não lineares e observaram que o modelo de France gerava volumes negativos nas primeiras três horas de incubação, achado biologicamente impossível, e atribuíram este fato ao valor do parâmetro b, que não apresenta interpretação biológica. Os autores concluíram que o modelo Logístico Bicompartimental foi o mais eficiente por apresentar curva adequada em todas as fases de incubação e apresentar características mais relevantes do ponto de vista nutricional.

Krueger et al. (2010) observou redução da taxa e do volume gás oriunda dos carboidratos fibrosos quando se fez a inclusão de glicerol em amostras de alfafa incubadas in vitro. Esta informação só foi possível devido à utilização de um modelo Logístico bicompartimental.

Sendo assim, este trabalho teve como objetivo avaliar a adequação de diferentes modelos matemáticos para adaptar os perfis da cinética de produção de gases in vitro da raspa de mandioca.



Materiais e Métodos

 O experimento foi conduzido no Laboratório de Nutrição Animal da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia.

As amostras da raspa de mandioca foram submetidas à pré-secagem e moídas em moinho de facas com peneira de porosidade de 2 mm de diâmetro, para posteriores análises do conteúdo de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), matéria mineral (MM), extrato etéreo (EE) e fibra em detergente ácido (FDA), conforme os métodos da AOAC (1990).

                A análise de fibra em detergente neutro (FDN) foi tratada de acordo com Mertens (2002). O conteúdo de carboidratos não-fibrosos (CNF) foi calculado de acordo com Hall (2000).  Os valores da composição químico-bromatológica, são apresentados na tabela 1.

Tabela 1. Composição química da raspa de mandioca.

Alimento

 

Variáveis em (% de MS)

MSa

MOb

PBb

NIDNc

FDNcpb

CNFb

EEb

Raspa de mandioca

918

949

29

242

175

732

12

a g/kg; b g/kg na MS; c g/kg na PB

Para a produção dos gases foram utilizadas seringas calibradas de acordo com procedimento descrito por Getachew et al. (2004). Os tempos de leitura utilizados foram: 0, 2, 4, 6, 8, 10, 12, 24, 26, 28, 30, 32, 36, 48, 52, 54, 56, 60 e 72 horas. A cada tempo foi feita a leitura, anotado o volume dos gases e a seringa foi suavemente agitada. Os resultados foram corrigidos para o branco e feno de tifton foi utilizada como padrão, às 24h de incubação.

A taxa e extensão da produção de gases foram estimadas por ajustamento dos dados de produção de gases aos modelos unicompartimental: France et al. (1993), exponencial, logístico, Gompertz, Orskov e McDonald (1979), além dos modelos bicompartimental: logístico e exponencial.

A avaliação dos modelos foi realizada através do ajustamento do modelo de regressão linear simples dos valores observados sobre os valores preditos pelas equações, sendo as estimativas dos parâmetros de regressão testadas pela hipótese de nulidade conjunta segundo Mayer et al. (1994):

H0 : β0 = 0 e β1 = 1

Ha : não H0.

Para o Teste de Mayer et al. (1994) utilizou-se a probabilidade de 10% e sob o caso de não rejeição da hipótese de nulidade, concluiu-se pela equivalência entre os valores preditos (volume de gás nas determinadas horas apresentado pelo modelo) e observados (volume de gás nas determinadas horas observado nas seringas graduadas).

Ainda avaliou-se o viés médio (VM), que foi calculado conforme (Cochran e Cox, 1957) e o coeficiente de concordância da correlação (CCC), também conhecido como índice de reprodutibilidade, que considera simultaneamente exatidão e precisão, que foi calculado conforme Lin (1989).

A avaliação comparativa da eficiência de predição das equações foi realizada pela avaliação do quadrado médio dos erros de predição (QMEP), segundo descrito por Bibby e Toutenburg (1977).

Para avaliação dos parâmetros de regressão, VM, CCC e QMEP utilizou-se o programa Model Evaluation System (MES), versão 3.0.11. (http://nutritionmodels.tamu.edu/mes.htm, College Station, TX, USA; Tedeschi, 2006).



Resultados e Discussão

Os parâmetros cinéticos de degradação estimados pelos diferentes modelos encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2. Assíntotas (mL) total, dos CNF e dos CF (A, ACNF e ACF), taxas fracionais de degradação (h-1) total, dos CNF e dos CF (µ, µCNF e µCF) e tempo de latência (λ, em horas) da raspa de mandioca utilizando diferentes modelos matemáticos.

Parâmetro

Modelosa

1

2

3

4

5

6

7

Raspa de mandioca

A

--

69,262

69,264

--

68,034

68,277

70,639

ACNF

43,936

--

--

64,743

--

--

--

ACF

26,111

--

--

14,269

--

--

--

µ

--

0,138

0,139

--

0,090

0,248

0,099

µCNF

0,176

--

--

0,155

--

--

--

µCF

0,037

--

--

0,008

--

--

--

λ

2,781

1,769

1,769

1,843

1,663

1,488

--

a 1 = Logístico bicompartimental; 2 = France (1993); 3 = Exponencial; 4 = Exponencial bicompartimental; 5 = Logístico; 6 = Gompertz; 7 = Orskov e McDonald (1979)

O modelo de France apresentou apenas valores de A, µ e λ, visto que os valores de b e c, presentes na equação, além de não apresentarem interpretação biológica, apresentaram valores negativos. Nos modelos unicompartimentais, o Modelo de Gompertz parece superestimar a taxa de degradação, com valor biologicamente difícil de ocorrer. O modelo logístico unicompartimental apresentou o menor valor de A e µ.

Os valores da estatística para a regressão são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3. Parâmetros de regressão, valor de P, viés médio (VM), coeficiente de correlação e concordância (CCC) e quadrado médio do erro de predição (QMEP) dentre os valores observados para volume acumulativo de gases e os estimados pelos diferentes modelos matemáticos da raspa de mandioca.

Parâmetro

Modelosa

1

2

3

4

5

6

7

Raspa de mandioca

Intercepto

-0,709

0,000

-0,004

0,000

-1,593

-0,840

-5,585

Inclinação

1,011

1,000

1,000

1,000

1,025

1,013

1,089

R2

0,998

0,995

0,995

0,997

0,983

0,991

0,980

Pb

0,503

1,000

1,000

1,000

0,730

0,848

0,084

VM

-0,007

-0,011

-0,012

-0,004

-0,157

-0,107

-0,392

CCC

0,999

0,998

0,998

0,998

0,991

0,995

0,985

QMEP

0,669

1,903

1,903

0,124

6,926

3,756

10,880

a 1 = /Logístico bicompartimental; 2 = France (1993); 3 = Exponencial; 4 = Exponencial bicompartimental; 5 = Logístico; 6 = Gompertz; 7 = Orskov e McDonald (1979) b P>0,05 = Ho : β0 = 0 e β1 = 1; P<0,05 = Ha : não Ho.

Alguns modelos não-lineares utilizados levam em consideração o tempo de latência, o qual afetam fatores como a natureza do alimento incubado, espécies microbianas inoculadas, e a quantidade de inóculo adicionado o qual estão intimamente relacionado com a taxa de degradação do alimento no rúmen. Este período de latência é um parâmetro importante para a curva de produção de gases ou para a cinética de degradação dos alimentos in vitro, é biologicamente correto ter esse tempo, pois indica o tempo necessário para hidratação, aderência e colonização pelos microrganismos ruminais ao substrato.

O modelo de Orskov e McDonald (1979), sem tempo de latência, não apresentou um bom ajuste (P<0,10) pelo teste de Mayer et al. (1994), não sendo útil para representar a cinética de degradação do alimento. Os outros modelos apresentaram bons ajustes pelo teste de Mayer, sendo o modelo exponencial bicompartimental o que apresentou o menor viés médio (-0,004), um valor aceitável segundo Yungblut et al. (1981).

Os valores de CCC apresentados na tabela indicam bom ajuste dos modelos onde todos os valores dos distintos modelos foram próximos a 1. O índice que mais contribuiu para demostrar o ajustamento dos modelos foi o QMEP, observado no modelo bicompartimental exponencial, com o menor resultado.

Sendo assim, o modelo exponencial bicompartimental foi o que melhor se ajustou, pois gerou curvas sigmoides, mesmo que discretas, devido ao período de colonização bacteriana antes do aumento na produção de gases.



Conclusões

O modelo mais adequado para descrever os parâmetros da cinética de degradação da raspa de mandioca foi o Exponencial Bicompartimental, pois apresentou o menor valor de Viés médio (VM), menor valor do quadrado médio (QMEP) e um coeficiente de concordância da correlação (CCC) bem próximo a 1.  




Referências

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