Há algumas semanas, o samba-enredo da Escola Imperatriz Leopoldinense vem causando polêmica entre entidade ligadas ao agronegócio brasileiro. O tema, que atrela a participação do setor como predatório às riquezas ambientais do país, trouxe à tona, também, o papel do zootecnista no agronegócio. Sobre os dois temas, o Diretor Estadual da ABZ em São Paulo, o zootecnista Celso Carrer, deu sua opinião sobre o tema no texto “Samba-enredo e o agronegócio”. O texto na íntegra você confere abaixo:
Qual o verdadeiro conceito do termo agronegócio e porque este nome suscita tantas dúvidas de interpretação?
O termo agronegócio (em sua versão original agribusiness), proposto nos idos de 1950 por Davis e Goldberg, ambos professores e pesquisadores da Universidade de Harvard nos EUA, procura conceituar uma unidade analítica para o entendimento da economia e sua resultante no processo de desenvolvimento das sociedades modernas. Com isso, o termo é de ampla aplicação na tentativa de quantificar a somatória de todas as transações e da agregação de valores decorrentes, para o macro setor que as atividades agrícolas, pecuárias e de extrativismo natural estão inseridas. Neste contexto, o termo procura representar, de forma conjunta, o peso na economia global proporcionado pela geração de bens e serviços em todas as cadeias produtivas de alimentos (leite, carne, soja, milho, vinhos, etc.) e biomassas (fibras, madeira, biocombustíveis, etc.) e que conformam a somatória de atividades no ambiente do agro. É preciso que se diga que cada cadeia produtiva, em específico, possui uma dinâmica distinta e ligações variadas (mais ou menos interligadas) produzindo diferentes elos (indústria de insumos, produção, processamento, comercialização, serviços, consumidores) que constituem o agronegócio como um todo. Infelizmente, ou por desconhecimento da abrangência do conceito ou pelo uso mais político do que real, o termo vem sendo confundido pela identificação mais específica de apenas uma parte do segmento que é aquela representada pela agricultura/pecuária de caráter mais capitalista, ou seja, voltada para interesses para atender a demanda de bens exportáveis (normalmente commodities – bens indiferenciados e com mercado mundial). Não existe, no entanto, na raiz da conceituação essa preocupação de delimitar a diferenciação do que é setor capitalista e ou de produção mais familiar. Ou seja, ambas as naturezas de exploração convivem e fazem parte de um único todo. Outro fator que contribui para a distorção do termo, em nosso país, é facilmente observado na segmentação que a gestão pública federal trata o setor, criando diversos programas com objetivos frequentemente contraditórios, espalhados em quatro Ministérios – Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente. Em tese todas estas abordagens temáticas estão unidas pelo conceito de agronegócio. Nos EUA, um único Ministério e de forma mais integrada, trata de todas estas questões em conjunto.
Como se dá, exatamente, a atuação do Zootecnista no agronegócio brasileiro?
É muito fácil constatar a transformação radical da conjuntura do agronegócio nas últimas décadas no país. O Brasil possui uma das regiões do planeta mais promissoras para o desenvolvimento sustentável do complexo grãos-carnes-fibras-lácteos-biocombustíveis. Como afirma Marcos Sawaya Jank (2006, p.1), é necessário rever o trajeto de longo prazo do setor para o entendimento de nosso momento atual. Segundo o autor, “o sucesso do agronegócio deriva basicamente de mudanças estruturais na oferta doméstica e na demanda mundial. Pelo lado da oferta, o sucesso nasce dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia adaptada à região tropical. Graças aos esforços de universidades, centros de pesquisa como a Embrapa e empresas nacionais e multinacionais, a paisagem rural transformou-se radicalmente: correção dos solos ácidos do cerrado, melhoramento genético de soja, algodão, gramíneas e gado zebuíno, plantio direto, agroquímicos, mecanização, agricultura de precisão, introdução da segunda safra no mesmo ano agrícola, integração lavoura-pecuária, etc. Melhorou também a capacidade gerencial dos produtores. Terceiro maior exportador mundial de produtos do agronegócio, o Brasil detém hoje os melhores índices de produtividade do mundo em pelo menos uma dezena de commodities importantes”. Neste contexto e entendida a abrangência do termo, o Zootecnista atua, quase que exclusivamente no ambiente macro do agronegócio. Este é o lócus de atuação de nossa profissão e da maioria das profissões co-irmãs. O Zootecnista está inserido em todos os elos das cadeias produtivas que representam o agronegócio, ora como profissional especialista, ora como gestor e ou empreendedor. Não atua somente no âmbito das unidades produtivas (fazendas, granjas, sítios, chácaras, etc.) como se preconizava no passado, mas em todas as atividades que constroem estas cadeias. Estão ligados à produção e comercialização de insumos (rações, fertilizantes e corretivos, promotores de crescimento, equipamentos, softwares); na produção de alimentos e biomassas propriamente ditos em todas as unidades possíveis (cooperativas, empresas rurais, produção familiar); em empresas agroindustriais de processamento e gestão da qualidade dos produtos (frigoríficos e laticínios); na distribuição e comercialização de produtos acabados (hipermercados, comércio em geral, boutiques de carne, petshops, etc.); na produção de P,D&I e como policy makers para o setor público e privado (universidades, institutos de pesquisa, órgãos do governo, etc.); na oferta de serviços (gestão, turismo rural, feiras, festas e manifestações culturais do ambiente rural, como exposições, vaquejadas, rodeios, etc.), além de acompanhar as principais tendências e instrumentos comerciais do setor (leilões, marketing, comunicação, etc.) junto aos consumidores. Ou seja, o agronegócio como conceito é o ambiente de trabalho do Zootecnista.
Enquanto Zootecnista, como recebe o tema do samba-enredo da Imperatriz para o ano de 2017?
Há que se analisar que o tema do samba-enredo da Escola Imperatriz Leopoldinense para 2017, não é ligado diretamente à questão do agronegócio. Trata-se de importante e legítima representação da trajetória dos povos indígenas do país, reforçando uma visão sob a ótica dos próprios, com a licença da poesia e da arte. Não há o que se discutir sobre a expropriação dos recursos naturais que estavam sob o controle dos povos autóctenes em função do modelo de desenvolvimento utilizado na colonização portuguesa, pois é fato histórico. Esse é o “monstro” que entendo estar sendo retratado. Talvez, por falta de entendimento, do termo e da contribuição do agro no país, haveria uma possibilidade de uma dada ala da Escola, confundir que as atividades do agronegócio (aí sim, com conotação segmentada e equivocada, mais de natureza especulativa e capitalista) com algum risco de se generalizar os atores envolvidos é um dos responsáveis por esta expropriação e uso indevido dos recursos naturais, que supostamente, os indígenas seriam os guardiões. Nem uma versão nem outra são totalmente corretas. Chamar a atenção para que estejamos atentos aos problemas do modelo produtivo que se utiliza (no meu entendimento mais como exceção do que como a regra no momento atual) é uma crítica válida. Creio que a licença poética deverá ser respeitada mas, no entanto, com o devido cuidado para que a resultante demonstrada (em fantasias e evolução) não permita que se utilize desse tipo de argumento para prejudicar as complexas relações comerciais que o agronegócio possui hoje, como um dos principais fornecedores de alimento para o mundo. É preciso lembrar que as barreiras utilizadas para justificar ou não a compra de produtos brasileiros pelos países importadores são mais de natureza ambiental, social e técnica do que tarifárias. Qualquer excesso no destaque do aspecto negativo pode dar margem à interpretações restritivas a serem utilizadas pelos compradores como um reconhecimento da suposta inadequação de nossos métodos como um dos principais players deste mercado.