Suplementação com Ácido Docosahexaenoico e seus Efeitos sobre a Resposta Inflamatória e Oxidativa em Gatos

Suellen Scheibel1, Ricardo S. Vasconcellos2, Layne C. Pereira3, Darilha M. Rodrigues4, Michelle C. Souza5, Rafael R. Huppes6, Andressa F. S. Nogueira7, Mariana R. L. Barion8
1 - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Jaboticabal
2 - Universidade Estadual de Maringá
3 - Universidade Estadual de Maringá
4 - Centro Universitário Ingá
5 - Centro Universitário Ingá
6 - Centro Universitário Ingá
7 - Universidade Federal do Piauí
8 - Veterinária autônoma

RESUMO -

Gatos foram suplementados com uma alga fonte de ácido docosahexaenoico (DHA) e submetidos à castração cirúrgica, para avaliar os efeitos sobre indicadores do estado inflamatório e oxidativo. Trinta e sete gatos, machos e fêmeas receberam por 62 dias um alimento com níveis de 0,05%, 0,10%, 0,16%, 0,21% de DHA ou o controle, rico em ω-6. Antes da castração e 72 horas pós-cirurgia coletou-se sangue dos animais. Quantificaram-se as plaquetas, proteínas de fase aguda, PGE2, TBARS e tióis. Houve redução plaquetária (P < 0,05) no pós-operatório. As proteínas de fase aguda elevaram-se após a castração (P < 0,05) com aumento da transferrina a partir do nível com 0,10% DHA. Ocorreu interação entre tratamentos e períodos para PGE2, com redução deste eicosanoide nos níveis mais altos de DHA. O TBARS apresentou aumento e os tióis queda nos pós-operatório (P < 0,05). O fornecimento de ω-3 na dieta modula o perfil inflamatório de gatos, sem efeito do tratamento para resposta oxidativa.

Palavras-chave: ômega-3, oxidação lipídica, pico inflamatório, prostaglandina, proteínas de fase aguda

Supplementation with Docosahexaenoic Acid and its Effects on Inflammatory and Oxidative Response in Cats

ABSTRACT - Cats were supplemented with a source of docosahexaenoic acid (DHA) and submitted to surgical castration to evaluate the effects on inflammatory and oxidative status indicators. Thirty-seven cats, males and females received a food with levels of 0.05%, 0.10%, 0.16%, 0.21% of DHA or the control rich in ω-6, for 62 days. Before castration and 72 hours after surgery, blood was collected from the animals. Platelets, acute phase proteins, PGE2, TBARS and thiols were quantified. There was platelet reduction (P < 0.05) in the postoperative period. The acute phase proteins increased after castration (P < 0.05) with increased transferrin from the 0.10% DHA level. Interaction between treatments and periods for PGE2 occurred, with reduction of this eicosanoid in the higher levels of DHA. The TBARS presented increase and the thiols drop in the postoperative period (P < 0.05). The supply of ω-3 in the diet modulates the inflammatory profile of cats, with no treatment effect for oxidative response.
Keywords: acute phase proteins, inflammatory peak, lipid oxidation, omega-3, prostaglandin


Introdução

A dieta ocidental animal, assim como a humana é rica em ácidos graxos ω-6, como o ácido linoleico e o araquidônico, tornando a relação de ingestão de ω-6:ω-3 elevada (NRC, 2006). Os ω-6 são precursores de eicosanoides pró-inflamatórios da série par, que podem favorecer o desequilíbrio inflamatório, oxidativo e desencadear doenças crônicas (Szic et al. 2015). Já os ω-3, como o ácido docosahexaenoico (DHA), são considerados menos inflamatórios por possuírem atividade anticoagulante, antiagregante e vasodilatadora, além de competirem pela mesma via metabólica com os ω-6 para síntese de eicosanoides da série ímpar (Calder, 2012). A modificação na relação ω-6:ω-3 na dieta influencia a resposta inflamatória, que por sua vez afeta a resposta oxidativa no organismo. Assim o objetivo deste trabalho foi avaliar indicadores do estado inflamatório e antioxidante de gatos recém-castrados, após suplementação com uma alga fonte de DHA.

Revisão Bibliográfica

Os ácidos graxos têm um importante papel na estruturação, mobilidade, fluidez e atividade enzimática das membranas celulares, agem como receptores de proteínas, canais de íons e ainda estão envolvidos na imunomodulação. Os ácidos graxos de maior importância para o organismo, ω-6 e ω-3, precisam estar em proporções adequadas para que seus efeitos benéficos sejam expressos. Assim, as relações dietéticas recomendadas de ω-6:ω-3 devem estar abaixo de 10:1 (Holman, 1998). Quando sintetizados a partir de ω-6, os sinalizadores do sistema imunológico podem ser da série par, com ação pró-inflamatória como o leucotrieno B4, tromboxano A2, prostaglandina E2, por exemplo, ou da série ímpar, provenientes do ω-3 e considerados menos inflamatórios, como leucotrieno B5, tromboxano A3, prostaglandina E3. A elevação da incidência de doenças inflamatórias relaciona-se com a alta produção de substâncias pró-inflamatórias, e os ω-6, se ingeridos em excesso, podem trazer prejuízos aos tecidos corporais, causando trombos, maior destruição tecidual e produção anormal de mediadores inflamatórios (Wall et al., 2010). Tal desequilíbrio inflamatório também provoca estresse oxidativo e aumenta a concentração de espécies reativas ao oxigênio (ROS) ou diminui a glutationa reduzida (GSH), mediador endógeno anti-inflamatório, responsável pela captação de radicais livres (Ghezzi, 2011).  O aumento das citocinas e do ROS acaba por danificar as células, teoria conhecida como “oxiinflammaging” (Szic et al., 2015), pois induz a peroxidação lipídica nas membranas celulares, aumenta sua permeabilidade e inativa enzimas e receptores, além de permitir a liberação de outras espécies oxidativas, levando ao desequilíbrio global do estado redox (Birben et al., 2012). É possível notar que há uma relação estreita entre a resposta imunológica e o estado oxidativo do organismo.

Materiais e Métodos

Utilizou-se 21 gatos machos e 16 fêmeas, com idade de 11,5 ± 0,5 meses e peso médio de 3,58 ± 0,62 kg, distribuídos em cinco tratamentos: controle (n = 9), o qual a ração continha somente gordura de aves (relação ω-6:ω-3 de 20:1), mais quatro grupos que receberam ração suplementada com DHA, proveniente da alga Schyzotrichium spp., em substituição a gordura de frango, nos níveis 0,05; 0,10; 0,16 e 0,21% (n = 7), fornecidas por 62 dias. Coletou-se o sangue no início do experimento (covariável), após 55 dias consumindo as dietas, momentos antes da operação e 72 horas após a castração cirúrgica. Realizou-se um hemograma, quantificaram-se as proteínas de fase aguda (ceruloplasmina, haptoglobina e transferrina) por eletroforese, prostaglandina E2 (PGE2) por imunoensaio enzimático, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) e tióis por colorimetria. O sexo dos gatos foi blocado, os dados submetidos á ANCOVA e as médias comparadas pelo teste Tukey a 5% (SAS, 2009).

Resultados e Discussão

Na tabela 1 podemos observar que as plaquetas reduziram (P < 0,05) no pós-operatório devido à reparação tecidual, mas aumentaram significativamente suas concentrações nos níveis 0,16% e 0,21% de DHA. A maior ingestão de DHA e menor relação ω-6:ω-3 na dieta, promove maior incorporação do ω-3 nas membranas das células sanguíneas, logo favorecendo a produção do tromboxano A3, um composto antiagregante (Park et al., 2011). As proteínas de fase aguda aumentaram significativamente (P < 0,05) no pós-operatório, porém apenas a transferrina diferiu entre os tratamentos, elevando sua concentração a partir do nível com 0,10% DHA. Esta proteína tem caráter regulatório negativo (Jain et al., 2011), porém ao contrário do esperado, apresentou comportamento positivo em gatos. A PGE2 apresentou interação entre tratamentos e períodos, e apesar de não haver diferença significativa entre os tratamentos, observa-se que o maior nível de DHA apresentou redução na concentração do eicosanoide no pós-operatório. A suplementação com ω-3 reduz a produção de PGE2 (proveniente dos ω-6) e aumenta a PGE3, menos potente, pois há competição pelas mesmas vias sintetizadoras, modulando a resposta inflamatória (Calder, 2012). O TBARS teve aumento no pós-operatório (P < 0,05), mas não entre os tratamentos (P > 0,05). Os tecidos danificados e o processo inflamatório favorecem o estresse oxidativo em consequência da liberação de lipases e lipoxigenases, que causam a oxidação lipídica, ainda os gatos apresentam resistência ao processo inflamatório induzido pela dieta, pois tem alta tolerância a dietas ricas em gordura (Verbrugghe et al., 2014). Já os tióis totais mostraram queda no pós-operatório (P < 0,05). A explicação para este resultado é relacionado a maior produção de proteínas de fase aguda, compostas por aminoácidos sulfurados, provocando a depleção da produção de GSH, no qual estão presentes os tióis (Ghezzi, 2011).

Conclusões

A suplementação com DHA melhorou os níveis de plaquetas sanguíneas nos tratamentos com 0,16% e 0,21% do ω-3 devido ao efeito anti-agregante e reduziu a intensidade da resposta de PGE2, a medida que aumentou a inclusão de DHA na dieta. Não foram verificadas modificações nos indicadores do estado oxidativo entre os tratamentos.

Gráficos e Tabelas




Referências

Birben, E., U. M. Sahiner, C. Sackesen, S. Erzurum e O Kalayci. Oxidative stress and antioxidant defense. World Allergy Organ. J. 5:9-19, 2012. Calder, P. C. Fatty acids long-chain fatty acids and inflammation. Proc. Nutr. Soc. 71:284-289, 2012. Ghezzi, P. Role of glutathione in immunity and inflammation in the lung. Int. J. Gen. Med. 4:105-113, 2011. Holman, R. T. The slow discovery of the importance of ω-3 essential fatty acids in human health. J. Nutr. 128:427-433, 1998. Jain, S. V. Gautam e s. Naseem. Acute-phase proteins: as diagnostictool. J. Pharm. Bioallied. Sci. 3:118-127, 2011. NRC. Nutrient requirements of dogs and cats. Rev. Ed. Natl. Acad. Press, Washington, DC, 2006. Park, H. J., J. S. Park, M. G. Hayekb, G. A. Reinhart e B. P. Chewa. Dietary fish oil and flaxseed oil suppress inflammation and immunity in cats. Vet. Immunol. Immunopathol. 141:301-306, 2011. SAS Institute. 2009. SAS Proprietary Software, Release 9.2. SAS Inst. Inc., Cary, NC. Szic, K. S., K. Declerck, M. Vidaković e W. V. Berghe. From inflammaging to healthy aging by dietary lifestyle choices: is epigenetics the key to personalized nutrition? Clin Epigenetics. 7, 2015. Verbrugghe, A., G. P. Janssens, H. V. Velde, E. Cox, S. Smet, B. Vlaeminck e M. Hesta. Failure of a dietary model to affect markers of inflammation in domestic cats. BMC Vet. Res. 10, 2014. Wall, R., R. P. Ross, G. F. Fitzgerald e C. Stanton. Fatty acids from fish: the anti-inflammatory potential of long-chain omega-3 fatty acids. Nutr. Rev. 68:280-289, 2010.