Degradabilidade in situ da proteína bruta da casca de café tratada com óxido de cálcio em ambiente aeróbico ou anaeróbico

Felipe Evangelista Pimentel1, João Paulo Santos Roseira2, Tâmara Chagas da Silveira3, Rasmo Garcia4, Leandro Diego da Silva5, Thiago Carvalho da Silva6, Aline Naime Rodrigues7, Cristina Mattos Veloso8
1 - Universidade Federal de Viçosa
2 - Universidade Federal de Viçosa
3 - Universidade Federal de Viçosa
4 - Universidade Federal de Viçosa
5 - Universidade Federal dos Vales de Jequitinhonha e Mucuri
6 - Universidade Federal de Goiás
7 - Universidade Federal de Viçosa
8 - Universidade Federal de Viçosa

RESUMO -

Objetivou-se avaliar a degradabilidade da proteína bruta da casca de café tratada com óxido de cálcio (CaO), em condição de aerobiose ou anaerobiose. A casca de café foi submetida aos tratamentos, distribuídos em esquema fatorial 2 × 2, sendo duas doses de CaO (0 e 5% base da MS) e duas condições de ambiente para reação (aeróbico e anaeróbico), no delineamento inteiramente casualizado, com três repetições. Amostras de 5,0 g de casca de café tratada foram incubadas no rúmen de dois bovinos machos, nos intervalos de tempo 0, 3, 6, 9, 12, 24, 48, 72, 96 e 120 horas. Foi verificado efeito (P<0,05) para interação CaO × condição de ambiente, apenas para a fração “a”. Para a fração b, foi observado efeito (P0,05) para CaO e condição de ambiente. A utilização de óxido de cálcio para o tratamento da casca de café promove aumento na fração potencialmente degradável da proteína bruta.

Palavras-chave: álcali, resíduo, ruminante

Crude protein in situ degradability of coffee hulls treated with calcium oxide in aerobic or anaerobic ambient

ABSTRACT - Crude protein in situ degradability of coffee hulls treated with calcium oxide under aerobic and anaerobic conditions was evaluated. The coffee hull was subjected to treatments in a 2 × 2 factorial design, with two doses of CaO (0 and 5% DM basis) and two environmental conditions for reaction (aerobic and anaerobic), in a completely randomized design with three replications. Samples of 5.0 g of treated coffee hulls were incubated in the rumen of two steers during 0, 3, 6, 9, 12, 24, 48, 72, 96 and 120 hours. It was verified effect (P <0.05) for interaction CaO × environment condition, only for fraction a. For fraction b, effect (P <0.05) was observed for CaO and environmental condition. When evaluating the potential degradability, no effect (P> 0.05) was observed for CaO and environmental condition. The use of calcium oxide for the treatment of the coffee husk promotes an increase in the potentially degradable fraction of the crude protein.
Keywords: alkali, residue, ruminant


Introdução

Os resíduos agroindustriais, em sua maioria, são caracterizados alimentos de baixo valor nutritivo para ruminantes. Em sua composição apresentam baixos teores de proteína bruta (<4%) e elevada participação de constituintes fibrosos indigestíveis, o que proporciona digestibilidade da matéria seca inferior a 50% (Reis e Rodrigues, 1993; Valadares Filho et al.; 2015).

Neste sentido, produtos químicos, como o óxido de cálcio, têm sido estudado com objetivo de melhorar o valor nutricional dos resíduos, pois promovem solubilização dos constituintes da parede celular, permitindo melhor aproveitamento dos nutrientes pelos animais.

Face ao exposto, objetivou-se avaliar a degradabilidade in situ da proteína bruta da casca de café tratada com óxido de cálcio em ambiente aeróbico ou anaeróbico.



Revisão Bibliográfica

A busca por alimentos alternativos que apresentam valor nutritivo adequado, elevada disponibilidade e custo compatível com o sistema de produção, torna-se importante estratégia para o incremento da produção de carne e/ou leite, ocasionando aumento na lucratividade. Neste cenário, destaca-se a utilização da casca de café na nutrição de ruminantes, resíduo que é gerado em grande quantidade no país. Segundo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento em 2017 o Brasil produzirá cerca de 47,509 milhões de sacas de café beneficiado (saca de 60 Kg). Considerando a relação de café beneficiado e casca de 1:1 (Bártholo et al., 1989) será obtido no ano de 2017, 23,7 milhões de sacas de casca de café. Esse resíduo, apresenta elevada concentração de constituintes fibrosos, no entanto, estudos tem demonstrado o potencial de sua utilização na forma in natura ou quando submetido aos tratamentos físicos e químicos. Diversas substâncias são empregadas em volumosos fibrosos com a finalidade de melhorar o valor nutritivo, destacando-se o hidróxido de sódio, a ureia, a amônia anidra, o óxido de cálcio (CaO) e hidróxido de cálcio (Ca(OH)2), dentre outras. O tratamento químico ideal dever ser eficaz para aumentar a digestibilidade; benefício superior aos custos; não possuir efeitos tóxicos sobre os animais e contaminação ambiental; fornecer nutrientes essenciais para o animal e não ser perigoso ao manusear (Owen et al., 1984). Neste cenário, a cal micropulverizada, surge como alternativa segura e de baixo custo, para ser empregada no tratamento de materiais fibrosos. É encontrada nas formas de CaO e Ca(OH)2, com baixos teores de magnésio (Mg), dioxinas e furanos, certificados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para alimentação animal (Campos et al., 2011). Chaudhry (2000) avaliou a degradação ruminal da palhada de trigo tratada com CaO e concluiu que a utilização desse álcali modifica a composição da parede celular o que leva ao aumento da degradação ruminal, portanto, pode ser usado como uma alternativa para aumentar o consumo de matéria orgânica digestível na dieta de ruminantes. Apesar do volume de casca de café disponível e das pesquisas já conduzidas quanto a sua utilização na forma in natura, faz necessário a realização de novos estudos para submeter à casca de café a tratamentos químicos, especificamente, com óxido de cálcio o que pode possibilitar a participação deste resíduo em níveis mais elevados na dieta de ruminantes.

Materiais e Métodos

O experimento foi conduzido no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, UFV. A casca de café foi submetida aos tratamentos, sendo duas doses de CaO (0 e 5% base da MS) e duas condições de ambiente para reação (aerobiose e anaerobiose), no delineamento inteiramente casualizado em esquema fatorial 2 × 2, com três repetições. No tratamento 0% de CaO, foi acondicionada, nos sacos de polietileno, apenas 3 kg da casca de café (50% de umidade). Para o nível 5%, foi adicionada, na casca, a cal micropulverizada em pó logo após a pesagem da mesma. Para a condição de ambiente aeróbico, os sacos foram mantidos abertos e a condição de anaerobiose foi estabelecida utilizando seladora a vácuo. Após sete dias de tratamento, procedeu-se a coleta da casca de café. Para o ensaio de degradabilidade in situ, foram pesadas amostras de aproximadamente, 5,0 g (partícula 2mm) e acondicionadas em sacos de náilon (17 x 10 cm) com porosidade de 40 µm, previamente pesados. Um saco de cada tratamento, por horário, foi incubado em dois bovinos machos, nos intervalos de tempo 0, 3, 6, 9, 12, 24, 48, 72, 96 e 120 horas. Depois de retirados do rúmen, os sacos foram lavados em água corrente, em seguida, foram mantidos durante 72 horas em estufa ventilada, a 55°C, sendo novamente pesados. Posteriormente, foram abertos e os resíduos foram analisados quanto ao teor de proteína bruta (PB), conforme Detmann et al. (2012). Para estimativa dos parâmetros cinéticos de degradação da PB, foi utilizada a equação proposta por Ørskov & McDonald (1979): Dt= a+b x (1-e-ct), em que: Dt= fração degradada no tempo t (%); a = fração solúvel (%); b = fração insolúvel potencialmente degradável (%); c = taxa de degradação da fração B ; e t = tempo (h). Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, e as médias comparadas pelo teste F, utilizando 0,05 como o nível crítico de probabilidade para o erro tipo I, por intermédio do procedimento MIXED do SAS (versão 9.3).

Resultados e Discussão

Ao avaliar os parâmetros da degradação da PB, foi verificado efeito (P<0,05) para interação CaO × condição de ambiente, apenas para a fração “a”. Observou-se que a utilização do CaO proporcionou redução (P<0,05) desta fração apenas em condição de anaerobiose (Tabela 1). Silva et al. (2014) ao avaliarem a silagem de cana-de-açúcar tratada com CaO observaram valor inferior, 20,38%, para esta fração. Vale ressaltar que, até o momento, não há elucidação na literatura dos possíveis efeitos do óxido de cálcio na fração proteica de resíduos tratados. Para a fração potencialmente degradável (b), foi observado efeito (P<0,05) para CaO e condição de ambiente. A utilização do CaO promoveu aumento (P<0,05) dessa fração, registrando valores de 35,02% e 39,86% para a casca não tratada e tratada, respectivamente (Tabela 1). Possivelmente, ao solubilizar constituintes da parede celular, parte da proteína presente foi disponibilizada para os micro-organismos ruminais. Verificou-se ainda que a condição de anaerobiose apresentou valor superior (P<0,05) para essa fração, quando comparado a condição de aerobiose. Os valores apresentados para as taxas de degradação da fração b (%/h) não foi verificado efeito (P>0,05) para a utilização do CaO, bem como o ambiente, evidenciando que o CaO e o ambiente não interferem na taxa de degradação da fração b (Tabela 1). Ao avaliar a degradabilidade potencial (DP) não foi verificado efeito (P>0,05) para CaO e condição de ambiente. No entanto, a degradabilidade efetiva (DE) apresentou efeito (P<0,05) para a interação CaO × condição de ambiente. O menores valores observados foram 66,36% e 58,96% para casca não tratada em condição de aerobiose, para as taxas de 2%/h e 5%/h, respectivamente (Tabela 1). Quanto ao ambiente, verificou-se que em condição de anaerobiose a casca não tratada apresentou valores superiores (P<0,05) quando comparado à condição de aerobiose. Ao avaliar a casca de café tratada não foi verificado diferença dos ambientes para a degradabilidade efetiva (Tabela 1). Goes et al. (2008) ao estudarem a DE da proteína bruta da casca de soja in natura encontraram valores de 64,98% e 53,34% nas taxas de 2 e 5%/h, resultados inferiores aos encontrados para a casca de café no presente estudo. Este fato demonstra o potencial para a utilização desse resíduo na alimentação das diferentes categorias de animais.

Conclusões

A utilização de óxido de cálcio para o tratamento da casca de café promove aumento na fração potencialmente degradável da proteína bruta. A condição de anaerobiose constitui o ambiente mais apropriado para o tratamento da casca.

Gráficos e Tabelas




Referências

Bártholo, G.F.; Magalhães, A.A.R.; Guimarães, P.T.G.; Chalfoun, S.M. Cuidados na colheita, no preparo e no armazenamento do café. Informe Agropecuário, v.14, n.162, p.33-44,1989. Campos, M.M.; Borges, A.L.C.C.; Lopes, F.C.F.; Pancoti, C.G.; Silva, R.R. Degradabilidade in situ da cana-de-açúcar tratada ou não com óxido de cálcio, em novilhas leiteiras Holandês x Gir. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.63, n.6, p.1487-1492, 2011. Chaudhry, A.S. Rumen degradation in sacco in sheep of wheat straw treated with calcium oxide, sodium hydroxide and sodium hydroxide plus hydrogen peroxide. Animal Feed Science and Technology, 83, 313-323, 2000. CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. Levantamento de Safras: 1° levantamento de 2017. Disponível em:< http://www.conab.gov.br/>. Acesso em 14 março de 2017. Detmann, E.; Souza, M. A.; Valadares Filho, S. C.; Queiroz, A. C.; Berchielli, T. T.; Saliba, E. O. S.; Cabral, L. S.; Pina, D. S.; Ladeira, M. M.; Azedo, J. A. G. 2012. Métodos para análise de alimentos. 1ed. Visconde do Rio Branco, MG: Suprema. 214p. Goes, R. H. T. B.; Tramontini, R. C. M.; Almeida, G. D.; Cardim, S. T.; Ribeiro, J.; Oliveira, L. A.; Morotti, F.; Brabes, K. C. S.; Oliveira, E. R. Degradabilidade rumnal da matéria seca e proteína de diferentes subprodutos agroindustriais utilizados na alimentação de bovinos. Revista Brasileira Saúde Produção Animal, v.9, p. 715-725, 2008. ∅rskov, E. R. and McDonald, I. 1979. The estimation of protein degradability in the rumen from incubation measurements weighted according to rate of passage. Journal of Agricultural Science 92:499-503. Owen, E.; Klopfenstein, T.; Urio, N.A. Treatment with other chemicals. p.248-275. In: Straw and fibrous by-products as feed. Sundstol, F.; Owen, E. (ed.). Elsevier. Sci. Pub. Co., 1984. Reis, R. A.; Rodrigues, L. R. A. Amonização de volumosos. Jaboticabal: FUNEP, 1993. 22p. Silva, G. W. V.; Rocha Júnior, V. R.; Rocha, W. J. B.; Reis, S.T.1; Pires, D.A.A.; Antunes, A.P.S.; Almeida Filho, S. H. C.; Oliveira, L. M.; Caldeira, L. A.; Souza,V. M. Degradabilidade in situ das silagens de variedades de cana-de-açúcar com aditivos. Archivos de  Zootecnia, v.63, p. 171-182, 2014. Valadares Filho, S. C.; Machado, P. A. S.; Furtado, T.; Chizzotti, M. L.; Amaral, H. F. Tabela brasileiras de composição de alimentos para bovinos. 3ª ed. Viçosa, MG: UFV/DZO, 502f, 2015.