Qualidade físico-química da carne moída bovina in natura comercializada no Brasil
Juliana Lopes Frias1, Renata Teixeira Correa da SIlva2, Thiago Braga Izidoro3, Thalita Oliveira Cucki4
1 - Universidade Anhembi Morumbi
2 - Faculdade Método de São Paulo
3 - Faculdade de Ciências Agrarias de Itapeva
4 - Universidade Anhembi Morumbi
RESUMO -
O Brasil é o segundo maior produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo. A expectativa é que até 2020, a produção nacional de carnes supra até 44,5% do mercado mundial. No entanto, para assegurar as futuras exportações é preciso garantir a qualidade da carne que será produzida. A carne moída é a apresentação mais popular e de baixo custo, sendo mais acessível para população de baixo poder aquisitivo. Todavia, ela possui diversas características altamente favorável para multiplicação de micro-organismos. A fim de minimizar a contaminação e/ou a multiplicação de patógenos indesejáveis se faz necessário a implantação de medidas preventivas, desde o campo até o consumidor final. Diante deste fato, este trabalho tem como objetivo elucidar e revisar dados da literatura sobre a qualidade físico-química da carne moída bovina in natura comercializada no Brasil. A alta contaminação da carne moída é relatada por vários autores na literatura científica dado aos vários cortes e excessivas manipulações. Estudos mostram que o fato do produto estar em local refrigerado não garante que o mesmo esteja em temperatura adequada. A falta de um acondicionamento adequado representa um grande risco à saúde do consumidor. No Brasil, alguns locais possuem legislações específicas no que diz respeito a moagem, apesar disso muitos estabelecimentos também não estão de acordo com as mesmas. A cor da carne é considerada um dos principais aspectos no momento da comercialização. Entretanto as características físico-químicas nem sempre poderão ser utilizadas para determinar a qualidade microbiológica. Muitos consumidores não se atentam para os critérios de qualidade. Definir “qualidade” é uma tarefa árdua, pois pode-se entender qualidade como um conjunto de atributos que satisfaçam as necessidades do consumidor. Num contexto mais amplo, para ter qualidade, uma carne deve atender aos aspectos organoléptico, nutricionais e de controle higiênico sanitário, ou seja, não causar doenças.
Palavras-chave: qualidade físico-química, carne, carne moída
Quality physicist-chemistry of fresh ground beef commercialized in Brazil
ABSTRACT - Brazil is the second largest producer and largest exporter of bovine meat in the world. The expectation is that by 2020, the national meat production will provide 44.5% of the world market. However, to ensure future exports it is necessary to guarantee the quality of the meat that will be produced. Ground beef is the most popular and low-cost presentation, being more accessible to the low-income population. However, it has several highly favorable characteristics for multiplying microorganisms. In order to minimize the contamination and / or multiplication of undesirable pathogens, it is needed to implement preventive measures, from the field to the final consumer. With this fact in mind, this work aims to elucidate and revise data from the literature on the physical-chemical quality of fresh beef produced Brazil and sold internally. The high contamination of the ground meat is reported by several authors in the scientific literature due to the various cuts and excessive manipulation. Studies show that the fact of the product being in a refrigerated place does not guarantee that it is at a suitable temperature. Lack of adequate packaging poses a major risk to consumer health. In Brazil, some places have specific legislation regarding meat grinding, although many establishments also aligned with them. The color of the meat is considered one of the main aspects in the moment of commercialization. However, the physicochemical characteristics cannot always be used to determine the microbiological quality. Many consumers do not pay attention to the quality criteria. Defining "quality" is an arduous task, because we can understand quality as a set of attributes that satisfy the needs of the consumer. In a broader context, in order to have quality, a meat must attend to the organoleptic, nutritional and hygienic aspects of sanitary control, in other words, not cause diseases.
Keywords: quality physicist-chemistry, meat, ground beef
Revisão Bibliográfica
INTRODUÇÃO
Segundo o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) o Brasil é o segundo maior produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo. Em, 2011, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram abatidos, em regime de inspeção, quase 30 milhões de bovinos, gerando aproximadamente 7 milhões de toneladas de carcaças
1, 2.
Em 2015, o país produziu 10,9 milhões de toneladas, ou 18,58% do total mundial de 58,4 milhões de toneladas. A expectativa é que até 2020, a produção nacional de carnes suprirá até 44,5% do mercado mundial. Entretanto é de fundamental importância garantir a qualidade e inocuidade da carne que será produzida para assegurar as futuras exportações
1.
No Brasil, a carne bovina é um produto que pode ser encontrada em diferentes tipos de cortes e apresentações, bem como empregado em inúmeros derivados cárneos, sendo altamente versátil. A carne moída é a apresentação mais popular e de baixo custo, sendo assim mais acessível para população de baixo poder aquisitivo
3. Ela possui diversas características intrínsecas que a torna um meio altamente favorável para multiplicação de micro-organismos, não só por apresentar maior superfície de contato, mas também por sofrer maior manipulação
4.
Os produtos cárneos são os primeiros na lista dos alimentos envolvidos em toxinfecções alimentares, causadas pela ingestão de carne contaminada com patógenos, tais como a
Salmonella e a
Escherichia coli. Há ainda a possibilidade de transmissão de doenças parasitarias, tais como a teníase e a cisticercose
4.
A fim de minimizar a contaminação e/ou a multiplicação de patógenos indesejáveis, sobretudo na carne moída, faz se necessário a implantação de medidas preventivas eficientes aliada à implantação de boas práticas de higiene que contemplem todas as etapas da cadeia produtiva, desde o campo até o consumidor final, evitando assim que isso possa gerar um grande problema de Saúde Pública.
Este trabalho tem como objetivo elucidar e revisar dados da literatura sobre a qualidade físico-química da carne moída bovina
in natura comercializada no Brasil.
Revisão de Literatura
A carne é composta quase que exclusivamente de tecido muscular esquelético. Possui alta atividade de água, cerca de 75% de água, e o seu pH favorece o crescimento da maioria dos micro-organismos variando de 5,4 a 5,6
4, 5, 6.
De acordo com a Instrução Normativa n° 83 (IN 83), a carne moída é o produto cárneo obtido a partir da moagem de massas musculares, seguido de imediato resfriamento ou congelamento
7.
Os ingredientes obrigatórios da carne moída são as carnes obtidas de massas musculares esqueléticas de bovinos que pode ter a água como ingrediente opcional, no valor máximo de 3%. A carne moída não possui coadjuvantes de tecnologia e o requisito físico-químico de gordura é de no máximo 15%. A matéria-prima a ser utilizada deve ser a carne resfriada ou congelada não se permitindo a utilização de carne quente
7.
A Lei 16.386 (2016), aprova a manipulação, embalagem e comercialização de carne moída pelos comércios varejistas de carne, que incluem as seções de açougue dos super, hipermercados e atacarejos, entre outros estabelecimentos no município de São Paulo. Entretanto, é direito do consumidor exigir que a carne seja moída na sua presença e no tipo por ele solicitado
8.
A alta contaminação da carne moída é relatada por vários autores na literatura científica
3, 9, 10, 11. A carne moída comercializada proveniente de vários cortes e excessivas manipulações possuem maior contaminação do que aquelas originárias de grandes cortes. Além disso, em alguns estabelecimentos comerciais os utensílios utilizados para produção da carne moída, tais como o moedor de carne, as facas, e materiais para estoque, muitas vezes não são higienizados de acordo com as boas práticas de manipulação, o que aumenta a possibilidade de contaminação
12.
Resultados e Discussão
Temperatura
Apenas 14/20 amostras em estudo realizado por Baptista et al., (2013) estavam em local refrigerado e nenhum dos estabelecimentos a temperatura do balcão expositor estava visível ao consumidor. Entretanto apenas 2/20 amostras estavam de acordo com os valores de temperatura que a IN 83 regulamenta para carne moída refrigerada
13. Segundo a IN 83 a temperatura de armazenamento da carne moída resfriada deve ser de 0°C a 4°C e a da carne moída congelada máxima de -18°C
7.
Marchi et al., (2012) analisaram 30 amostras de carne moída, mas nenhuma amostra atendia a legislação vigente, sendo a menor temperatura aferida foi de 6°C e, a maior, 21°C
14. Valores semelhantes foram encontrados por Arçari et al., (2011) que analisaram 25 amostras provenientes de 5 diferentes supermercados de Vitória-ES e verificaram que apenas um supermercado (cinco amostras) estava de acordo com os padrões da legislação vigente
15.
Analisando condições higiênico sanitárias em mercados públicos Lino et al., (2009) constatou que 99,17% dos comerciantes expunham os produtos para a venda em temperatura ambiente
16.
A falta de um acondicionamento correto da carne moída representa um grande risco à saúde do consumidor. Inclusive pelo fato dela possuir maior superfície de contato, torna-se mais exposta à contaminação.
Moagem da carne
Segundo a IN 83, após o processamento de moagem o produto deverá sair do equipamento com temperatura inferior a 7°C e ser submetido, imediatamente, ao congelamento ou ao resfriamento
7. Baptista et al., (2013) verificaram que 8/20 amostras de carne foram moídas na hora. Destas, 6/8 ocorreram em temperatura ambiente e 2/8 em câmaras frias. Independentemente do local da moagem todas as amostras de carne moída apresentaram a temperatura interna acima de 7°C no momento da compra
13.
A Lei n° 17.721 (2011) proíbe a venda de carne previamente moída em hipermercados, supermercados e outros estabelecimentos congêneres, localizados no âmbito do município do Recife, obrigando que os estabelecimentos realizem a moagem da carne somente no momento da compra
17. Entretanto Baptista et al., (2013) verificaram que apenas 3/5 realizaram a moagem na presença do consumidor
13.
De acordo com Marchi (2006) as carnes pré-moídas em comparação com as moídas apresentam maiores populações de micro-organismos na hora da compra
18.
Características organolépticas
Estudo realizado sobre a percepção dos consumidores com relação a qualidade da carne bovina, todas as classes sociais (A, B, C e D) indicaram que a coloração é o maior sinônimo de qualidade. Em segundo, o sabor, para as classes C e D, e odor, para as classes A e B
20.
Em 20 amostras de carne moída comercializada na cidade de São Paulo 14/20 (70%) das amostras apresentaram alterações na aparência pelo excesso de aponeurose e fibras do tecido conjuntivo colagenoso
20. A exigência de isenção de aponeuroses pela IN 83 é uma tarefa difícil de ser cumprida, mas a IN 83 diz que a carne moída deve estar isenta de tecidos inferiores, tais como, ossos, cartilagens, gordura parcial, aponeuroses, tendões, coágulos, nódulos linfáticos, entre outros
7. A presença de materiais estranhos nas carnes moídas indica a falta de cuidado dos comerciantes em fornecer um produto de qualidade. O consumidor, por sua vez, está comprando um produto que, além de não ser carne, pode causar algum dano à saúde
21.
A cor da carne é considerada um dos principais aspectos no momento da comercialização. A coloração uniforme tanto na face externa, como na interna foram observadas em 4/20 amostras. Entretanto 15/20 foi possível visualizar áreas com presença de manchas vermelhas pardas e 1/20 apresentou mancha escurecida de cor acinzentada. Os autores sugerem que a amostra que apresentou coloração acinzentada tenha tido algum envolvimento microbiano, pois o pH da mesma era de 5,75, ou seja, pouco abaixo do ideal, a carne estava com temperatura de comercialização de 15°C e apesar de apresentar bom aspecto e boa consistência, o odor estava desagradável. Já a coloração vermelha escura das amostras de carne moída analisadas podem estar relacionada com a falta de oxigenação no interior das peças, pois a face externa de todas as carnes, encontravam-se com o aspecto normal, isto é, vermelhas, uniformes e brilhantes
13.
Marchi (2006) ressalta que as análises físico-químicas nem sempre podem ser utilizadas para se determinar a qualidade microbiológica da carne moída
18.
A coloração vermelha parda é comum em carnes frescas e sinaliza a presença do pigmento desoximioglobina. Essa coloração ocorre no interior das peças e também nas carnes embaladas a vácuo devido à ausência do oxigênio
22. Quando o pigmento desoximioglobina é exposto ao ar tornando-se oxigenado, transforma-se em oximioglobina, o qual confere uma coloração vermelha cereja à carne (figura 1)
23.
A exposição ao ar por longos períodos transforma a oximioglobina em metamioglobina, que resulta na coloração amarronzada da carne
23. Mas para a formação do metamioglobina depende de inúmeros fatores incluindo a pressão parcial do oxigênio, temperatura, pH e em alguns casos crescimento microbiano
25.
Considerações Finais
Os estudos mostram que grande parte dos estabelecimentos não oferecem condições apropriadas segundo as legislações vigentes. Por outro lado, muitos consumidores não se atentam com alguns critérios de qualidade, como a temperatura, uma vez apenas por visualizarem o produto no balcão refrigerado, entendem que está devidamente acondicionado.
Definir "qualidade" é uma tarefa árdua, pois pode-se entender qualidade como um conjunto de atributos que satisfaçam as necessidades do consumidor. Entretanto num contexto mais amplo, para ter qualidade, uma carne deve atender aos aspectos organoléptico, nutricionais e de controle higiênico sanitário, ou seja, não causar doenças. Para isso órgãos fiscalizadores devem estar atuantes e realizar ações educativas e punitivas.
Gráficos e Tabelas
Referências
1 BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). Brasília: 2016.
2 IBGE. Indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: estatística da produção pecuária. 2012.
3 Motta et al. Avaliação microbiológica de amostras de carne moída comercializada em supermercados da região oeste de São Paulo. Revista Higiene Alimentar, São Paulo, v. 14, n.78/79, p. 59-62, 2000.
4 Franco BDG et al. Microbiologia dos alimentos. São Paulo: Atheneu, 1996.
5 BRASIL, Decreto 30.691/1952. Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Publicado no Diário Oficial da União de 07/07/1952, Seção 1, Página 10.785.
6 Lawrie RA. Ciência da Carne. 6. ed. Porto Alegre: Atmed, 2005.
7 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e abastecimento (MAPA). Instrução Normativa n° 83, de 21 de novembro de 2003. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade de Carnes Bovina em Conserva (Corned Beef) e Carne Moída. Brasília: 2003.
8 São Paulo. Lei n° 16.386, de 3 de fevereiro de 2016. Dispõe sobre a identidade e as características mínimas de qualidade a que o produto cárneo, denominado Carne Moída, obedecerá quando destinado à venda, manipulado e embalado no comércio varejista de carnes e dá outras providências. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, São Paulo, 04 de fevereiro de 2016.
9 Mousa MM et al. Microbial quality of some meat products. Veterinary Medicine Journal, Giza, v. 41, n.3, p. 59-62, 1993.
10 Heredia N et al. Microbiological condition of ground meat retailed in Monterrey, Mexico. Journal of food Protection, Ames, v.64, n.8, p.1249-1251, 2001.
11 Phillips D et al. A national survey of the microbiological quality of retail raw meats in Australia. J Food Prot, v.71, n.6, p.1232-6, 2008
12 Jay JM. Microbiologia de alimentos. 6a ed. Porto Alegre: Editora Artmed, Porto Alegre, p.711, 2005.
13 Baptista RIAA et al. Aspectos qualitativos da carne moída comercializada na região metropolitana do Recife-PE. Acta Veterinária Brasílica, v.7, 2013.
14 Marchi PGF et al. Avaliação microbiológica e físico-química da carne bovina moída comercializada em supermercados e açougues de Jaboticabal - SP. Revista Eletrônica da Univar, v.1, n.7, p.81-87, 2012.
15 Arçari AT et al. Avaliação microbiológica da carne bovina moída comercializada em cinco supermercados de Vitória, ES. Revista Higiene Alimentar, São Paulo, v.25, n.202/203, 2011.
16 Lino GC et al. Condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos de comercialização de carnes nos Mercados Públicos de Jaboatão dos Guararapes, PE. Medicina Veterinária, v.3, 2009.
17 Recife. Lei n° 17.721 de 29 de junho de 2011. Proíbe a venda de carne previamente moída em Hipermercados, supermercados e outros estabelecimentos congêneres, localizados no âmbito do município do Recife. Diário Oficial da Prefeitura do Recife, Recife, ed.75, 30 de junho de 2011.
18 Marchi PGF. Estudo comparativo do estado de conservação de carne moída através de métodos microbiológicos e físico-químicos. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Jaboticabal-SP. 72p, 2006.
19 Mazzuchetti RN, Batalha MO. O comportamento do consumidor em relação ao consumo e às estruturas de comercialização da carne bovina na região de Amerios/PR. Revista Varia Scientia. 4(8):25-43, 2004.
20 Della Torre JCM, Beraquet NJ. Composição centesimal e teor de colágeno em carne bovina moída. Revista do Instituto Adolfo Lutz, 64(2): 231-233, 2005.
21 Almeida-Muradian LB, Penteado MVC. Vigilância sanitária: tópicos sobre legislação e análise de alimentos. 1 a ed. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p.203, 2011.
22 Oliveira DM. Características de carcaça e qualidade de carne de novilhos zebuínos recebendo diferentes grãos de oleaginosas. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Lavras, Lavras-MG. 92p. 2010.
23 Campos L. Suplementação dietética em vitamina E e qualidade da carne bovina. Acessado em 23 de nov. 2016. Disponível <http://www.beefpoint.com.br/cadeiaprodutiva/sic/suplementacao-dietetica-em-vitamina-e-equalidade-da-carne-bovina-58920>
24 EMBRAPA. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA E AGROPECUÁRIA. Conhecendo a carne que você consome. Qualidade da carne bovina. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, 1999.
25 Mancini RA, Hunt MC. Review: Current research in meat color. Meat Science. 71:100-121, 2005.