Fontes de Gordura em Dietas de Bovinos Nelore Confinados: Vida de Prateleira

Ramon Argentini Rizzieri1, Lucas Domingos Ferreira Miranda2, Gabriel Fernandes de Melo3, Carolina Floret da Costa4, Leonardo Rosolen Müller5, Mariana Zanata6, Danilo Domingues Millen7, Cyntia Ludovico Martins8
1 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FMVZ, Campus Botucatu
2 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FMVZ, Campus Botucatu
3 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FMVZ, Campus Botucatu
4 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FMVZ, Campus Botucatu
5 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FMVZ, Campus Botucatu
6 - Universidade de São Paulo - FZEA, Campus Pirassununga.
7 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FCAT - Campus Dracena
8 - UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - FMVZ, Campus Botucatu

RESUMO -

O objetivo do presente estudo foi avaliar a vida de prateleira da carne de bovinos Nelore confinados, alimentados com dietas contendo lipídios naturais e protegidos da degradação ruminal. O delineamento experimental foi em blocos casualizados em esquema fatorial 2 x 2, sendo os tratamentos: T1 lipídios de caroço de algodão e gérmen de milho; T2 lipídios protegidos óleo de soja; T3 blend de ácidos graxos protegidos e T4 lipídios de caroço de algodão e gérmen de milho e blend ácidos graxos protegidos. A vida de prateleira foi avaliada em amostras do músculo Longissimus dorsi, mantidas em gôndola simulando condições de varejo por zero, um, dois e três dias, sendo avaliado pH e cor a cada dia. Diferenças foram observadas para as variáveis pH e cor com efeito do tempo sob as condições de varejo. A inclusão ou não de fontes de lipídios protegidos na dieta de bovinos de corte confinados não afetou a vida de prateleira da carne bovina.

Palavras-chave: ácidos graxos, confinamento, lipídios, vida de prateleira

Fat Sources on Diets in Feedlot Nellore Cattle: Shelf Life

ABSTRACT - The objective of the present study was to evaluate the shelf life of confined Nellore cattle fed diets containing natural lipids and protected from ruminal degradation. The experimental design was randomized blocks in a 2 x 2 factorial scheme, being the treatments: T1 cotton seed lipids and corn germ; T2 lipids protected soybean oil; T3 blend of protected fatty acids and T4 cotton seed lipids and corn germ and blend protected fatty acids. Shelf life was evaluated in samples of Longissimus dorsi muscle, maintained in gondola simulating retail conditions for zero, one, two and three days, being evaluated pH and color every day. Differences were observed for the variables pH and color with effect of time under the retail conditions. The inclusion or not of lipid sources protected in the diet of confined beef cattle did not affect the shelf life of beef.
Keywords: fatty acids, confinement, lipids, shelf life


Introdução

A atividade pecuária brasileira passa por transformações em relação ao sistema de produção, com destaque para o sistema de confinamento, que cresceu consideravelmente nos últimos dez anos, acompanhando a demanda mundial por carne (OLIVEIRA e MILLEN, 2014). Da mesma forma, o mercado consumidor tem se tornado mais exigente em relação à qualidade da carne consumida. Para garantir que os bovinos expressem todo o potencial genético para o desempenho produtivo, é necessário assegurar uma ingestão adequada de energia. Desta forma, a inclusão de lipídios em dietas de terminação tem sido empregada com o intuito de melhorar a eficiência alimentar e obter caraterísticas desejáveis nas carcaças com melhor grau de acabamento, maciez e gordura intramuscular. As fontes de lipídios mais utilizadas na alimentação de bovinos no Brasil são sementes de oleaginosas (algodão, girassol e soja; SOUZA, 2008) e lipídios protegidos da degradação ruminal, compostos principalmente por ácidos linoléico e linolênico, os quais são ácidos graxos essenciais não sintetizados pelos animais. Embora o uso de gordura protegida seja indicado atualmente como alternativa viável para a engorda de bovinos em confinamento, são poucos os estudos desenvolvidos no Brasil relatando o perfil de ácidos graxos com a suplementação desta. O objetivo do presente estudo foi avaliar a vida de prateleira da carne de bovinos Nelore confinados, alimentados com dietas contendo lipídios naturais e protegidos da degradação ruminal.

Revisão Bibliográfica

A terminação de bovinos confinados com dietas de alto concentrado é crescente no Brasil. Entretanto, quanto maior a inclusão de grãos na dieta, maior a ocorrência de distúrbios digestivos (MILLEN, 2008). Lipídios são alimentos alternativos aos grãos pois aumentam o aporte energético sem desencadear problemas metabólicos. Existem diversas fontes de lipídios que podem ser fornecidas aos animais, como sementes de oleaginosas, óleos vegetais e gorduras protegidas (LOPES, 2009). O excesso de lipídios no rúmen pode provocar redução na digestibilidade das fibras (SOUZA, 2008), na ingestão de alimentos e prejuízos no desempenho dos animais (MEDEIROS e ALBERTINI, 2012). Bovinos alimentados com dietas ricas em grãos podem receber até 6% de gorduras sem prejuízo na eficiência de degradação ruminal dos outros componentes da dieta (HESS et al., 1998). Para evitar os efeitos negativos da presença de lipídios no rúmen, estes nutrientes podem ser fornecidos ligados a sais de cálcio, tornando-se relativamente inertes no rúmen, havendo um aumento na densidade energética da dieta sem efeitos negativos na degradação de fibras (JENKINS e PALMQUIST, 1984) e permitindo a absorção intestinal de ácidos graxos essenciais (PUTRINO, 2006). O fator que sofre maior influência da suplementação com lipídios é o perfil de ácidos graxos da carne (MEDEIROS e ALBERTINI 2012). Entretanto, um problema recorrente desta suplementação é a oxidação lipídica, um processo auto catalítico que resulta na deterioração significativa da qualidade da carne. O processo é favorecido pelos ácidos graxos poli-insaturados presentes no músculo (BUCKLEY et al., 1996). A oxidação de lipídios reduz a qualidade da carne deteriorando seu sabor, causando mudança na cor, aumentando a perda de água e oxidação do colesterol. A deterioração do sabor reduz a aceitabilidade dos consumidores devido ao desenvolvimento de sabor e odor desagradáveis, que dependem do grau de instauração dos ácidos graxos presentes na carne. Durante a peroxidação, ácidos graxos poli-insaturados são degradados em componentes voláteis de cadeia curta, como aldeídos, cetonas, álcoois, ésteres e ácidos, causando a deterioração do sabor e odor (TORRES E FERRARI, 2000). A coloração é alterada devido ao processo de oxidação lipídica durante o armazenamento e exposição em gôndolas, pela transformação da oximioglobina em metamioglobina por oxidação. A coloração marrom é pouco atrativa para o consumidor, que rejeita o produto (BUCKLEY et al., 1996).

Materiais e Métodos

O estudo foi conduzido no Confinamento Experimental da FMVZ-UNESP, Botucatu. Foram utilizados 96 bovinos Nelore machos não castrados, com média de 22 meses e peso vivo médio inicial de 400 kg. Após o abate as amostras foram analisadas no Laboratório de Processamento de Carnes da FZEA-USP, Pirassununga. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais CEUA/FMVZ, protocolo 0015/2017. O delineamento experimental foi blocos inteiramente casualizados em esquema fatorial 2 x 2, conforme os tratamentos, T1 fontes naturais de lipídios, provenientes de caroço de algodão e gérmen de milho; T2 fonte de lipídios protegidos provenientes de óleo de soja; T3 blend de ácidos graxos essenciais protegidos e T4 fontes naturais de lipídios, provenientes de caroço de algodão e gérmen de milho e blend ácidos graxos essenciais protegidos. Cada tratamento foi composto por seis baias (4 animais/baia), consideradas as unidades experimentais. A vida de prateleira foi avaliada em amostras do músculo Longissimus dorsi, que foram processadas após abate, embaladas individualmente em bandejas de poliestireno com absorvente de carne Dry Meat, cobertas com filme de PVC (polivinil cloreto) e mantidas em gôndola com luminosidade e temperatura controlada (0 a 5°C) simulando as condições de varejo por zero, um, dois e três dias. No dia zero e final de cada período, foi avaliado o pH, com peagâmetro digital com sonda de penetração da marca HANNA, modelo HI 99163 e cor, utilizando o calorímetro portátil Modelo Miniscan XE, HunterLab®. Os parâmetros avaliados foram L*, a* e b* do sistema CIELab, sendo que L* representa a luminosidade (0 preto, 100 branco), a* é o croma que varia de verde (-) e vermelho (+) e b* intensidade do azul (-) e amarelo (+) (HOUBEN et al., 2000). A leitura foi realizada na superfície de cada amostra em três diferentes pontos do bife, considerando a média como valor determinado.

Resultados e Discussão

Não foram observadas diferenças para as variáveis pH, L* a* e b* entre os tratamentos. Diferenças foram observadas para as variáveis pH, L*, a* e b* nas quais o efeito do tempo sob condições de varejo foi significativo, observando-se menor valor de pH para o dia 3 (P<0,0001) em relação aos demais dias. Para a variável L* houve diferença no dia 0 (P=0,0005) que apresentou menor valor de luminosidade em relação aos dias posteriores. Houve diferença para a variável a*, tendo o dia 0 (P<0,0001) apresentado menor valor em relação aos demais dias analisados. Para a variável b* houve diferenças significativas (P<0,0001) nas quais o dia 0 apresentou menor valor, dia 1 obteve valor igual aos dias 2 e 3, que diferiram entre si, tendo o dia 2 menor valor que dia 3. A avaliação do pH auxilia na detecção de possíveis alterações na carne, tais como a carne dark firm and dry (DFD) de textura dura e coloração escura (FERRINHO, 2016). As médias de pH foram maiores para os dias 1, 2 e 3 sob condições de varejo em relação ao dia 0, indicando que quanto maior o tempo de prateleira da carne, mais ácido é o pH. Entretanto, os valores permaneceram acima de 5,5 indicando que a carne está fresca, ideal para o consumo. O aumento dos valores do croma L* indicam a presença de líquido na superfície da carne. Com o aumento dos dias sob condições de varejo, observou-se alteração na coloração da carne, que se tornou mais brilhante (SANDERS et al., 1997). Entretanto, os resultados obtidos para a variável L*, permitem afirmar que a carne não sofreu desidratação, pois não apresentou valores acima de 41 para esta característica, sendo este, valor máximo esperado (MUCHENJE et al., 2009). Para os cromas a* e b*, devido à embalagem utilizada ser de poliestireno com absorvente e coberta com filme PVC, permitindo o contato da carne com o ar, houve condições para uma mudança da cor púrpura para o vermelho-cereja, que agrada o consumidor. A cor vermelho-cereja da carne permanece neste tipo de embalagem entre dois a quatro dias sob estas condições, e após este período a carne passa a ter uma coloração marrom devido a oxidação lipídica da mesma (SIEGEL et al., 2004). Como o estudo não ultrapassou três dias sob condições de varejo este fator não foi observado.

Conclusões

A inclusão ou não de fontes de lipídios protegidos na dieta de bovinos de corte confinados não afetou a vida de prateleira da carne.

Fatores como pH e cor não foram alterados pelos diferentes tratamentos. Os dias sob condições de varejo proporcionaram queda no pH e mudança na coloração da carne. Entretanto, tais mudanças permaneceram dentro dos valores aceitáveis de qualidade de carne, não afetando a qualidade do produto.

Carne de animais suplementados com fontes de lipídios protegidos contendo ácidos graxos insaturados, mantidas sob condições de varejo por até três dias, tem qualidade igual a carne de animais suplementados com fontes naturais de lipídeos.



Gráficos e Tabelas




Referências

BUCKLEY, D. J.; GOMAA, E. A.; GRAY, J. I. Oxidative quality and shelf life of meats. Meat Science. v. 43, p. S111-S123, 1996. FERRINHO, A. M. Caroço de algodão integral e vitamina E em dietas para bovinos Nelore, confinados por 83, 104 e 11 dias. 2016. 110f. Dissertação (Mestrado). São Paulo: Universidade de São Paulo. 2016. HESS, B. W.; MOSS, G. E.; RULE, D. C. A decade of developments in the área of fat supplementation research with beef cattle and sheep. Journal of Animal Science, v. 86, n. 14 (Suppl), p. E188-204, 1998. JENKINS, T. C.; PALMQUIST, D. L. Effect of fatty acids or calcium soaps on rúmen and total nutrient digestibility of dairy rations. Journal of Dairy Science, v. 67, n. 5, p. 978-986, 1984. LOPES, C. N. Suplementação de gordura protegida na produção de progesterona, momento da luteólise e prenhez em vacas nelore. 2009. 48 f. Dissertação (Mestrado). Botucatu: Universidade Estadual Paulista. 2009. MEDEIROS, S. R.; ALBERTINI, T. Z. Uso de alimentos ricos em lipídios para alimentação de bovinos de corte: recomendações de uso, limitações e impactos na qualidade da carne. In: VIII Simpósio de Produção de Gado de Corte. Anais... Viçosa, 2012. MILLEN, D. Desempenho, avaliação ruminal e perfil metabólico sanguíneo de bovinos jovens confinados suplementados com monensina sódica ou anticorpos policlonais. 2008. 131 f. Dissertação (Mestrado). Botucatu: Universidade Estadual Paulista. 2008. MUCHENJE, R.T; DZAMA, K; CHIMONYO, M; STRYDOM, P. E.; HUGO, A; RAATS, J. G. Some biochemical aspects pertaining to beef eating quality and consumer health: A review. Food Chemistry, v. 112, p.279-289, 2009. PUTRINO, S. M. Composição corporal, exigências de energia e proteína para ganho e composição da carne de novilhos Nelore alimentados com dietas com milho grão seco ou úmido contendo gordura não degradável no rúmen. 2006. 100 f. Tese (Doutorado). Pirassununga: Universidade de São Paulo. 2006. OLIVEIRA, C. A.; MILLEN, D. D. Survey of the nutritional recommendations and management practices adopted by feedlot cattle nutritionists in Brazil. Animal Feed Science and Technology, v. 197, p. 64-75, 2014. SANDERS, S. K.; MORGAN, J. B.; WULF, D. M.; TATUM, J. D.; WILLIAMS, S. N.; SMITH, G. C. Vitamin E Supplementation of Cattle and Shelf Life of Beef for the Japanese Market. Journal of Animal Science, v. 75, p. 2634-2640, 1997. SIEGEL, D. G. Beef packaging facts. Beef Facts, Product Enhancement Research. 2004. SOUZA, A. A. A. Características físico-químicas e sensoriais da carne de bovinos Nelore (Bos taurus indicus) alimentados com diferentes fontes de lipídios e de selênio. 2008. 71 f. Dissertação (Mestrado). Pirassununga: Universidade de São Paulo, 2008. TORRES, E. A. F. S.; FERRARI, C. K. B. Fatores físicos e bioquímicos da industrialização, preparo e armazenamento de alimentos e sua relação com radicais livres e a oxidação lipídica. Revista de Higiene Alimentar, v. 11, n. 68-69, p. 19-25, 2000.