Estabilidade oxidativa da carne de coelhos alimentados com níveis crescentes de polpa cítrica desidratada em diferentes granulometrias
Daiane Diniz Ferreira1, Leandro Dalcin Castilha2, Mayra Diaz Vargas3, João Henrique Alves de Souza4, Daniel de Melo Costa5, Bárbara Fernanda Terra Candiani6, Keilla Saori Matsukuma7, Paula Carina de Oliveira8
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RESUMO -
Com o objetivo de avaliar o efeito de níveis crescentes de polpa cítrica desidratada (PCD), em diferentes granulometrias (diâmetro geométrico médio – DGM), na alimentação de coelhos em crescimento sobre a oxidação lipídica da carne, foram utilizados 70 coelhos Nova Zelândia, dos 31 dias (705,43 ±64g) aos 70 dias de idade (2.184,67 ±226g). Os dados de oxidação lipídica (TBARS) da carne foram analisados mediante esquema fatorial (2x4x4), com dois DGM de PCD incluída às dietas (1523 e 1022 µm), quatro níveis de inclusão de PCD (0, 10, 20 e 30%) e quatro períodos de armazenamento (0, 5, 10 e 15 dias), com dez repetições e um animal por unidade experimental. Houve interação (P<0,001) entre os níveis de PCD x dias de armazenamento para a evolução da oxidação lipídica. Os DGM de 1523 e 1022µm resultaram nos menores valores de TBARS estimados aos níveis de 28,18 e 16,14% de PCD, respectivamente, o que indica que a polpa fina foi mais eficaz em deter a evolução da oxidação lipídica da carne.
Palavras-chave: alimento alternativo, coproduto de laranja, cunicultura, qualidade de carne.
Lipid oxidation of meat from rabbits fed increasing levels of dehydrated citrus pulp in different particle sizes
ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the effect of increasing levels of dehydrated citrus pulp (DCP), in different particle sizes (mean geometric diameter - MGD), in the feeding of growing rabbits on the meat lipid oxidation. For that, 70 New Zealand rabbits were used from 31 days (705.43 ± 64g) to 70 days of age (2,184.67 ± 226g). The lipid oxidation (TBARS) data in the meat was analyzed by factorial scheme (2x4x4), with two MGD of DCP included in diets (1523 and 1022 μm), four levels DCP inclusion (0, 10, 20 and 30%) and four storage periods (0, 5, 10 and 15 days), with 10 replicates and one animal per experimental unit. There was interaction (P<0.001) between DCP levels x storage days for the evolution of lipid oxidation. The 1523 and 1022μm MGD resulted in the lowest TBARS values estimated at 28.18 and 16.14% of PCD, respectively, indicating that the fine pulp was more effective at detaining the evolution of the lipid oxidation in the meat.
Keywords: alternative feed, meat quality, orange coproduct, rabbit production.
Introdução
A alimentação de coelhos exige a inclusão de ingredientes ricos em fibras, haja vista a funcionalidade do ceco desses animais, o que, somada à prática de cecotrofagia, lhes propicia a síntese e absorção de ácidos graxos voláteis, vitaminas hidrossolúveis e proteína microbiana. Contudo, a fração de carboidratos solúveis também apresenta fundamental importância para a fisiologia digestiva dos coelhos, uma vez que asseguram um trânsito intestinal favorável à ação microbiana, o que resulta em pH levemente acidificado (6,0 a 6,5), o que favorece a manutenção do ceco sadio (SCAPINELLO et al., 2002).
Ainda assim, a alimentação é o fator que mais afeta os custos da produção, representando até 75% do custo total, motivo pelo qual a procura por ingredientes alternativos tem sido uma crescente na indústria de rações (DE BLAS e MATEOS, 2010). Esses ingredientes ganham destaque quando reduzem os custos sem prejudicar os índices produtivos e, ainda, resultem em agregação de atributos aos produtos finais, como é o caso dos resíduos da indústria de sucos oriundos de frutas cítricas.
Desse modo, tendo em vista a escassez de pesquisas sobre qualidade da carne de coelhos, bem como sobre o uso de alimentos alternativos para esses animais, o presente trabalho objetivou avaliar o efeito de níveis crescentes de polpa cítrica desidratada, em diferentes granulometrias, na alimentação de coelhos em crescimento sobre a oxidação lipídica da carne.
Revisão Bibliográfica
O Brasil é o maior produtor mundial de cítricos e maior exportador de suco de laranja, sendo responsável por cerca de 50% de todo o suco consumido no mundo. No processamento da laranja, metade do peso da fruta torna-se resíduo, ficando evidente o potencial de utilização deste subproduto na alimentação animal.
Segundo dados OLUREMI et al. (2006) e WATANABE (2007), a polpa cítrica apresenta valores médios de 89-90% de matéria seca, 6 - 11% de proteína bruta, 2 - 12% de extrato etéreo, sendo que o teor de extrato etéreo depende da extração ou não dos óleos durante o processamento, 6% de matéria mineral, 57 - 74% de extrativo não nitrogenado, 7,86% de fibra bruta, 25 - 41 % de FDN, 14 % de FDA, 1% de lignina, 0,2% de amido, 25% de pectina, 3,88 mg de vitamina C/100g de resíduo, 1,6 - 1,8% de cálcio e baixo teor de fósforo (0,08 - 0,75%), o que pode ser devido ao complexo do fósforo aos componentes fibrosos ou ao ácido fítico. Ainda assim, a polpa cítrica exibe um elevado teor de pectina (223 g/kg) e de polissacarídeos não amiláceos (32,4%).
Além do potencial nutritivo, a PCD vem se destacando na alimentação de animais monogástricos devido à presença de compostos presentes nas frutas, como tocoferóis, ácidos fenólicos, flavonoides, vitamina C e carotenoides (OLUREMI et al., 2006), que podem ajudar a melhorar os índices produtivos, níveis séricos de colesterol e glicose, saúde intestinal, imunidade dos animais e a estabilidade oxidativa do produto final durante o período de armazenamento. Além disso, sua utilização na dieta animal atenderia às exigências do mercado consumidor pela qualidade dos produtos cárneos e promoveria um descarte adequado para estes resíduos.
De modo geral, a PCD é rica em polifenóis, como os carotenoides (pré-vitamina A), que são pigmentos naturais responsáveis pelas colorações amarelada da laranja, na forma de carotenos ou como ésteres de xantofilas. Atualmente, são conhecidos cerca de 600 tipos de carotenoides (OREOPOULOU e TZIA, 2007), que se encontram principalmente no pericarpo exterior da laranja, na casca e sementes e, em menor grau, na polpa. De acordo com MTAMBO et al. (2000), esses compostos atuam como antioxidantes com atividade não enzimática, ao serem consumidos em reações nas quais bloqueiam ou reduzem os processos de deterioração de lipídeos ao interagirem com os radicais livres presentes no meio.
Materiais e Métodos
Foi conduzido um ensaio de desempenho no Setor de Cunicultura da Fazenda Experimental da Iguatemi (FEI), pertencente à UEM. Foram utilizados 70 coelhos da raça Nova Zelândia Branco, dos 31 dias (705,43 ±64g) aos 70 dias de idade (2.184,67 ±226g), quando os animais foram abatidos e as carcaças foram conservadas em câmara fria (2ºC) por 24h, para perda de água por gotejamento e, em seguida, foram realizados os cortes comerciais.
A avaliação da atividade oxidante na carne foi realizada nas coxas direitas, as quais foram armazenadas sob refrigeração constante (2ºC), durante 15 dias após o abate, mensurando-se a oxidação equivalente em malonaldeído (MDA), pela metodologia de TBARS (substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico) de acordo com SORENSEN e JORGENSEN (1996).
Os dados de oxidação lipídica na carne dos coelhos foram expressos como mg de MDA/kg de amostra e analisados mediante esquema fatorial (2x4x4), com duas granulometrias (diâmetro geométrico médio - DGM) de PCD incluída às dietas (1523 e 1022 µm), quatro níveis de inclusão (0, 10, 20 e 30%) e quatro períodos de armazenamento (0, 5, 10 e 15 dias), com dez repetições e um animal por unidade experimental. As dietas foram formuladas de acordo com as recomendações para coelhos em crescimento (DE BLAS e MATEOS, 2010). A PCD utilizada na elaboração das rações apresentou 92,81% de MS, 7,85% de PB, 3,13% de EE, 3.947,22 kcal/kg de EB, 27,40% de FDN, 16,58% de FDA, 2.664,66 kcal kg
-1 de ED aparente, 258,51 mg 100g
-1 de polifenóis totais e 76,41 mg 100g
-1 de flavonoides.
As variáveis foram submetidas à análise de variância, por meio do PROC GLM do SAS (SAS Institute, 2009), sendo que os efeitos do DGM, níveis de PCD, dias de armazenamento e da interação entre os foram incluídos no modelo. Quando as interações foram significativas (P<0,05), foram gerados gráficos tridimensionais de superfície resposta com suas respectivas curvas de contorno, utilizando-se o Software StatSoft (2008).
Resultados e Discussão
Os valores de produção de malonaldeído (Tabela 1) revelaram que não houve interação (P=0,399) entre as granulometrias x níveis de inclusão de polpa cítrica x dias de armazenamento sobre a evolução da oxidação lipídica da carne de coelhos.
Porém, houve interação (P<0,001) entre os níveis de inclusão da polpa cítrica x dias de armazenamento para a evolução da oxidação lipídica. Para os animais que receberam a polpa com DGM de 1523µm, a equação ajustada (TBARS= 4,3500755 – 0,46191545 Níveis + 0,0142932 Níveis
2 + 0,9147816 Dias – 0,03246644 Níveis x Dias; R²= 0,88) revelou a menor oxidação lipídica para o nível estimado de 28,18% de PCD, enquanto a maior oxidação foi obtida aos 10,58 dias (Figura 1 - a). Já para os animais alimentados com polpa cítrica com DGM de 1022µm, houve efeito quadrático dos níveis de PCD sobre a oxidação lipídica, cujo nível estimado de PCD que resultou no menor valor de TBARS foi de 16,14% (TBARS= 4,77264 – 0,645649 Níveis + 0,0199402 Níveis
2 + 0,835688 Dias; R²= 0,83) (Figura 1 - b).
Em trabalho realizado com cordeiros a partir de 90 dias de idade (PV= 19,76 kg), INSERRA et al. (2014) observaram que a inclusão de até 35% de PCD na dieta desses animais reduziu a oxidação lipídica da carne, mesmo após armazenamento por 6 dias, em ambiente refrigerado (4ºC). Os autores atribuíram esse efeito à presença de moléculas bioativas com atividade antioxidante pronunciada. Essa informação é corroborada por BARROS et al. (2012), que relacionam a capacidade antioxidante da polpa cítrica aos seus altos teores de ácido ascórbico e compostos fenólicos. No presente estudo, a PCD utilizada apresentou considerável valor de polifenóis totais e flavonoides, respectivamente de 258,51 e 76,41 mg 100g
-1.
Em ambos os DGM da polpa, desprezando-se o efeito dos tratamentos, os valores médios obtidos para dias de armazenamento (5 a 15 dias) foram maiores (P<0,05) do que o tratamento controle, pelo teste de Dunnett. Ainda assim, ao agrupar os valores de TBARS dos níveis de inclusão de PCD (10 a 30%), as médias diferiram (P<0,05) do tratamento controle pelo teste de Dunnett, indicando que níveis acima de 10% de polpa cítrica na dieta de coelhos detiveram a evolução da oxidação lipídica na carne.
Ao avaliarem a inclusão de bagaço de uva, SAYAGO-AYERDI et al. (2009) observaram que níveis de até 2% na dieta de frangos de corte resultaram no retardo da oxidação lipídica em hambúrguer cru e cozido de carne do peito, após a conservação por um período de 5 a 13 dias em refrigeração (4 ºC). Isso indica que alguns resíduos industriais podem apresentar ação protetora contra a oxidação lipídica, o que pode aumentar a vida de prateleira dos produtos.
De modo geral, o valor médio de TBARS obtido para as amostras de carne oriundas de coelhos que receberam PCD com DGM= 1523µm foi maior (P<0,05) do que a média para DGM= 1022µm, indicando que independentemente dos níveis ou dias de armazenamento, a granulometria mais fina resultou em maior estabilidade oxidativa.
Conclusões
Os DGM de 1523 e 1022µm da polpa resultaram nos menores valores de TBARS estimados aos níveis de 28,18 e 16,14% de PCD, respectivamente, o que indica que a polpa mais finamente moída foi mais eficaz em deter a evolução da oxidação lipídica na carne de coelhos.
Gráficos e Tabelas
Referências
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INSERRA, L.; PRIOLO, A.; BIONDI, L.; LANZA, M.; BOGNANNO, M.; GRAVADOR, R.; LUCIANO, G. Dietary citrus pulp reduces lipid oxidation in lamb meat.
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STATSOFT. 2008.
Statistica Data Analysis Software System. Version 8.0. StatSoft Inc., Tulsa, OK.
WATANABE, P.H. Polpa cítrica na restrição alimentar qualitativa para suínos em terminação.
(Dissertação) Mestrado em Zootecnia. Jaboticabal (SP): Universidade Estadual Paulista; 2007.