Caracterização do Pastoreio Racional Voisin: perspectiva dos produtores de leite

Daniel Augusto Barreta1, Alexandre Bernardi2, Antonio Waldimir Leopoldino da Silva3
1 - Zootecnista, Mestrando em Zootecnia, Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, UDESC Chapecó.
2 - Zootecnista, Mestrando em Zootecnia, Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, UDESC Chapecó.
3 - Doutor, Professor do Departamento de Zootecnia, UDESC Chapecó. Orientador.

RESUMO -

O Pastoreio Racional Voisin (PRV) é um sistema de manejo de pastagens baseado no uso racional do pasto. Várias premissas têm sido atreladas ao sistema, o que ocasiona divergências no conceito de PRV e na forma como é aplicado no campo. Assim, o objetivo deste trabalho é evidenciar as diferenças no planejamento e execução do sistema, além de determinar que fatores o caracterizam. Para isso foi realizado um levantamento com produtores de leite que trabalham com PRV através de entrevistas. Os dados coletados foram tabulados e analisados com estatística descritiva. A maior parte dos produtores faz uso de adubação química e de defensivos agrícolas. Além disso, poucos produtores posuem água e sombra em todas as parcelas, o que evidenciam que estes fatores não podem ser utilizados para caracterizar o sistema. Todos os produtores relataram melhorias econômicas e sociais com a adoção do sistema. O elemento em comum entre os sistemas é a divisão da pastagem em parcelas e o respeito ao tempo de descanso da pastagem, que pode ser considerado o aspecto que define o sistema.

Palavras-chave: adubação, defensivos, oferta de água, PRV, sombreamento

Characterization of Rational Voisin Grazing: perspective of dairy farmers

ABSTRACT - Rational Voisin Grazing (RVG) is a method of managing pastures based on the rational use of grass. Several premises have been tied to the system, which causes divergences in the concept of RVG and how it is applied in the field. Thus, the objective of this work is show the differences in planning and system performance, and determine what factors characterize it. A survey was carried out with dairy farmers working with PRV through interviews. The data collected were tabulated and analyzed with descriptive statistics. Most farmers use chemical fertilizers and pesticides. In addition, few farms have access to water and shade in all plots, which shows that these factors cannot be used to characterize the system. Todos os produtores relataram melhorias econômicas e sociais com a adoção do RVG. The common element between the systems is the division of pasture into plots and respect for the ideal rest time of pasture, this can be considered the aspect that defines the system.
Keywords: Fertilizer, pesticides, water supply, PRV, shading


Introdução

O sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) foi proposto por André Voisin, que postulou suas premissas nos livros “Produtividade do Pasto” (Voisin, 1974) e “Dinâmica das pastagens” (Voisin, 1975).  Este sistema é originalmente baseado na divisão da área em parcelas e na condução dos animais por estas, de modo a respeitar o tempo de repouso ideal das forrageiras (Pinheiro Machado, 2011). Entretanto, quando foi introduzida no Brasil, parte de seus difusores atrelaram novos princípios ao sistema, muitas destes voltadas para a preservação ambiental e ao bem estar animal, de forma que o PRV tem sido atrelado à agroecologia por técnicos e produtores. Além disso, há uma série de divergências entre pesquisadores e técnicos a respeito de quais práticas caracterizam o sistema, podendo se limitar a subdivisão das parcelas, até incluir a forma de fornecimento de água e a aplicação de adubos e defensivos. Desta forma, é importante entender como o PRV é aplicado no campo, a fim de desmistificar o sistema. Assim, com este trabalho objetiva-se verificar como o PRV é executado na mesorregião Oeste de Santa Cantarina e evidenciar as diferenças no planejamento e execução do sistema, além de determinar que fatores o caracterizam.

Revisão Bibliográfica

O PRV foi proposto sobre quatro leis, que visam atender as necessidades da pastagem e do animal. As duas primeiras estão relacionadas com o controle da entrada e da saída dos animais, para permitir que a planta recupere suas reservas de carboidratos que permitirão seu rebrote (Pinheiro Machado, 2011). As outras duas leis estão relacionadas com o animal, em que é preconizado fornecer a este pastagem com qualidade adequada. Também é recomendado dentro do sistema que o animal permaneça o menor tempo possível em cada parcela, pois, com maior tempo de ocupação há queda na quantidade e qualidade da massa forrageira, (Lista et al., 2007) que leva a uma variação no consumo de pasto (Delagarde et al., 2011) produção de leite (Santos et al., 2005). E bastante comum neste sistema de produção a recomendação de ter água em todas as parcelas. A restrição no fornecimento de água pode ocasionar queda no consumo de alimento (Silanikove, 1992) e redução na produção de leite (Ali et al., 2015). Entretanto, fornecer água nos corredores e locais junto as parcelas é sufuciente para atender as necessidades dos animais (Reyes et al., 2005). Por outro lado, a oferta de água nas parcelas pode proporcionar aumento no consumo de água e da produção de leite (Reyes; Vidal; Ponte, 1996). Outra restrição que frequentemente é atrelada ao PRV é o uso de fertilizantes e corretivos. Sabe-se que a maior parte dos nutrientes retirados pelas plantas e posteriormente consumidos pelos animais retorna à pastagem sob forma de dejetos (fezes e urina), com valores que podem chegar a de 93% do nitrogênio, 77% do fósforo, 18% do potássio, 73% do cálcio e 63% do magnésio consumidos para a pastagem, na forma de fezes e urina (Braz et al., 2002) e como o PRV promove uma alta carga animal instantânea, há uma deposição homogênea dos dejetos por toda a parcela, diferente de sistemas de pastoreio contínuo, onde a distribuição desuniforme dos dejetos faz com que os nutrientes sejam distribuídos de forma irregular no solo em longo prazo (Serrano; Silva; Shahidian, 2014), o que faz com que algumas correntes afirmem que pastagens manejadas sob PRV não necessitam de adubação.  Efetivamente, este sistema se mostra superior a outros (como o pastejo contínuo), em pastagens com baixo emprego de insumos (Feria et al., 2002).

Materiais e Métodos

Foi realizado um levantamento por meio de entrevistas in loco junto a 10 produtores rurais que trabalham na bovinocultura de leite e utilizam do sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) na mesorregião Oeste de Santa Catarina. Para a coleta de dados foi utilizado como instrumento de pesquisa um questionário semiestruturado, com questões abertas e/ou fechadas, de natureza quantitativa e/ou qualitativa. O questionário continha perguntas relacionadas a descrição da propriedade e perguntas com temas comumente relacionados ao PRV, relativos às leis do pastoreio racional, à forma como o sistema é conduzido e a percepção dos produtores quanto ao seu sistema. A formulação do questionário foi baseada nas diferentes linhas de pensamento que abrangem este sistema (Voisin 1974; Sorio, 2015; Melado, 2003; Pinheiro Machado, 2010) e nas diferenças entre elas. Os dados coletados foram tabulados e analisados por meio de estatística descritiva. As perguntas abertas foram interpretadas de forma a agrupar as respostas com o mesmo sentido.

Resultados e Discussão

Foi constatada grande variabilidade no número e tamanho das parcelas. Apesar de haver uma ligação clara entre os tempos de ocupação e repouso de cada propriedade com estes valores, a maior parte dos produtores afirma que estas informações não foram levadas em consideração no dimensionamento do sistema. Na maior parte das propriedades, é adotado o uso de adubos químicos (50%) e agrotóxicos (80%). Como nos sistemas de produção animal em pastagem há um alto retorno de nutrientes ao solo (Braz et al., 2002), e a alta carga animal instantânea que o PRV proporciona permite distribuição homogênea dos dejetos na pastagem, este sistema se mostra superior quando há baixa utilização de insumos (Feria et al., 2002). Isso faz com que várias correntes de afirmarem que pastagens manejadas sob PRV não necessitam de adubação. Entretanto, pode-se afirmar que utilizar este insumo não descaracteriza o sistema. Além disso, mesmo o PRV sendo frequentemente relacionado a agroecologia, grande parte dos produtores fazem uso de agrotóxicos. Foi perguntado aos produtores rurais para darem uma nota de 0 a 5 para a distribuição de sombra nas parcelas (0 é nula e 5 é em todos os piquetes e suficiente), e presença de água nos piquetes (0 é não tem água em nenhuma parcela e 5 é água em todas as parcelas). Os resultados estão expostos na Tabela 2. A disponibilidade de água e sombra é uma das questões que mais divide a opinião dos técnicos. De um lado Melado (2003) e Sorio (2015) defendem que os projetos contenham uma “área de lazer” ou “área social”, ou seja, um piquete com água, sal mineral e sombra, e que os animais tenham acesso livre ou possam ser conduzidos; por outro lado, Pinheiro Machado (2010) [p.165] afirma que “a água deve vir até o animal, e não o animal até a água”, pois, segundo o autor, bovinos precisam ter acesso constante ao bebedouro para que não ocorram perdas em seu desempenho. Apesar da maior parte dos entrevistados (80%) atribuíram nota 3 ou superior na disponibilidade de água, apenas 40% apontaram que disponibilizaram água em todas as parcelas (nota 5). Enquanto para sombra, nenhum produtor disponibiliza sombra em todas as parcelas. Assim, esses indicadores não podem ser utilizados para caracterizar o PRV. Mesmo com a variabilidade na organização dos sistemas, todos os produtores tiveram aumento na lucratividade com a adoção do PRV. Além da questão econômica, foram apontadas como vantagens promovidas pelo sistema a redução da necessidade de mão de obra (relatado por sete produtores), melhora a sanidade dos animais, principalmente com relação a infecções mamárias (relatado por três produtores), maior docilidade e bem-estar dos animais (relatado por dois produtores) e aumento no conhecimento sobre o pasto e os animais (relatado por um produtor).

Conclusões

O PRV se apresenta em diferentes configurações nas propriedades leiteiras do Oeste catarinense. Estas diferenças são em questões estruturais, como número de parcelas e distribuição de água e sombra nas parcelas; e questões de manejo, como a utilização de agrotóxicos e adubação. Mesmo com estas diferenças claras nas formas de condução, os sistemas estudados possuem em comum a divisão da pastagem em parcelas e o dimensionamento do sistema a fim de atender as necessidades da pastagem e dos animais, vindo a ser este aspecto o que caracteriza o PRV.

Gráficos e Tabelas




Referências

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