(Foto/Reprodução: Adilson Rodrigues/Revista do Criador)

O zootecnista e diretor da Associação Brasileira de Zootecnistas (ABZ) no Ceará, professor João Paulo Arcelino do Rêgo, explanou em entrevista à Revista do Criador deste mês, sobre os parâmetros que envolvem certificados da fertilidade de touros.

Confira o bate-papo abaixo:

 

Revista AG – Fisiologicamente, como é um bom touro?

João Paulo Arcelino do Rêgo – Um bom touro, normalmente, também foi um bom bezerro, apresentando um bom peso ao nascer e atingindo a maioridade no momento esperado da raça ou de forma precoce, quando atinge a puberdade um pouco mais cedo, e, principalmente, um bom touro apresenta parâmetros seminais com uma boa composição cinética do espermatozoide. Ou seja, que produza espermatozoide em quantidade e com qualidade. Revista AG – Então, além de ser um touro precoce, precisa ter boa qualidade seminal? João Paulo – O que o mercado busca é um animal que produza sêmen de grande qualidade no menor tempo possível, que entre na puberdade mais cedo. O conceito de puberdade é o animal produzir um ejaculado com, no mínimo, 50 milhões de espermatozoides totais e 10% de motilidade. Esse seria o divisor de águas para dizer se ele está púbere ou não. A partir daí o objetivo é que atinja a maturidade sexual, momento que tem muito mais a ver com a quantidade de espermatozoides considerados morfologicamente normais. O desejável é um mínimo de 70% de espermatozoides normais e que os 30% anormais não ultrapassem 15% de defeitos maiores. Nessas condições é possível dizer que o touro está “maduro” sexualmente. Então note que há duas definições: a de puberdade e a de maturidade sexual. Ou seja, o animal necessita apresentar parâmetros mínimos aceitáveis segundo o Colégio Brasileiro de Reprodução Animal, para que seja enquadrado como doador de sêmen.

 

Revista AG – Então as diferenças entre a qualidade de sêmen de um touro de dois e outro de quatro anos vai depender dos estágios de puberdade e maturidade sexual?

João Paulo – A idade cronológica não é o fator mais importante. Poderíamos ter touros com 24 meses púberes e maduros sexualmente, com qualidade de sêmen muito boa, e também touros com essa mesma qualidade aos quatro, cinco ou dez anos de idade, uma vez que a espermatogênese, a formação do espermatozoide que ocorre nos testículos, é cíclica. A idade do animal tem pouca importância nessa qualidade, a não ser que sejam animais bem velhos e tenham algum problema reprodutivo. Se os touros forem precoces, que atingem a maturidade sexual um pouco mais cedo, podemos ter boa qualidade de sêmen tanto em um animal com 24 meses de idade quanto apenas aos 48 meses.

 

Revista AG – Seriam raros os casos de bons touros que apresentam baixa fertilidade?

João Paulo – Não é raro. Como dito, um bom touro reúne um conjunto de características. O fato dele ter os filhos mais pesados não garante que ele terá a melhor condição de fertilidade. Existe uma variabilidade genética muito grande quando se relaciona as características de sêmen. Isso porque o ambiente exerce forte influência nos aspectos seminais. Dentre eles, destaco a nutrição. Um animal pode ter uma genética fantástica, mas, se estiver malnutrido, terá um sêmen de pior qualidade e com capacidade fertilizante reduzida. Nem todo touro que esteja no seu ápice produtivo terá necessariamente o melhor sêmen. A variabilidade genética é grande e ela também nos ajuda a selecionar touros por qualidade de sêmen, posto que já sabemos que essa característica pode ser herdada. Touros que tenham o mesmo peso ao nascer e aos 12 meses e a mesma circunferência escrotal aos 12 ou 24 meses podem apresentar parâmetros seminais diferentes.

 

Revista AG – Por outro lado, como saber que o problema não é a vaca?

João Paulo – Existem métodos e parâmetros para avaliar a fertilidade do macho. Aqui no Brasil, se utiliza principalmente o método da cinética espermática. Coleta-se o sêmen e observa-se a morfologia. Nos Estados Unidos, utiliza-se um método para avaliar a fertilidade do macho chamado de “taxa de não retorno ao cio”. Ele é feito para confirmar a prenhez da vaca com ultrassom até o trigésimo dia após a inseminação. Já na Austrália, o índice de fertilidade utilizado é o “número de bezerro nascido por touro”. Esse é um pouco mais complicado porque é preciso levar em conta os meses de gestação da vaca. Mas, quando se escolhe um reprodutor, parte-se do princípio que as vacas que vão recebê-lo estão aptas à reprodução. É possível gerar boas condições de saúde para um sistema reprodutor ativo e saudável de forma que a variação da fertilidade não tenha uma parcela contributiva maior da fêmea e, sim, do macho.

 

Revista AG – Pensando no Brasil, entre esses dois métodos, qual seria o melhor para nós?

João Paulo – Hoje, o Colégio Brasileiro de Reprodução Animal já estabelece parâmetros mínimos para utilização de touros a campo, trazendo todo o advento da cinética espermática, motilidade, concentração e avaliação do trato reprodutor do animal. Eu considero que fertilidade do macho é algo difícil, mas o que mais se aproxima da nossa realidade seria a taxa de não retorno ao cio, aliada, é óbvio, aos parâmetros seminais obtidos por ocasião da coleta de sêmen.

 

Revista AG – Recentemente, você conduziu um grande estudo na Austrália. Como foi esse trabalho?

João Paulo – Essa é uma parceria que já perdura desde 2009. Os australianos iniciaram um trabalho grande para avaliar a fertilidade de touros Brahman, raça que está para eles como o Nelore está para nós. Lá, acompanhei uma cooperativa que estava avaliando todos os aspectos produtivos e reprodutivos de 10 mil touros. Minha função foi associar a quantidade de espermetazoides normais – característica mais correlacionada com o número de bezerros nascidos por reprodutor – com a expressão de proteínas presentes no plasma seminal. O plasma seminal é riquíssimo em moléculas que constituem muitas proteínas, e, essas proteínas, possuem uma função espermática atuante nos processos, desde a proteção do espermatozoide a capacitação, reação acrossômica e fertilidade dele. Encontramos uma série de proteínas relacionadas à condição de morfologia normal dos espermatozoides e, por isso, também associada à quantidade de bezerro nascida por touro. Essa pesquisa foi realizada em minha tese de doutorado em 2012 e 2013 e foi publicada em diversas revistas científicas de renome. Hoje, a Austrália utiliza as proteínas seminais como um fator importante para identificação de reprodutores mais férteis.

 

Revista AG – No Brasil existem trabalhos semelhantes?

João Paulo – Há um vasto número de trabalhos, em especial os de um grupo liderado pelo professor Arlindo Moura, da Universidade Federal do Ceará, que é nosso parceiro de pesquisa, e que possui um vasto material na área de proteínas seminais, tanto em espécies de bovinos, ovinos, caprinos como em animais exóticos ou de zoológico. No Brasil, eu tenho trabalhado com a raça Guzerá e associamos várias proteínas à capacidade do sêmen ser criopreservado ou não.

 

Revista AG – Nessa questão das proteínas, já sabemos quais seriam aquelas que interferem na fertilidade dos touros?

João Paulo – Há uma série de proteínas que possuem funções estabelecidas junto do espermatozoide. Tem um grupo que se úne à membrana dele no momento da ejaculação e outras proteínas que organizam a mudança de processo durante a criopreservação. Também já identificamos um outro grupo que atua negativamente nos espermatozoides de bovinos, ao incapacitá-los prematuramente, o que gera resultados ruins após a criopreservação. O caminho da pesquisa, hoje, é o de investigar como as proteínas funcionariam se adicionadas ao sêmen.

 

Revista AG – No estudo realizado na Austrália houve resultados discrepantes entre os touros contemporâneos e criados sob as mesmas condições?

João Paulo – Os touros podem ter desenvolvimento corporal e circunferência escrotal iguais e, mesmo assim, podem ter parâmetros seminais diferentes. Isso se chama variabilidade genética. E é graças a ela que podemos selecionar os melhores animais. No caso australiano, tratava-se de um grupo de animais contemporâneos, nascidos na mesma região, avaliados aos seis, 12, 18 e 24 meses, com mesmo peso e circunferência escrotal e, ainda assim, houve grande variabilidade na qualidade seminal. Enquanto já tinham animais púberes aos 12 meses, com o mínimo de 50 milhões de células com 10% de mobilidade, outros sequer tinham produção de espermatozoide. Mais uma vez foi comprovado que é preciso avaliar um conjunto de características raciais, de crescimento, de peso e de espermatozoide, ou seja, de coleta e avaliação de sêmen. Só o desenvolvimento corporal e a circunferência escrotal não são suficientes para selecionar corretamente um bom reprodutor. E eu preferiria medir o volume testicular ao invés da circunferência, porque nessa última posso estar aferindo um escroto menor, mas com um testículo mais comprido. Isso não significa que ele vai produzir mais ou menos espermatozoides em relação a outro animal. Já o volume testicular me dá o tamanho do testículo e isso sim tem a ver diretamente com quantidade de espermatozoides produzidos.

 

Revista AG – A forma que se coleta o sêmen pode impactar na fertilidade dos touros?

João Paulo – O método de coleta pode influenciar o tipo de proteína que está no plasma seminal e, consequentemente, pode alterar a fertilidade do espermatozoide. Pode ocorrer uma mudança muito brusca na composição das moléculas do sêmen. Mais estudos devem ser realizados nesse sentido. Os trabalhos apontam diferenças basicamente em relação à concentração. Nosso trabalho na Austrália mostrou uma diferença grande entre touros coletados por eletroejaculador em relação àqueles coletados com vagina artificial. Isso era óbvio porque o eletroejaculador estimula a produzir mais fluído, o que aumentou a participação de algumas proteínas reconhecidas como deletérias do sêmen. Já o sêmen coletado por vagina artificial apresentou características mais próximas do normal.

 

Revista AG – Gostaria de acrescentar algo que tenha ficado fora da nossa conversa?

João Paulo – Nós devemos buscar aqui no Brasil, como país exportador de carne bovina, a maior inter -relação entre o núcleo multiplicador de genética e o núcleo produtor de carne. O aspecto reprodutivo deve ser levado em consideração, especialmente no macho, por ser um grande difusor da genética. Não adianta o núcleo multiplicador produzir animais para ele mesmo. Ele tem a função de jogar estes genes melhorados na base da pirâmide.

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