COMO UM ZOOTECNISTA SE TORNOU ANALISTA DE AÇÕES DA XP

Que um Zootecnista atua na produção animal, não é novidade para ninguém. Mas o que poucos sabem é que muito além de atuar diretamente no campo e com os animais de produção, um Zootecnista pode atuar em áreas pouco ou nada exploradas nas disciplinas da graduação.

Esse é o caso do Leonardo Alencar, Zootecnista formado pela UNESP em 2005. Com mais de 16 anos de experiência, formou-se em Zootecnia e começou sua carreira como analista de mercados agrícolas na Scot Consultoria. Em seguida, desempenhou a função de broker de derivativos agrícolas em corretoras de valores, tendo, inclusive, ajudado a formar a mesa institucional de commodities agrícolas da XP em 2010, existente até hoje.

De 2011 a 2020, foi um dos responsáveis pela construção da área de Inteligência de Mercado da Minerva Foods, uma das líderes na América do Sul na produção e comercialização de carne in natura e derivados, onde atuou como Diretor de BI. Leonardo ainda liderou 15 escritórios internacionais da empresa entre 2018-19 e as áreas de Tecnologia da Informação e Advanced Analytics entre 2019-20 e atualmente é Head do setor de Agro, Alimentos e Bebidas na área de Research e sócio da XP.

Como é para um Zootecnista a atuação no mercado financeiro?

Acredito que, assim como ocorre na maioria das carreiras e profissões, não é mais possível sair da faculdade totalmente preparado. Sempre precisamos agregar novos conhecimentos e ferramentas. No meu caso, como zootecnista atuando no mercado financeiro, existe claramente um déficit de conhecimento, pois nossa formação é muito técnica e focada na produção. Muitas vezes, a academia falha ao olhar muito para dentro da produção e pouco para fora dela.

Essa lacuna poderia ser abordada já na faculdade, com a discussão de questões de mercado e dinâmica de preços. Por exemplo, o preço do boi é extremamente importante para operações de pecuária de corte, assim como o preço do leite na pecuária leiteira ou do frango. No entanto, esses pontos raramente são abordados na academia.

Portanto, para alguém que se forma em zootecnia, é essencial buscar outros cursos e especializações. Hoje, na minha função como analista de ações, preciso ter um conhecimento aprofundado em contabilidade, gestão financeira, gestão de risco e avaliação de empresas para analisar cada uma delas no setor.

Essa não foi exatamente uma transição, mas uma sequência natural. Continuo sendo zootecnista, mas agora olhando para a zootecnia e para as empresas do setor sob a ótica do mercado financeiro. Para isso, precisei agregar novos conhecimentos.

Qual é a importância da formação em Zootecnia no seu trabalho como head do setor de Agro na XP e na área de research?

Esse ponto é interessante porque atualmente analiso 16 empresas, uma delas é a Ambev, do setor de bebidas, sendo a única listada na bolsa de valores do Brasil. Temos quatro frigoríficos: JBS, Marfrig, Minerva e BRF. Duas empresas de alimentos: M. Dias Branco e Camil Alimentos. No setor de açúcar e etanol, temos Raízen, São Martinho e Jalles Machado, com Raízen também atuando em outras áreas, mas principalmente em açúcar e etanol. Existem ainda a SLC Agrícola e BrasilAgro, dois grandes produtores de grãos e outras commodities. Além disso, há empresas menores como AgroGalax, Terra Santa, Boa Safra e Vittia.

Quando pensamos no segmento de frigoríficos, o nosso conhecimento técnico como zootecnistas é mais claro. Entendemos profundamente a dinâmica do ciclo de produção e as questões sanitárias, o que nos dá uma vantagem na análise desses aspectos. Por exemplo, em fevereiro de 2023, houve um caso atípico de vaca louca no Pará. Não se tratava apenas da ocorrência do evento e da paralisação das exportações para a China, mas também do entendimento das implicações sanitárias e suas preocupações para o sistema de produção de carnes no Brasil. Esse conhecimento técnico diferencia e aprofunda nossas análises.

Recentemente participei de uma reunião para discutir genética de frangos devido a um problema de eclodibilidade nos Estados Unidos. Embora seja uma questão extremamente técnica, suas implicações são significativas: os EUA estão enfrentando dificuldades em aumentar a produção, mesmo com preços elevados, o que favorece as margens das empresas listadas no setor de frangos nos Estados Unidos e também no Brasil. Assim, o conhecimento técnico é essencial para realizar análises detalhadas e prever cenários de médio e longo prazo, além do curto prazo.

Como a sua experiência como diretor na Minerva Foods contribuiu para a sua atuação atual?

Na Minerva, onde trabalhei por nove anos, inicialmente foquei na parte de originação e compra de gado. Em seguida, atuei no mercado interno e externo de venda de carne e na indústria. Assim, adquiri uma visão abrangente de diversas áreas dentro da empresa. Eventualmente, assumi responsabilidades de gestão de risco e gestão estratégica. A gestão estratégica em um frigorífico bovino envolve várias decisões, como a estratégia de originação de gado, o volume de compra de animais, a determinação das escalas de abate, a quantidade de contratos a termo e as estratégias de venda de carne.

Essas decisões exigem uma análise de mercado muito detalhada. Eu estudava o mercado e analisava o cenário de preços de várias commodities, como boi gordo, boi magro, bezerros e garrotes, além dos preços de cortes de carne bovina, como contra filé, filé mignon, picanha e costela. Também analisava as exportações, tendências de preços e oportunidades para garantir e melhorar a margem.

Essa experiência me proporcionou um entendimento profundo do setor de frigoríficos, que é bastante complexo. Quando me juntei à XP, meu objetivo era analisar as empresas do setor. Na época, focava principalmente na Ambev, JBS, Marfrig, BRF e Minerva, onde eu havia trabalhado. Conhecer detalhadamente o funcionamento interno das empresas é um diferencial competitivo significativo. Isso me permite discutir as operações e a dinâmica de geração de resultados das empresas com um conhecimento muito detalhado e aprofundado.

Quais são as principais oportunidades de atuação para Zootecnistas no mercado financeiro e nas áreas de Agro?

Aqui há muitos pontos importantes a considerar. Primeiramente, a academia foca muito na produção e pouco nas outras pontas da cadeia. Por exemplo, na indústria de ração animal, quem trabalha com vendas já precisa ter uma visão de mercado. Esses profissionais devem desenvolver estratégias, prever a demanda dos produtos, identificar oportunidades para novos lançamentos, mapear o tamanho do mercado, e analisar a demanda, oferta e concorrência. Esse enfoque de mercado é aplicável não só à indústria de ração animal, mas também à indústria de produtos veterinários, frigoríficos, empresas de processamento, varejo e exportadoras.

Mesmo aqueles bem inseridos no setor precisam de uma visão de mercado. Por exemplo, um analista de resultados em um frigorífico deve conhecer a dinâmica do setor, mas também precisa complementar esse conhecimento com aspectos técnicos e financeiros. Há muitas oportunidades para trabalhar em empresas do setor com uma visão de mercado.

Pensemos em um produtor de gado de corte: ele também necessita de uma estratégia de venda. Se deixar para decidir a venda apenas quando o gado está pronto, enfrentará desafios de preço e margem. Um zootecnista poderia desenvolver essa estratégia, que envolve muito conhecimento técnico. Se um contador, economista ou administrador cria uma estratégia de venda de gado, precisa considerar aspectos como contratos a termo, futuros, confinamento, semi-confinamento, e a duração da engorda do animal. Tudo isso está muito mais ligado à zootecnia do que à economia.

Além disso, há oportunidades em mesas de trade, operando derivativos agrícolas como boi gordo, milho, soja, café, tanto na B3 quanto no mercado internacional. Atualmente, essas funções são desempenhadas por administradores, economistas e engenheiros, mas poucos profissionais do setor, como agrônomos, veterinários e zootecnistas, atuam nessa área. O conhecimento técnico pode ajudar significativamente na tomada de decisões e na leitura do mercado, abrindo espaço para mais profissionais desse segmento no setor financeiro.

Hoje, meu trabalho é analisar empresas. Isso inclui não apenas a dinâmica das commodities, mas também o funcionamento das empresas como um todo. Para um frigorífico, analiso o cenário de compra de gado; para M. Dias Branco, avalio o cenário de preços de trigo, óleo de palma, molho de soja, massas e biscoitos. O conhecimento técnico é extremamente valioso e há espaço para muitas outras posições no mercado financeiro que podem se beneficiar desse conhecimento.

Em suas lives, você mencionou como um Zootecnista pode atuar nesses setores. Quais são as principais habilidades que um profissional dessa área pode trazer para o mercado financeiro e para as indústrias de alimentos e bebidas?

Vamos pegar o caso da SLC Agrícola, um dos maiores produtores de grãos do país. O principal produto da SLC é a soja, seguida pelo algodão, milho e outras culturas, incluindo a pecuária. Não basta apenas analisar a receita e a margem da empresa; é necessário projetar os resultados para os próximos trimestres e até para os próximos dez anos, até 2034, para incluir variáveis financeiras.

Para fazer uma projeção de resultados futuros de uma empresa como a SLC, que depende da produção de soja, é preciso considerar diversos fatores técnicos. Entre eles estão os riscos climáticos, questões de produtividade, a qualidade da terra, a expansão da área de arrendamento, a compra de novas terras, e a proporção das áreas destinadas a diferentes culturas, como soja, algodão e milho safrinha. Esses aspectos técnicos devem ser traduzidos pela ótica financeira, considerando perspectivas de crescimento de área, produção, produtividade, preços projetados para as commodities, receita e custos projetados.

Outro exemplo interessante é a São Martinho, uma grande usina de açúcar e etanol, considerada um benchmark setorial. Eles são fortes em açúcar e etanol e, recentemente, construíram uma fábrica de etanol de milho. A dinâmica do etanol de milho é diferente da do açúcar e etanol, o que pode impactar a margem da empresa. Além disso, a produção de etanol de milho gera DDG (grãos secos por destilação), que é demandado principalmente para ração animal. Portanto, é crucial entender como será a demanda por DDG no mercado brasileiro.

Esses exemplos mostram que, ao analisar uma empresa, olhamos para os aspectos financeiros, resultados e balanço, mas o que realmente move essas linhas são os fatores setoriais e técnicos. A produção de açúcar, milho, a produtividade e o abate de gado são critérios técnicos que impactam diretamente o resultado das empresas. Portanto, o conhecimento técnico é extremamente relevante para realizar uma análise financeira precisa e projetar o desempenho futuro das empresas.

Como você vê o futuro do mercado para os Zootecnistas, considerando as oportunidades promissoras e o baixo conhecimento sobre a atuação desse profissional nesses setores?

Acredito que há um desafio imenso, e isso não se aplica apenas à zootecnia, mas também à veterinária, agronomia e muitas outras carreiras. A academia, por natureza, tende a se especializar. Quando temos um, dois, três, quatro ou cinco excelentes professores dedicados a um segmento específico, tudo acaba sendo conduzido para aquele lado.

Um dos desafios que enfrentei na faculdade foi meu desejo de focar na área de mercado, mas quase não havia disciplinas relacionadas a isso. Havia pouca ou nenhuma cadeira de economia. No meu terceiro ano, tive que buscar estágio no departamento de economia dentro da faculdade de zootecnia, que praticamente não existia. Não havia estrutura para isso e estagiários na área eram raros.

Outro desafio é a falta de opções para estudantes em profissões muito específicas. Muitos estudantes só percebem os déficits de conhecimento quando começam os primeiros estágios fora da faculdade. Lembro claramente do meu primeiro estágio, quando percebi que precisava entender de mercado e não sabia nada sobre mercado futuro. Na época, encontrei um curso online sobre o assunto, que era razoável, mas foi o único disponível. Tive que estudar bastante por conta própria, já que não havia muitos livros sobre o tema.

Há um grande desafio em aumentar as opções de atuação para zootecnistas e outras profissões similares. A provocação que faço é que, quem deseja trabalhar na gestão de fazendas, precisa entender que não se trata apenas de produção animal. O que move a fazenda são os resultados. Saber se a atividade é lucrativa é fundamental. Para isso, é essencial conhecer o preço de venda e o custo de produção. Muitos produtores ainda não sabem seu custo de produção, o que é uma grande provocação. O zootecnista deve ajudar na construção do fluxo de produção e, a partir daí, desenhar estratégias.

A faculdade é míope nesse sentido, pois não tem interesse em agregar nessa frente. Isso é ruim, pois muitos filhos de produtores acabam não voltando para o campo por não gostarem da dinâmica das fazendas e vão trabalhar no mercado financeiro sem enxergar as oportunidades existentes nesse segmento.

Quais conselhos você daria para estudantes de Zootecnia que desejam explorar oportunidades no mercado financeiro e nas áreas de Agro?

Para quem se interessa por gado de corte, temos JBS, Marfrig e Minerva, que são os três grandes frigoríficos do segmento. No caso do leite, não há empresas listadas na bolsa focadas exclusivamente nesse mercado, o que representa um grande desafio. Para frango e suíno, temos a Seara (parte da JBS) e a BRF. Em grãos como milho e soja, destacam-se a SLC Agrícola e a BrasilAgro. A BrasilAgro trabalha com milho, soja e cana-de-açúcar, enquanto a SLC Agrícola foca em milho, soja e algodão. Também temos empresas de sementes e biológicos, além de outras como a M. Dias Branco, que lida com trigo, óleo de soja e óleo de palma, e a Camil Alimentos, que trabalha com arroz, feijão, açúcar, café, trigo e pescado.

Para estudantes, uma maneira de se familiarizar com o setor é fazer pequenos investimentos em ações de empresas como a JBS. Isso os forçaria a entender a dinâmica dessas empresas e as variáveis do agronegócio pela ótica financeira. Aproximar-se do mercado financeiro e entender o funcionamento da B3, que possui contratos futuros de boi, milho e soja, também é fundamental. Conhecer os meses de negociação e a dinâmica desses mercados é essencial.

Para aqueles com famílias que possuem fazendas, uma pergunta crucial é se a operação foi rentável naquele ano. É importante enxergar onde a atuação do zootecnista se conecta com o resultado da operação e se isso traz resultados positivos. Não adianta apenas melhorar a nutrição ou reduzir problemas de saúde animal sem considerar o custo e o retorno dessas ações. Inserir essa perspectiva nas discussões é essencial, pois não há manejo ou estratégia de nutrição sem custo e retorno. Ignorar essa questão representa um déficit significativo.

Se você quiser conhecer mais sobre a carreira e atuação do Leonardo Alencar, acompanhe o perfil dele no Linkedin: https://br.linkedin.com/in/leonardoalencar?original_referer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F

*A entrevista e desenvolvimento do texto foi realizada pela Farm Agromarkerting em parceria com a ABZ. Conheça mais da Farm Agromarketing em https://www.instagram.com/farm.agromarketing/

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