Em trâmite na Câmara dos Deputados desde março de 2015, o projeto de lei 1016/2015 continua rendendo debates entre zootecnistas, engenheiros agrônomos e médicos veterinários. O impasse principal entre as categorias está na possível interferência que pode sofrer o trabalho de agrônomos e veterinários, principalmente, no campo da produção animal.
Contudo, para doutor em nutrição animal da Universidade Federal de Lavras, Marcio Machado Ladeira, o PL não pretende fazer reserva de trabalho. Em um texto publicado pela Scot Consultoria, o zootecnista mostra sua opinião favorável à aprovação do projeto.
Leia na íntegra:
“Nos últimos meses um debate acalorado acerca do PL 1016/15 surgiu nas redes sociais e na Câmara dos Deputados, local em que o projeto está em tramitação. O referido PL tem como objetivo alterar a Lei 5.550, de 4 de dezembro de 1968, que dispõe sobre a profissão de zootecnista. Especificamente, a alteração proposta é a retirada da alínea “c” do art. 2o da Lei 5.550/68:
Art. 2o Só é permitido o exercício da profissão de Zootecnista:
a. ao portador de diploma expedido por Escola de Zootecnia oficial ou reconhecida e registrado na Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura;
b. ao profissional diplomado no estrangeiro, que haja revalidado e registrado seu diploma no Brasil, na forma da legislação em vigor
c. ao Agrônomo e ao Veterinário diplomados na forma da lei.
Denota-se da redação do artigo em questão que agrônomos e veterinários podem ser reconhecidos como zootecnistas, apesar de nunca terem sido titulados em curso superior de zootecnia. Ou seja, é como se eles obtivessem dois diplomas realizando apenas um curso. O contexto histórico quando da aprovação da lei autorizava a inserção da “alínea c”, porquanto não existia zootecnistas formados no Brasil em 1968, já que o primeiro curso foi criado na PUC-RS, em Uruguaina, apenas em 1966.
Todavia, passados 50 anos da criação da lei, tal dispositivo não faz mais sentido. Qual a necessidade, nos dias atuais, de agrônomos e veterinários serem reconhecidos legalmente como zootecnistas?
As consequências do autorizativo da “alínea c” são inúmeras. Uma aplicação prática para este reconhecimento (altamente imoral, apesar de legal), é que quando um órgão público abre edital de concurso público para a vaga de zootecnista, agrônomos e veterinários também podem concorrer.
Para exemplificar melhor esta aberração, vejam o último edital para o Concurso Público de Provas e Títulos para provimento de vagas para as carreiras de Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura (Edital nº 1, de 21 de janeiro de 2014). Neste edital, o MAPA disponibilizou 80 vagas para agrônomos, 110 vagas para veterinários e 7 vagas para zootecnistas. Em sã consciência, será que é justo que agrônomos e veterinários pudessem concorrer para as vagas destinadas a eles e mais as sete vagas destinadas para zootecnistas? E vejam que não estou questionando a distribuição do número de vagas, pois como ex-fiscal Federal Agropecuário, sei muito bem que a maior demanda pelo MAPA é de agrônomos e veterinários.
Em relação ao setor privado, muitas pessoas andam dizendo, de forma equivocada, que o projeto, se aprovado, vedaria o exercício da zootecnia a agrônomos e veterinários. Isso NÃO É VERDADE. Ao analisar o PL 1016/15, em discussão na Câmara, em hipótese alguma fica vedado o exercício da zootecnia para outros profissionais, sejam eles agrônomos, veterinários ou até mesmo Bachareis em aquicultura, engenheiros de pesca ou aquicultura, biológos etc. A propósito, a zootecnia em si é muito mais ampla do que algumas categorias imaginam.
Acredito que tal interpretação errônea do PL vem da redação original do art. 3o da Lei 5.550/68, que apresenta a seguinte redação:
Art. 3o São privativas dos profissionais mencionados no art. 2º desta Lei as seguintes atividades…
No entanto, o PL em discussão retira o termo privativo da Lei, que passaria a vigorar com a seguinte redação:
Art. 3o As atividades e atribuições profissionais do Zootecnista consistem em…
Nesse sentido, sua aprovação determinaria, apenas, que estes profissionais não sejam reconhecidos por Lei como zootecnistas. Isso não os impediria de exercer a zootecnia em sentido amplo, absolutamente! O campo de atuação dos agrônomos e veterinários não seria modificado.
Em minha opinião, é exatamente quem demonstra seu descontentamento com o PL 1016/15 que busca a reserva de mercado. Como exemplo, vejam a Lei 5.517/68 que regula a profissão do médico veterinário. Nela, as alíneas “l” e “m” do art. 5o trazem a seguinte redação:
Art 5o É da competência privativa do médico veterinário o exercício das seguintes atividades e funções:
(…)
l) a direção e a fiscalização do ensino da medicina-veterinária, bem, como do ensino agrícola-médio, nos estabelecimentos em que a natureza dos trabalhos tenha por objetivo exclusivo a indústria animal;
m) a organização dos congressos, comissões, seminários e outros tipos de reuniões destinados ao estudo da Medicina Veterinária, bem como a assessoria técnica do Ministério das Relações Exteriores, no país e no estrangeiro, no que diz com os problemas relativos à produção e à indústria animal.
Denota-se que o zootecnista, por lei, não poderia assessorar o Ministério das Relações Exteriores em problemas relativos à produção animal. Isto é ou não outra aberração?!
Indo além, vejam o caso da Academia. O curso de veterinária só pode ser coordenado por um professor que seja veterinário, mas o curso de zootecnia, assim como outros, pode ser coordenado por professores de diferentes formações, ou seja, independentemente de sua profissão. O que importa nesse caso é qual o professor mais indicado para coordenar e não se ele é pertencente à determinada categoria profissional. Sou avaliador de cursos do MEC e tal exigência não existe para nenhum curso.
Pergunto então, onde é que está a reserva de mercado?
Em suma, o que nós zootecnistas desejamos é que apenas aqueles que realizaram a graduação em zootecnia sejam reconhecidos como zootecnistas. No mais, a zootecnia como ciência é muito maior que qualquer categoria profissional e nós, zootecnistas, junto com outras categorias profissionais parceira, continuaremos a alavancar a pecuária, produzindo proteína de origem animal para a sociedade brasileira e os mercados internacionais”.