Entrevista Professor João Paulo Arcelino do Rêgo

Do Laboratório ao Campo: Biotecnologias que Revolucionam a Reprodução Animal

1. Como o senhor vê a evolução das biotecnologias reprodutivas para o gado de corte nos últimos anos? Quais são os avanços mais significativos?

Nos últimos anos, as biotecnologias reprodutivas aplicadas à pecuária de corte passaram por avanços significativos, revolucionando a eficiência reprodutiva e a produtividade dos rebanhos. As técnicas tradicionais como inseminação artificial (IA) e transferência de embriões (TE) continuam sendo pilares importantes, permitindo a disseminação de material genético superior e a multiplicação rápida de características desejáveis no rebanho. Além disso, a fertilização in vitro (FIV) e a criopreservação de sêmen são amplamente utilizadas, oferecendo maior controle sobre o processo reprodutivo e melhorando as taxas de fertilidade.

Uma técnica emergente promissora é a Transferência Intrafolicular de Ovócitos Imaturos (TIFOI), que envolve a transferência de oócitos diretamente nos folículos ovarianos, permitindo um desenvolvimento mais natural e eficiente dos embriões. Esse método promete aumentar significativamente a produção de bovinos de alto valor genético.

Além das biotecnologias tradicionais, tecnologias da informação como Internet das Coisas (IoT), machine learning e Big Data estão sendo cada vez mais integradas à reprodução animal. Essas ferramentas permitem monitorar padrões reprodutivos em tempo real, prever o ciclo estral das fêmeas com precisão e otimizar decisões de manejo reprodutivo. A análise de grandes volumes de dados possibilita identificar características genéticas e comportamentais que influenciam na reprodução, contribuindo para um melhoramento genético mais direcionado e eficaz.

No contexto geral, esses avanços combinados estão transformando a pecuária de corte, aumentando não apenas a eficiência reprodutiva, mas também reduzindo custos operacionais e elevando a qualidade dos produtos finais. A integração de biotecnologias reprodutivas com tecnologias da informação está pavimentando o caminho para uma pecuária mais sustentável, eficiente e adaptada às demandas do mercado contemporâneo.

2. Poderia explicar de forma simplificada o que são biotecnologias reprodutivas e como elas estão sendo aplicadas na pecuária de corte?

Claro! Biotecnologias reprodutivas são técnicas biológicas avançadas aplicadas na pecuária de corte para melhorar a eficiência reprodutiva, a genética do rebanho e aumentar a produtividade. Incluem métodos como:

Inseminação Artificial (IA): Consiste na introdução de sêmen de touros geneticamente superiores diretamente no útero das vacas, permitindo o uso eficiente de material genético de alta qualidade em várias vacas.

Transferência de Embriões (TE): Envolve a coleta de embriões de vacas geneticamente superiores e sua transferência para vacas receptoras, possibilitando a multiplicação rápida da genética desejável.

Fertilização In Vitro (FIV): Realiza a fertilização dos óvulos com sêmen em laboratório, seguida pela implantação dos embriões resultantes nas vacas receptoras. Isso permite o uso eficaz de óvulos e sêmen de animais superiores.

Transferência Intrafolicular de Ovócitos Imaturos (TIFOI): Técnica inovadora que transfere oócitos imaturos diretamente nos folículos ovarianos das vacas receptoras. Os oócitos continuam seu desenvolvimento e são fertilizados in vivo, possibilitando um processo de reprodução mais natural e eficiente.

Essas biotecnologias têm sido fundamentais para avanços significativos na pecuária de corte, permitindo uma reprodução mais controlada e eficiente, além de contribuir para a preservação e disseminação de características genéticas superiores no rebanho bovino.

3. Quais são as técnicas mais inovadoras em biotecnologia reprodutiva que estão sendo utilizadas atualmente na melhoria da produção de carne bovina?

Antes de falar o que se entende como técnicas inovadoras é importante ressaltar que ainda existe uma lacuna entre o desenvolvimento de uma determinada tecnologia e ela se tornar algo comercial. As instituições de pesquisa têm realizado grande esforço para que os resultados das pesquisas se tornem verdadeiramente tecnologias capazes de solucionar os problemas enfrentados da porteira para dentro. Dessa forma, muitas técnicas inovadoras ainda estão em desenvolvimento nos centros de pesquisa brasileiro. Porém, podemos citar várias que podem impactar positivamente a produção de bovinos no País.

As técnicas mais inovadoras em biotecnologia reprodutiva para a melhoria da produção de carne bovina incluem:

Edição Genética (CRISPR-Cas9): Permite editar o DNA para introduzir características desejáveis, como resistência a doenças e melhor qualidade da carne.

Fertilização In Vitro (FIV) com Sexagem de Sêmen: Combina FIV com a técnica de sexagem de sêmen para produzir embriões com o sexo desejado, geralmente fêmeas.

Transferência de Embriões com Biopsia Genética: Permite a seleção de embriões geneticamente superiores antes da transferência para vacas receptoras.

Outras técnicas, como clonagem e transgenia, são promissoras, mas ainda precisam de desenvolvimento para se tornarem rotinas na produção. Essas inovações estão revolucionando a pecuária de corte, melhorando a eficiência reprodutiva e a qualidade genética do rebanho.

4. O senhor tem uma vasta experiência em reprodução animal, especialmente na avaliação da fertilidade do macho. Quais são os principais marcadores moleculares da precocidade sexual que tem investigado?

Na avaliação da fertilidade do macho, a investigação de marcadores moleculares da precocidade sexual desempenha um papel crucial na seleção de animais com maior potencial reprodutivo precoce. Características como puberdade, maturidade sexual, capacidade de serviço a campo, criopreservação de sêmen e fertilidade são essenciais para definir a qualidade reprodutiva de um macho.

A interface entre aspectos moleculares e quantitativos é fundamental para validar a capacidade reprodutiva dos animais. Nas ciências ômicas, como genômica, proteômica e metabolômica, são obtidas informações valiosas que contribuem significativamente para o entendimento da fisiologia reprodutiva masculina.

Na genômica, genes relacionados ao desenvolvimento testicular, ação hormonal e produção de testosterona são utilizados como preditores de capacidade reprodutiva. Além disso, os MicroRNAs (miRNAs) emergem como potenciais marcadores de fertilidade, oferecendo insights adicionais sobre a expressão gênica e regulação molecular associadas à reprodução.

A proteômica, por sua vez, identifica proteínas nos fluidos reprodutivos de machos e fêmeas que estão diretamente ligadas à maturação espermática, proteção contra estresse oxidativo, capacitação espermática, motilidade espermática, reação acrossômica, interação entre gametas e fertilização. Esses marcadores permitem a identificação e seleção de animais mais precoces e férteis, aprimorando os programas de melhoramento genético e aumentando a eficiência reprodutiva e a produtividade na pecuária de corte.

Essas abordagens integradas de biotecnologia reprodutiva e ciências ômicas não apenas melhoram a compreensão dos processos reprodutivos dos animais, mas também oferecem ferramentas poderosas para otimizar a seleção genética e a gestão reprodutiva nas operações pecuárias modernas.

5. Pode compartilhar conosco algum estudo ou projeto recente que tenha sido particularmente inovador ou impactante em sua pesquisa?

Sim. Minha área de atuação está focada em estudos sobre como as moléculas do fluido do trato reprodutivo de machos interferem na fisiologia do espermatozoide, da espermatogênese a fertilização. Estudos realizados na Universidade de Queensland – AU trabalhamos com animais da raça Brahman onde publicamos o primeiro mapa bidimensional das proteínas do plasma seminal de Bos indicus. Este trabalhou possibilitou que diversas outras pesquisas pudessem associar estas proteínas identificadas com: O método de coleta de sêmen que muda o perfil proteico quando realizado por eletroejaculação ou por vagina artificial indicando diluidores específicos para cada método, melhorando assim os resultados pós descongelamento; A identificação de proteínas associadas com a porcentagem de espermatozoides morfologicamente normais que, na Austrália, constitui a característica seminal que mais se correlaciona com o numero de bezerros nascidos por touro. Estas proteínas podem ser marcadores desta característica e, consequentemente serem associadas a fertilidade dos machos. Ultimamente, nossa equipe busca utilizar o machine learning e big data para estudar mecanismos de seleção de animais mais férteis.

6. Quais são os maiores desafios que os profissionais da zootecnia enfrentam atualmente na implementação de biotecnologias reprodutivas em propriedades de corte?

Os maiores desafios para a implementação de biotecnologias reprodutivas em propriedades de corte incluem:

Preconceito do sistema de conselhos: Muitos consideram a reprodução animal uma prática exclusiva de clínica, limitando o campo de atuação dos zootecnistas.

Necessidade de um sistema de produção ajustado: Sucesso na reprodução depende de bons manejos de nutrição e sanidade.

Investimento inicial elevado: Biotecnologias como transferência de embriões e FIV têm altos custos iniciais e de manutenção, dificultando a adoção por pequenos e médios pecuaristas.

Falta de mão de obra qualificada: Profissionais precisam ser bem treinados e atualizados regularmente.

Infraestrutura adequada: Requer laboratórios bem equipados e instalações específicas.

Resistência às mudanças: Alguns pecuaristas são resistentes a novas tecnologias devido a tradições ou desconhecimento dos benefícios.

Coleta e análise contínua de dados: Necessária para avaliar impacto e eficácia, requer ferramentas sofisticadas de análise.

Esses desafios destacam a necessidade de superar barreiras culturais, econômicas e técnicas para a adoção eficaz de biotecnologias reprodutivas na pecuária de corte.

7. Como Diretor-Geral do IFCE Campus Boa Viagem, quais iniciativas tem promovido para fortalecer o ensino de zootecnia, especialmente na área de biotecnologia reprodutiva?

Como Diretor-Geral do IFCE Campus Boa Viagem, promovo várias iniciativas para fortalecer o ensino de zootecnia, especialmente na biotecnologia reprodutiva:

Parcerias e convênios: Colaborações com instituições de pesquisa e empresas para compartilhar recursos e conhecimentos, proporcionando estágios, visitas técnicas e workshops.

Modernização de laboratórios: Criação e atualização de laboratórios com equipamentos avançados para práticas de biotecnologia reprodutiva.

Iniciação científica: Incentivo à participação dos estudantes em projetos de pesquisa na área de reprodução animal.

Eventos educativos: Organização de seminários, palestras, mesas-redondas e workshops práticos com especialistas renomados.

Programas de intercâmbio: Oferecimento de intercâmbios nacionais e internacionais para experiências diversificadas.

Visitas técnicas: Proporcionar visitas a fazendas, empresas e centros de pesquisa que utilizam biotecnologias reprodutivas avançadas.

Incubadora de empresas: Criação de uma incubadora para apoiar startups e incentivar a inovação e o empreendedorismo entre os alunos.

Essas iniciativas visam preparar os alunos para os desafios e oportunidades na área de reprodução e outras áreas da zootecnia.

8. Que competências e conhecimentos consideram essenciais para formar um zootecnista competente em reprodução animal nos dias de hoje?

Talvez, primeiramente, ter a capacidade de desaprender para aprender novamente. É essencial que os profissionais sejam capazes de associar todo arcabouço formativo entendido como competências técnicas com as suas habilidades práticas. Além de dominar todos os aspectos fisiológicos que envolvem as biotecnologias da reprodução, o Zootecnista precisa entregar após todo o processo, um produto compatível com os objetivos do sistema de produção. Chamamos de laudo zootécnico. Dessa forma, compreender os princípios da genética e da seleção para identificar e propagar características desejáveis, torna-se a principal habilidade do profissional Zootecnista. Será este produto que será responsável pelo retorno econômico da atividade. Poderia ainda citar competências em outras áreas, como:

•Capacidade de analisar e interpretar dados reprodutivos e genéticos. Utilizar dados para tomar decisões informadas sobre o manejo reprodutivo.

•Habilidade para comunicar resultados e recomendações de forma clara e concisa.

•Trabalhar eficazmente em equipes multidisciplinares.

•Participar de cursos, workshops e conferências para se manter atualizado com as últimas pesquisas e tecnologias.

•Estar aberto a novas ideias e tecnologias, buscando continuamente melhorar práticas e processos.

Neste sentido, ao desenvolver essas competências e conhecimentos, os Zootecnistas estarão bem equipados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades no campo da reprodução animal, contribuindo para o avanço da pecuária nacional.

9. Como o senhor vê a evolução da biotecnologia reprodutiva em relação à sustentabilidade e à produção de carne de forma mais eficiente e ambientalmente amigável?

Vejo a evolução da biotecnologia reprodutiva como um fator crucial para tornar a produção de carne mais eficiente e ambientalmente amigável. Ele destaca os seguintes pontos:

Aumento de produtividade: As biotecnologias permitem a intensificação dos sistemas de produção, resultando em maior eficiência.

Seleção genômica: Identificação e propagação de animais com melhor conversão alimentar e resistência a doenças, reduzindo a necessidade de ração e medicamentos.

Otimização das biotécnicas reprodutivas: Melhoria na taxa de prenhez e aumento no número de bezerros nascidos por ano.

Disseminação rápida de genética de alto valor: Melhoria rápida e eficiente da qualidade do rebanho.

Monitoramento contínuo da saúde e bem-estar animal: Intervenções precoces, redução de estresse e mortalidade dos animais.

Alinhamento com a sustentabilidade: A biotecnologia reprodutiva contribui para uma pecuária mais sustentável, com menor impacto ambiental e conservação dos recursos naturais.

Esses avanços não só aumentam a produtividade, mas também garantem que a produção de carne seja mais eficiente e sustentável, promovendo a saúde dos animais e a preservação ambiental.

10. Quais conselhos o senhor daria aos jovens zootecnistas que estão começando sua carreira na área de reprodução animal?

Irei dizer o que gostaria que tivessem me dito na ocasião de ter tomado a decisão de me tornar um Zootecnista da reprodução animal.

Busque conhecimento contínuo, invista em cursos, workshops e programas de formação que expandam seu conhecimento em reprodução animal.

Mantenha-se atualizado com as últimas pesquisas, publicações científicas e avanços tecnológicos na área.

Busque oportunidades para ganhar experiência prática em fazendas, laboratórios e centros de pesquisa.

Desenvolva habilidades em manejo seguro e ético de animais durante procedimentos reprodutivos.

Participe de conferências, seminários e eventos da área para conhecer outros profissionais e pesquisadores.

Trabalhe em equipes multidisciplinares para integrar conhecimentos e abordagens.

Esteja aberto para explorar e implementar novas tecnologias e metodologias que possam melhorar a eficiência reprodutiva dos rebanhos.

Integre princípios de sustentabilidade em suas práticas diárias, buscando reduzir o impacto ambiental da produção animal.

Priorize o bem-estar animal, a saúde pública e a responsabilidade social em suas decisões e práticas profissionais. Tenho consciência do quanto é difícil atentar para todos estes conselhos, porém, para finalizar ainda vão mais alguns!

Persistência e a perseverança são, na maior parte das vezes, os mais importantes ingredientes para o sucesso. Seja persistente!

Profissionalmente chega a hora de correr riscos, qual o problema?

Sejam capazes de desaprender! Isso talvez seja elencado por mim com uma das maiores virtudes que um profissional pode ter!

11. Para concluir, Professor João Paulo, há algum aspecto da biotecnologia reprodutiva ou da atuação do zootecnista na reprodução animal que gostaria de destacar ou algum projeto futuro que está particularmente entusiasmado?

Sim! No IFCE Campus Boa Viagem, integramos o Centro de Inovação e Difusão de Tecnologias para o Semiárido (CIDTS) onde trabalhamos em parcerias com pesquisadores da área de tecnologia da informação e comunicação. Estamos liderando projetos que utilizam aprendizado de máquina (Marchine Learning) aplicados a seleção de reprodutores. O machine learning (ML) constitui uma parte da inteligência artificial (IA) que se concentra na construção de sistemas capazes de aprender ou melhorar o desempenho de qualquer sistema, com base em dados. Dessa forma, estamos focados em predizer a capacidade reprodutiva de animais através dos parâmetros seminais.

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