Análise da interação entre a Indústria Farmacêutica Veterinária e os Grupos de Pesquisa no contexto de inovação
Carolina Cive Barbosa1, Celso da Costa Carrer2, César Gonçalves de Lima3, Vera Letticie de Azevedo Ruiz4
1 - Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Inovação na Indústria Animal-USP
2 - Departamento de Engenharia de Biossistemas da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo
3 - Departamento de Ciências Básicas da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo
4 - Departamento de Medicina Veterinária da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo
RESUMO -
A pesquisa objetivou avaliar o estado da arte da inovação no setor de saúde animal. Assim, por meio do levantamento e classificação de patentes depositadas no Brasil, por indústrias de saúde animal e universidades públicas, bem como estudo dos grupos de pesquisa do CNPq, buscou-se verificar o perfil de produção científico/tecnológica entre os dois atores (públicos e privados). Além disso, pontuou-se o que existe de demanda e oportunidade para inovação em saúde animal e fez-se uma primeira análise do nível de interação entre os grupos de pesquisa, que poderiam representar oportunidades de inovação, e empresas. Os resultados mostraram que o perfil de produção científica e tecnológica é distinto nos dois segmentos. Ainda, verificou-se que, dos grupos avaliados, poucos declaram alguma parceria com instituições privadas. No contexto de inovação, acredita-se que a maior cooperação entre universidade e empresas de saúde animal poderá beneficiar o mercado e a sociedade com novas soluções.
Palavras-chave: inovação, saúde-animal, interação universidade-empresa
Analysis of the interaction between Veterinary Pharmaceutical Industry and Research Groups on innovation context
ABSTRACT - The goal of this research was to evaluate the state of art on innovation of the animal health sector. Thus, through the survey and classification of patents registered in Brazil by animal health companies and public universities, as well as the evaluation of CNPq research groups, we sought to verify the scientific / technological production profile between the two main parties (public and private). In addition, this work pointed out the existing demand and opportunity for innovation in animal health and an initial analysis of the level of interaction between research groups and companies was made. The results showed that the scientific -technological production profile of the two parties is distinct. Also, it was observed that the majority of the research groups do not state a partnership with a private. In conclusion, it is possible that greater cooperation between universities and animal health companies could benefit the market and the society with new solutions.
Keywords: innovation, animal health, university-industry partnership
Introdução
O segmento de indústrias farmacêuticas é um dos mais rentáveis e se caracteriza por agressividade mercadológica, alta capacidade de inovação e por estratégias defensivas para proteger o seu mercado de novos entrantes (outras empresas ou novos produtos) (Capanema; Palmeira-Filho, 2007). Este ambiente competitivo faz desta indústria uma das mais inovadoras, sendo as multinacionais as grandes propulsoras dos principais avanços tecnológicos na área da saúde. Estendendo este cenário para a indústria farmacêutica veterinária, somado ao promissor mercado existente, é possível destacar a importância de investimentos em inovação também neste setor.
O presente trabalho teve como objetivo analisar dados de patentes depositadas no Brasil como um indicador de inovação tecnológica no setor de saúde animal, visando verificar a demanda (patentes depositadas pelas indústrias farmacêuticas veterinárias) e oportunidades de inovação e parcerias (patentes depositadas pelas universidades, grupos de pesquisa do CNPq), além de verificar se o perfil de produção científica e tecnológica das universidades e empresas no setor de saúde animal é similar e refletir sobre o nível de relação entre os dois atores neste setor.
Revisão Bibliográfica
A indústria veterinária é corresponsável pela manutenção da sanidade e desempenho dos animais, uma vez que disponibiliza produtos e serviços ao agronegócio a fim de garantir a sanidade dos rebanhos bovinos, suínos e aves que serão destinados à produção de alimentos. Elevando-se o
status sanitário dos animais e empregando medidas profiláticas e programas de melhoria do desempenho, eleva-se a competitividade do negócio de proteínas no Brasil (Salani, 2015). Além disso, a indústria veterinária é crucial para promover a saúde e bem estar de animais domésticos (Capanema et al., 2007), hoje tratados muitas vezes como membros da família.
A indústria farmacêutica, tanto humana quanto veterinária, compartilha princípios ativos, modelos de produção e pesquisa. Essa similaridade operacional facilita os negócios por propiciar a divisão dos elevados custos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), o incremento das atividades, além de alavancar os lucros com as vendas dos produtos veterinários, objetivando o retorno do investimento nessa área e na área humana (Ahmed; Kasraian, 2002; Capanema et al., 2007).
Yamaguishi (2014) argumenta que para a indústria farmacêutica brasileira, a estratégia de inovação está atrelada à proteção da propriedade intelectual, à capacidade de produção, bem como à estratégia comercial. Além disso, identificou como oportunidades de melhora do processo de inovação no setor, o monitoramento de patentes que estão próximas à data de expiração, acompanhamento das atividades de pesquisa clínica de empresas concorrentes e a busca de oportunidade para o desenvolvimento de produtos similares àqueles inovadores. Ainda, indicou que a principal estratégia de inovação, dentro das farmacêuticas nacionais, é a inovação incremental justificada pelo fato de serem desenvolvidos produtos similares com intuito de reduzir os custos e riscos do processo.
Além disso, outra estratégia para promover inovação no Brasil é a parceria com universidades. Diversos autores enfatizam a importância da cooperação entre empresas e universidades para a produção de conhecimento e a sua transformação em novas tecnologias produtivas (Batista, Lôbo, Campus, Fernando e Lopes-Júnior, 2013; Berni, Gomes, Perlin, Kneipp e Frizzo 2015; Nascimento, 2011).
Materiais e Métodos
Neste trabalho foram levantadas informações de patente e informações sobre grupos de pesquisa do CNPq para se traçar um perfil de inovação no setor de saúde animal. Todos os dados levantados compreenderam um período de 10 anos, ou seja, foram consideradas patentes depositadas no período de 2006 a 2016, bem como grupos de pesquisa criados durante este mesmo período.
Para o levantamento das patentes depositadas no Brasil por indústrias farmacêuticas veterinárias, foram consideradas as oito maiores empresas atuantes no país, de acordo com o ranking publicado pelo BNDES em 2013: Zoetis, Merck/MSD Animal Health, Merial, Ourofino, Valleé, Bayer Animal Health, Elanco Animal Health e Novartis Animal Health. Em relação às Universidades foram buscadas patentes depositadas pelas universidades USP, UNICAMP e UNESP. Além disso, verificou-se junto ao Diretório de grupos do CNPq a existência ou não de alguma parceria entre universidades e empresas privadas a fim de acrescentar informações sobre a interação público-privada neste setor e iniciar possíveis discussões sobre o tema.
Assim, confrontando-se as patentes depositadas pela indústria com as depositadas pelas universidades e com os grupos de pesquisa, foi testada a hipótese que os dois segmentos seguiriam o mesmo perfil de produção científico-tecnológica.
Para isso foi empregado método estatístico Qui-Quadrado, o qual permite comparar possíveis divergências entre as frequências observadas e esperadas para certo evento, a fim de verificar o perfil de produção tecnológica realizada pelos dois segmentos: universidade e indústria farmacêutica veterinária. Dessa forma, assumiu-se que dois grupos teriam comportamentos semelhantes quando a diferença entre a frequência observada e esperada em cada categoria fosse próxima à zero. Classificações que tiveram frequência de observação inferior a 01 (um) foram agrupadas na classificação “outros”, para possibilitar o cálculo estatístico.
Resultados e Discussão
No total foram encontradas 1.458 patentes depositadas no INPI, no período de 2006 a 2016, somando-se o total depositado por indústrias de saúde animal e pelas universidades. Muitas patentes não foram classificadas por ainda estarem sob sigilo. Para as demais, 369 foram classificas nos temas propostos (Tabela 1). Das 369 patentes encontradas, 52,85% (195) foram depositados pelas indústrias farmacêuticas e 46,34% (174) pelas universidades pesquisadas (Tabela 1).
Das patentes depositadas pelas indústrias de saúde animal, observaram-se maiores percentuais de depósito relacionados ao desenvolvimento de antiparasitários e produtos biológicos, sendo 35,38% e 31,28%, respectivamente.
Por parte das universidades, 63,22% das patentes foram classificadas como “outros”, o que mostra diversas pesquisas sendo realizadas nas áreas de tratamentos antineoplásicos, antialérgicos, desenvolvimento de kits diagnóstico, marcadores moleculares, produtos dermatológicos, cicatrizantes e antifúngicos.
Em âmbito nacional foram encontrados 732 grupos de pesquisa ativos no banco de dados do Diretório de Grupos do CNPq (Tabela 1). Destes, 74,18% foram classificados como “outros”. Nesta categoria foram incluídos os temas nutrição animal, anestésicos, anti-inflamatórios, fitoterápicos, nanotecnologia e reprodução, por isso se observou alto percentual de grupos nessa categoria.
Quando foram considerados os grupos pertencentes às universidades da região Sudeste, 235 grupos de pesquisa foram expostos (32,10% do total de 732 grupos ativos no CNPq). Destes grupos, 62,98% foram classificados como “outros”. O alto percentual nesta categoria se dá pela junção de temas conforme explicado anteriormente, 18,29% como liberação controlada, 14,04% como antimicrobianos, 3,83% como biológicos e 0,85% como antiparasitários.
Dos grupos de pesquisa situados na região Sudeste foram avaliados ainda àqueles pertencentes às universidades USP, UNESP e UNICAMP, totalizando 33 grupos de estudo. Na busca por interações público-privadas junto aos grupos do CNPq verificou-se que 64 em 732 citam parceria com empresas privadas, o que representa menos de 10% do total. Segundo Rapini et al. (2016) a plataforma do Diretório de Grupos do CNPq, embora de preenchimento opcional, tem relativa representatividade da comunidade científica nacional.
A comparação estatística entre as patentes das empresas e universidades, bem como a comparação das patentes com os grupos de pesquisa apontou perfis distintos de produção científica e tecnológica entre universidades e empresas do setor de saúde animal (p=0,001).
O número de grupos de pesquisa, a diversidade de temas e o nível de interação universidade-empresa encontrados indicam que há muita oportunidade para a maior interação entre os dois atores no setor de Saúde Animal. Rapini e Righi (2007) destacam em seu trabalho a necessidade de maior proximidade entre empresas e universidades de modo que ambos os lados se beneficiem dessa interação.
Conclusões
A classificação das patentes depositadas pelas indústrias de saúde animal no Brasil permitiu verificar o perfil de inovação pela classificação das tecnologias patenteadas. O mesmo foi traçado para as universidades USP, UNESP e UNICAMP. De modo geral, os dois setores tem perfis distintos, sendo que o setor privado concentra mais patentes nas áreas de produtos biológicos e antiparasitários. Enquanto as universidades têm patentes distribuídas em áreas diversas classificadas neste trabalho como “outros”, que inclui produtos para reprodução, drogas antineoplásicas, fitoterápicos, anti-inflamatórios, entre outros.
A investigação da base de dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq revelou grande número de grupos de pesquisa nas áreas de interesse para a saúde animal, fornecendo informações quanto às oportunidades tanto no cenário nacional quanto da região Sudeste. Foi possível verificar evidências da articulação recente entre universidades e empresas no país, no tema de saúde animal.
Gráficos e Tabelas
Referências
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Batista, P.C.S., Lôbo, R.J.S., Campus, R., Fernando, L., Lopes-Júnior, E.P. (2013). Relações governo-universidade-empresa para a inovação tecnológica. Amazônia, Organizações e Sustentabilidade, 2, 7-21. DOI:
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Berni, J.C.A., Gomes, C.M., Perlin, A.P., Kneipp, J.M., Frizzo, K. (2015). Interação universidade-empresa para a inovação e transferência de tecnologia. Revista GUAL, 8, 258-277. DOI:
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Rapini, M.S.; Righi, H.M. (2007). Interação universidade-empresa no Brasil em 2002 e 2004: uma aproximação a partir dos grupos de pesquisa do CNPq. Revista Economia, 8 (2), 248-268. Disponível em http://www.anpec.org.br/revista/vol8/vol8n2p248_268.pdf.
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