Análise de proposta de parceria para instalação de canaviais entre uma usina sucroalcooleira e a comunidade de assentamento de reforma agrária: relato de caso.

Samilla Vieira dos Santos1, Andresa Juliana de Souza Oliveira2, Ranier Chaves Figueiredo3, Andressa Laysse Silva4, Kênia Conceição de Souza5, Matheus Anchieta Ramirez6, Alan Figueiredo de Oliveira7, Sara Brito Borges Maia8
1 - UFMG
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RESUMO -

Procedeu-se a análise da proposta de parceria produtiva entre um assentamento da reforma agrária em Pompéu-MG, com uma indústria produtora de etanol da região. Utilizou-se metodologia de observação participativa onde coletou-se informações pertinentes à proposta de parceria. Foram pesquisados dois públicos envolvidos com a proposta, os assentados e os técnicos de assistência técnica e extensão rural (ATER) que atendiam o assentamento. A proposta consistiu na tentativa da usina realizar contratos de parceria com os assentados onde a contratante forneceria mudas, compraria a produção por três anos e alugaria o maquinário relacionado à produção canavieira. Os assentados teriam que pegar crédito pelo PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) para pagar o preparo inicial do solo. Observa-se que a proposta de parceria com os assentados é diferente daquela apresentada pela indústria para produtores não assentados, nas quais os proprietários não participam dos investimentos iniciais. Neste sentido foi relatado que o agente da instituição bancária local participou dos encontros relativos à proposta, garantindo aprovação de crédito para este empreendimento. Crédito que era vetado pelo mesmo aos assentados fora da parceria. Obteve-se que os assentados entenderam a proposta como desvantajosa, enquanto o corpo técnico da ATER entendeu que a proposta seria vantajosa. Os relatos apresentados evidenciam iniciativa por parte da empresa de se beneficiar de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. A maneira como a proposta de parceria se deu, demonstra como a elite rural brasileira reproduz uma cultura patrimonialista envolta por privilégios perante os setores menos capitalizados da sociedade. A comunidade do assentamento percebeu os problemas envolvendo a proposta e se recusou a aceitá-la. Porém, observa-se como a ação dos entes públicos envolvidos na questão, principalmente envolvendo a instituição bancária, são favoráveis à indústria.

Palavras-chave: extensão rural, patrimonialismo, produtivismo, reforma agrária

Review of partnership proposal between sugar-alcohol industry and settlement association of agrarian reform for installing sugarcane plantations: case description.

ABSTRACT - The Brazilian land reform aims at repair the injustices and inefficiencies inherent of the Brazilian agrarian space formation, promoting access to land and productive use of it. Like this, were created polices that promote the productive development of implanted settlements of land reform policy, such as agroindustrialization policies. In the context of these actions, projects that aim to insert family farm in the ethanol production sector were detected as a new trendy. Were analyzed a proposal for a productive partnership between a settlement of the land reform in Pompéu-MG, with an ethanol-producing industry of the region. The participant observation methodology were used to collect information pertinent to the proposed partnership. Two actors involved with the proposal, the settlers and the technicians of ATER - technical assistance and rural extension, were surveyed. The proposal consisted in the attempt of the industry to sign partnership agreements with the settlers. At this sign, the contractor would provide seedlings, buy the production for three years and rent the machinery related to the sugar cane production. Settlers would have to take credit from PRONAF (National Program of Family Farm) to pay for the initial soil preparation. In this sense, were reported that the agent of local banking institution, participated in the meetings related to the proposal and this one promised credit approval for this work. Were obtained that the settlers understood the proposal like disadvantageous, whereas the technical staff of the ATER understood that the proposal would be advantageous for the settlers. The reports presented evidence an initiative by the company to benefit from a public policy focused on family agriculture. The way in which the proposed partnership has taken place, demonstrates how the Brazilian rural elite reproduces a patrimonialist culture surrounded by privileges to the less capitalized sectors of society
Keywords: land reform, patrimonialism, productivism, rural extension;


Introdução

No Brasil se aprofundam os debates ideológicos envolvendo os modelos de produção familiar e o modelo do agronegócio. Este último representado por grandes propriedades, acesso a tecnologias e linha de crédito, vinculados a grandes produções e produtividades. Porém o modelo do agronegócio é também associado a impactos ambientais e sociais no meio rural. Nesta análise de valorização das grandes propriedades são desconsideradas a maior ocupação da mão de obra e maior produtividade da terra, os menores impactos ambientais ligados a produção, e a diversidade de produção. Nesta visão conservadora é incentivado o avanço dos grandes empreendimentos agropecuários sobre as pequenas propriedades. Com o avanço das áreas ocupadas pela monocultura de cana de açúcar no Brasil estas plantações passaram a ocupar propriedades circunvizinhas, notadamente pequenas e médias propriedades. Neste avanço da monocultura é comum a busca de novas terras em assentamentos de reforma agrária. Onde o desejo é a construção de contratos de parceria para a incorporação dos lotes às grandes áreas contínuos de cultivo desta gramínea. Discute-se a legalidade e conveniência deste tipo de ação, pela maior concentração da terra e impactos sócio ambientais. Objetivou-se analisar proposta de parceria produtiva entre um assentamento de reforma agrária do município de Pompéu-MG e uma indústria produtora de etanol. Pretende-se apontar as ideologias norteadoras da proposta e as possíveis conseqüências para a comunidade assentada.

Revisão Bibliográfica

O Brasil possui uma configuração agrária marcada por contradições, pouca gente com muita terra, muita gente com pouca terra, muita gente sem terra e muita terra sem gente. Fatores que podem ser relacionados com a ideologia que envolve a posse da terra e a valorização social dos latifúndios (PRADO e RAMIREZ, 2009). Desde o início do processo de colonização a terra é mais associada a poder e prestigio que a um fator de produção (LINHARES e SILVA, 1999). A defesa da grande propriedade rural é também a proteção ao status de grande produtor. Assim as políticas de acesso e uso da terra no país seguiram uma lógica patrimonialista e elitista, materializadas pela política de capitanias hereditárias, política de sesmarias, Lei de Terras de 1850, e as sucessivas políticas de expansão da fronteira agrícola praticadas pelo regime militar (1964 a 1985) (LINHARES, 1999; PRADO, 1999; BRASIL 2016). Este contexto fez com que a demanda pela execução de reforma agrária, ganhasse força perante a sociedade brasileira a partir de meados do século XX. Período marcado pelo início de mobilizações sociais e conflitos envolvendo os grupos que se mobilizaram em favor da redistribuição das terras e os grupos que se colocaram a defesa das grandes propriedades fundiárias (PICOLOTTO, 2011). Devido à forte resistência das elites brasileiras, somada ao caráter conservador do regime militar, apenas com a redemocratização do país que, em outubro de 1985, foi decretado o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA (BRASIL, 1985). Passado mais de trinta anos deste a reforma agrária tem-se resultados ainda tímidos. Além do reduzido número de assentamentos estes contam com condições precárias de infra-estrutura. Sparovek (2003) classificou como precária a infra-estrutura dos assentamentos, devido à falta de escolas, de abastecimento hídrico, de saneamento básico, de acesso à rede pública de saúde e de transportes. Esforços recentes para estimular a criação de infra-estruturas dos Projetos de Assentamento (PAs) existentes, como o Terra Sol, o Terra Forte, as linhas de crédito específicas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) para assentados da reforma agrária e o Programa de Infraestrutura e Reforma Agrária não foram capazes de resolver estas questões. Deste modo, não é garantido aos assentados acesso a infra-estrutura que lhes garanta qualidade de vida digna, nem acesso a infra-estrutura para produção e beneficiamento dos seus produtos. Deste modo, pode-se observar que a ideia de promover a renda dos assentados através da produção dos PAs, passa pelo conceito de agroindustrialização dos produtos agrícolas, foco dos programas Terra Sol e Terra Forte, por exemplo. Consonante com esta ideia, alguns autores apontam que incluir a agricultura familiar e os assentados na cadeia produtiva do etanol seria uma ação benéfica para o país e para este setor produtivo (Canova, 2011; Souza, 2010; ipea, 2016). A este respeito a participação da agricultura familiar na cadeia produtiva do álcool fora planejada desde o regime militar, com a criação do Proálcool (Programa Nacional do Álcool), porém esta proposta foi suplantada pelo modelo concentrador de apoio aos conglomerados Industriais (ITURRA, 2004). O que se observa em mais de quatro décadas após a criação do pró-alcool é que esta cadeia produtiva se relacionou com a agricultura familiar predominantemente pela prática do arrendamento de terras (IPEA, 2016). Em Pompéu-MG a presença da cadeia produtiva do etanol é uma realidade, materializada na figura da usina AGROPÉU - Agro Industrial de Pompéu S/A, que possui aproximadamente 19 mil hectares de cana. Destes, muitos são provenientes de parcerias e arrendamentos de propriedades rurais, um fenômeno que gera modificações no meio rural, e que cria novos mercados e tendências na agricultura. A prática do arrendamento não deve ser confundida com as parcerias. A parceria consiste no aluguel da terra, mas o pagamento é feito de acordo com a produção, tendo de um lado o produtor, que fica com uma parte do produto e do outro lado o proprietário, como emprestador do capital, representado pela terra (SANTOS e DULLEY, 1990). Porém, nos contratos de parceria envolvendo as indústrias sucroalcooleiras a lógica da parceria se inverte. O proprietário da terra perde totalmente a gestão sobre a produção agropecuária, onde todas as decisões de manejo da atividade são tomadas pela parceira. Por outro lado, a indústria não remunera o produtor efetivamente com o produto. Estima-se o valor da produção e é transferido o valor da participação para o produtor. Sistema que foge à tradição das parcerias comuns na agropecuária, mas que se mostra mais vantajosa para a indústria que consegue controle total tanto da gestão da produção como também da remuneração do proprietário fundiário.

Materiais e Métodos

Procedeu-se a coleta de informações com metodologia de observação participante em dois espaços de inserção da pesquisa: o Projeto de Assentamento (PA) Paulista e o escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-MG), que participou intermediando a proposta de parceria entre os atores representantes da usina e os assentados. O PA Paulista foi implementado em 2004, devido a desapropriação realizada pelo INCRA da Fazenda Paulista localizada no município de Pompeu/MG, com área total de 1.301 hectare. O PA possui 32 famílias assentadas, estas possuem acesso deficitário a estrutura produtiva, não possuindo oferta de água nos lotes, não tendo obtido licença ambiental para desmatamento dos lotes e início das atividades produtivas. Deste modo, apesar de implementado o assentamento ainda não possui plenas condições de produção e para fornecimento de condições dignas de sobrevivência da população. Pompeu-MG localiza-se na microrregião de Três Marias. Sua população é de 30.943 (Estimativa do IBGE para 2014). Com uma área de aproximadamente 2.551,074 km² possui diversificada geografia, estando a 168 km de distância da capital do estado, Belo Horizonte. O município se destaca na produção de cana-de-açúcar no estado de Minas Gerais. De acordo com os dados do Zoneamento Ecológico de Minas Gerais (ZEE, 2015), Pompeu está inserida na bacia hidrográfica do Rio São Francisco, no bioma Cerrado, não possuindo unidades de Conservação (nem de Uso Sustentável, nem de Proteção Integral). Possui ainda boa aptidão edafo-climatica para a cultura de cana de açúcar, onde 46,02% das terras do município apresentam boa aptidão, aptidão moderada em 28,1% e restrita em 4,19%. As áreas inaptas para o cultivo da cana de açúcar representam, apenas, 21,69% da superfície agrícola do município (ZEE, 2015). Dessa forma, Pompeu possui condições de solos e climas propícios a produção de cana. Buscou-se coletar detalhamentos sobre a proposta de parceria feita pela Agropéu (Agro Industrial de Pompéu S/A.) para a comunidade do PA. Paulista. A proposta em análise foi feita aos assentados em meados de 2013. Analisou-se os atores que participaram desta proposta, a viabilização e legalização da mesma. Do ponto de vista da comunidade a avaliação focalizou a percepção dos assentados quanto às vantagens ou desvantagens, da mesma. Por fim, avaliou-se como se deu o desfecho da proposta. A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto de extensão universitária “Ação para desenvolvimento de comunidades de agricultura familiar no município de Pompéu-MG”, vinculado ao Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária da UFMG. Desta forma coletaram-se informações em diversas situações, como em reuniões coletivas, conversas informais e relatos individuais. No presente o estudo de caso é construído através do prisma dos assentados, desta forma a exclusão da empresa parceira na fase de coleta de dados é realizada de forma intencional.

Resultados e Discussão

Em 2013, a Agropéu fomentou, por meio de reuniões comunitárias, construir contratos de parceria com os moradores do PA Paulista. Segundo relatado pelos moradores do PA neste contrato, a usina forneceria mudas, compraria exclusivamente a produção por três anos e alugaria o maquinário relacionado à produção canavieira para os assentados. Os assentados contratariam junto ao Banco do Brasil empréstimos do PRONAF para financiar a implantação dos canaviais junto a parceira, seriam responsáveis pelos tratos culturais do canavial e pela colheita. Como os tratos culturais e colheita demandam maquinário especializado os assentados contratariam este serviço da indústria, que descontaria o custo do trabalho no valor a ser repassado aos assentados. A proposta não fere a legislação que rege a ocupação do solo nos assentamentos. Merece destaque o comprometimento da indústria em garantir as licenças ambientais para a implantação e irrigação da cultura bem como para a supressão da vegetação presente nos lotes. O assentamento Paulista é uma área estratégica para a Agropéu, pois este PA apresenta área contígua a plantações já implantadas pela empresa. Isto configura aspectos como facilidade de escoamento da produção e envolvimento dos vizinhos na atividade, que por si só é passível de gerar incômodos e até mesmo conflitos ambientais nos seus arredores. O que explica em parte o interesse do estabelecimento de sistema de produção em parceria da indústria com a comunidade assentada. Adicionalmente o assentamento apresenta topografia e qualidade de solo propício para a implantação de canaviais. Segundo os assentados nesta proposta de parceria todos os valores envolvidos na proposta de parceria, custos de implantação e manejo dos canaviais e valor da produção, seriam ditados pela usina. Para a comunidade esta forma de parceria carece de transparência quanto a mensuração destes valores. Outro ponto que merece destaque é o fato da indústria se comprometer com a compra da produção até o terceiro corte. Sabe-se que monoculturas de cana de açúcar para o processamento industrial alcançam maior produtividade nos dois primeiros cortes, sofrendo notável perda de produtividade a partir do terceiro corte. Deste modo, o complexo agroindustrial garantiria produção suficiente para arcar com os custos de implantação do canavial. Por outro lado, no quarto ano, quando a produtividade dos canaviais cai sensivelmente, os assentados teriam liberdade para negociar ou utilizar livremente a produção feita nos lotes. Com esta prática a usina controlaria o preço da cana durante três anos, que pode sofrer oscilações no mercado e comprometer a renda dos assentados. Estes estariam totalmente reféns dos ditames da usina. É preciso apontar que os assentados seriam ainda responsáveis por custear todos os tratos culturais, alugueis de maquinários e dos insumos invertidos. Todos estes teriam seus valores definidos pela parceira. Com a obrigatoriedade dos assentados se comprometerem com os tratos culturais a indústria teria redução em seus custos trabalhistas. Uma vez que conseguiriam a obtenção de mão de obra para o trato das plantações sem formalização trabalhistas, o pagamento deste trabalho seria feito com percentual da produção e em momento posterior a obtenção da receita pelo complexo agroindustrial. Desta forma, a presente parceria representaria importante redução nos custos com mão de obra da empresa na área plantada. Um item proposto na tentativa de parceria chamou atenção. Os assentados teriam que pegar crédito pelo PRONAF para pagar o preparo inicial do solo, destoca e revolvimento do solo para o plantio, que seria realizado pelas máquinas da indústria. Deste modo, o valor emprestado via PRONAF seria então utilizado para a implantação dos canaviais. Os assentados não teriam garantias se a produção dos canaviais seria suficiente para o pagamento dos empréstimos. Para dar maior segurança quanto a possibilidade de contratação do empréstimo bancário participou de reunião comunitária representante da Agência do Banco do Brasil de Pompéu-MG. Este garantiu aos assentados a obtenção dos recursos do PRONAF para os produtores que aderirem ao contrato de parceria junto a agroindústria. O que chama a atenção não é a presente proposta, mas sim o fato de que os assentados procuraram a mesma agencia da instituição financeira federal e lhes foi negado o acesso a linhas de crédito do PRONAF. Sabe-se a as exigências bancárias para os empréstimos são decisões das agencias locais (citar fontes). Porém é de estranhar, e mesmo questionável, que os produtores apenas tenham acesso a esta política social, voltada ao fortalecimento da agricultura familiar, se vinculados a benefícios diretos a segmentos do grande agronegócio, que possui suas linhas próprias de apoio governamental. Desta forma, o acesso subordinado ao empréstimo do PRONAF não se configura como uma questão referente a parceria em análise, mas sim a graves falhas na implementação desta política social, exclusiva a produção familiar, no município. O quadro geral do relato dos produtores deixa claro a distorção da Agencia local do Branco do Brasil em implementar esta política de credito. Observa-se ainda que a indústria se beneficiaria de um programa de crédito voltado para a agricultura familiar, o que para um país como o Brasil, marcado pela concentração histórica de crédito rural (DUARTE et. al., 2012) voltado para a elite, seria no mínimo uma injustiça. De modo semelhante, a empresa se comprometeria a conseguir as licenças ambientais, segundo os assentados. A comunidade do assentamento percebe a dificuldade de obtenção de licenças ambientais como um entrave ao efetivo desenvolvimento produtivo do PA. Apesar de procurarem soluções os assentados não conseguiram até o momento resolver o problema da obtenção de licenças para a supressão da vegetação dos lotes e a implantação de sistemas de produção agro-alimentares. Já a empresa percebe facilidade para a obtenção desta, sendo uma contrapartida no processo de parceria. Na presente proposta a parceria apresentaria a tendência de forçar os assentados a ter na produção canavieira, sua principal atividade. Dada a ocupação de parte do lote e a necessidade de investimento de trabalho por parte da comunidade nos tratos culturais do canavial. Fato que por si só promove distorção na política de reforma agrária à qual o assentamento está inserido. Os assentados também relataram que a proposta de parceria feita a eles é diferente daquela tradicionalmente feita pela indústria a fazendeiros na região. Nas parcerias comumente feitas pela empresa esta é responsável pela implantação, tratos culturais e colheita dos canaviais. De modo semelhante é estimado o valor da produção e a parte acordada é repassada aos proprietários fundiários. Nota-se que nestes contratos com propriedades fora do assentamento o produtor não é obrigado a contratar empréstimo bancários, mão custeia a implantação ou os tratos ao canavial. Para o técnico da EMATER, esta proposta seria uma boa oportunidade para os assentados aumentarem a renda da comunidade, obterem cadastro junto ao Banco do Brasil e licença ambiental para a exploração efetiva dos lotes. Mas, para os assentados foi percebido como um risco, uma vez que não haveria garantias de obtenção de renda. Assim, os assentados tiveram receio de firmar a parceria e assumir responsabilidades nos tratos dos canaviais, nos empréstimos bancários e nas dividas com a parceira. Esta discrepância no julgamento do técnico e dos assentados reflete em parte a formação dos técnicos nas áreas agrárias. Esta formação é pautada pela ideologia produtivista (RAMIREZ et. al., 2012). A ideologia produtivista reduz todos os problemas do meio agrário ao aspecto produtivo. Assim, esta ideologia leva ao pensamento que o crescimento infinito da produção agropecuária, além de possível, é a ferramenta necessária para corrigir todos os problemas do campo. Este pensamento coloca a tecnificação e as práticas intensivas de produção sob uma abordagem de veneração e supervalorização. Por outro lado o técnico percebe que apenas por meio deste contrato, e a efetiva subordinação dos assentados ao complexo agroindustrial geraria a comunidade possibilidade de se beneficiarem de políticas de crédito rural e da obtenção de licença ambiental. Fatores que são fundamentais para o desenvolvimento de atividades produtivas no PA. O técnico alerta ainda que no futuro, no caso de um eventual sucesso da parceria, este limite máximo de plantio em 1/3 do terreno poderia aumentar, de forma a tomar a propriedade inteira. Mostrando otimismo quanto a proposta de parceria como vantajosa para os assentados. Este ainda prevê que a renda obtida pelos assentados na parceria poderia ser superior aquela obtida nos sistemas de produção familiar tradicionalmente implantados no município. A presença do ator público encarregado de julgar os pedidos de crédito junto ao PRONAF, garantindo recursos do programa para execução do empreendimento proposto na parceria é um ato que exemplifica um vício cultural da sociedade brasileira: a cultura patrimonialista. Observa-se ainda que esta ação configura apropriação, por parte da elite rural, de benefícios públicos destinados ao setor mais pobre da sociedade rural, e neste caso, contando com a participação ativa de um ator com responsabilidades sobre o desenvolvimento rural local. Este relato exemplifica o poder e prestígio associado à elite do agronegócio, que em alguns casos, como este, provoca desvio na aplicação de políticas sociais para o campo. Porém, esta proposta foi vista como desvantajosa pela comunidade do PA Paulista. Não tendo nenhum produtor aderido a parceria proposta. Fato que pode indicar o amadurecimento política destes produtores. O que seria natural uma vez que estes contestaram a hegemonia do modelo concentrador do agronegócio e o latifúndio ao participarem de mobilização social para ocupação e desapropriação de imóvel para fins de reforma agrária

Conclusões

A proposta de parceria entre a usina produtora de etanol com o assentamento de reforma agrária Paulista foi interpretada de maneira diferente pelo técnico da EMATER e pelos assentados. Os assentados julgaram a proposta perigosa e desvantajosa para os membros da comunidade. Os relatos apresentados evidenciam iniciativa por parte da empresa de se beneficiar com uma política pública voltada para a agricultura familiar, o PRONAF. A maneira como a proposta de parceria se deu, apresentou um exemplo de como a elite rural brasileira reproduz uma cultura patrimonialista envolta por subordinação dos setores menos capitalizados da sociedade rural e de privilégios por parte dos agentes públicos. A análise mostra ainda a dificuldade dos assentados acessarem políticas básicas para o desenvolvimento produtivo do assentamento, dificuldades que seriam superadas com a subordinação ao modelo do agronegócio.


Referências

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