Associação entre fontes proteicas e energéticas em suplementos para ovinos consumindo forragem tropical: digestibilidade

Celio Antonio dos Santos Braga1, Denys de Castro Brito2, Daniel Marino Guedes de Carvalho3, Caio Andrade Franco4, Kallil Kopp5, João Rufino Junior6, Juliane Quenoizoré Soares7, Anna Carolina Carvalho8
1 - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO-CUIABÁ
2 - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO-ARAGUAIA
3 - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO-CUIABÁ
4 - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO-ARAGUAIA
5 - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO-ARAGUAIA
8 - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO-CUIABÁ

RESUMO -

Objetivou-se avaliar os efeitos da associação entre fontes de proteína verdadeira e nitrogênio não proteico (farelo de soja e ureia) a fontes energéticas amilácea e fibrosa (milho e casca de soja), além de um suplemento testemunha (mistura mineral) para ovinos consumindo forragem tropical sob a digestibilidade. O experimento teve duração de 70 dias experimentais e foram utilizados cinco borregos, não castrados. Todos os animais receberam como volumoso (forragem) o Capim Marandu. O suplemento foi fornecido diariamente as 10:00 horas da manhã. As análises estatísticas foram conduzidas em um delineamento quadrado latino 5×5. A substituição da proteína verdadeira (farelo de soja) pelo nitrogênio não proteico (ureia) não causou efeitos sob a digestibilidade da matéria seca das dietas, porém alterou a digestibilidade dos carboidratos não fibrosos, sendo os maiores valores encontrados para os suplementos mistura mineral (40,75%) e farelo de soja com milho (39,70%).

Palavras-chave: Brachiaria brizantha cv. Marandu, digestibilidade, proteína bruta, suplementação

Association between protein and energy sources in sheep supplements consuming tropical forage: digestibility

ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the effects of the association between true protein and non-protein nitrogen sources (soybean meal and urea) on amylaceous and fibrous energy sources (corn and soybean hulls), as well as a control (mineral mixture) supplementation for sheep consuming Forage under digestibility. The experiment lasted 70 experimental days and five lambs, not castrated, were used. All the animals received as forage, Capim Marandu. The supplement was provided daily at 10:00 am. Statistical analyzes were conducted in a 5x5 Latin square delineation. The substitution of the true protein (soybean meal) by non-protein nitrogen (urea) did not affect the digestibility of the dry matter of the diets, but altered the digestibility of non-fibrous carbohydrates. Supplements mineral blend (40.75%) and soybean meal with corn (39.70%).
Keywords: Brachiaria brizantha cv. Marandu, digestibility, crude protein, supplementation


Introdução

Em épocas de grande incidências de chuvas, as forrageiras tropicais apresentam teores médios de proteína bruta (PB) que satisfazem a necessidade dos microrganismos ruminais, isto é, acima de 7% de PB. Este valor é considerado por Minson (1990) como não limitante à atividade dos microrganismos do rúmen, entretanto, essa atividade é adequada apenas para manutenção dos animais e com isso, pode comprometer a digestibilidade da forragem altamente fibrosa (LAZZARINI et al., 2009). O fornecimento adicional de compostos nitrogenados para animais pode, por sua vez, permitir incremento no consumo voluntário da forragem e melhorar o balanço energético a partir dos carboidratos fibrosos da forragem, uma vez que estes favorecem o crescimento das bactérias fibrolíticas (Russell et al., 1992), ampliando a taxa de degradação ruminal, digestibilidade e a síntese de proteína microbiana, resultando em maior aporte de nutrientes para o intestino e ácidos graxos voláteis para o metabolismo energético (Detmann et al., 2004). Nesse contexto, objetivou-se avaliar os efeitos da associação entre fontes de proteína verdadeira e nitrogênio não proteico (farelo de soja e ureia) a fontes energéticas amilácea e fibrosa (milho e casca de soja), em suplementos para ovinos consumindo forragem tropical a digestibilidade das dietas e dos nutrientes.

Revisão Bibliográfica

Na ovinocultura, o baixo nível de produtividade é uma característica não desejada, por isto, é necessário atenção quanto à elevada exigência nutricional dos animais durante todo o período do ano. No Brasil o clima em geral apresenta duas estações: uma chuvosa e outra de seca, o que afeta diretamente a qualidade nutricional da forrageira a ser oferecida ao animal, implicando em déficit nutricional para os ovinos. A meta prioritária para o incremento na utilização de forragens tropicais, principalmente aquelas consideradas de baixa qualidade, consiste em otimizar a disponibilidade de nutrientes para o animal a partir dos processos fermentativos ruminais. Para que esta meta seja alcançada deve se assegurar que não haverá deficiências para o crescimento microbiano no rúmen. Assim, os microrganismos ruminais crescerão de forma eficiente e, por intermédio das vias fermentativas, poderão extrair quantidade satisfatória de energia a partir dos carboidratos fibrosos (Leng, 1990; Detmann et al., 2009). Os efeitos da proteína sobre a regulação do consumo voluntário não podem ser avaliados de forma isolada, pois o metabolismo animal está baseado na integração de diferentes mecanismos, na disponibilidade de diversos substratos e metabólitos e em complexo sistema de sinalização e regulação bioquímica e hormonal (Detmann et al., 2014b). A utilização de uma relação P:E (proteína: energia) constitui ferramenta mais plausível para o entendimento dos efeitos metabólicos da proteína sobre o consumo, uma vez que permite melhor visualização da adequação metabólica do animal. Adicionalmente, a relação P:E é reconhecidamente um dos fatores responsáveis pela regulação do consumo voluntário em animais ruminantes (Illius & Jessop, 1996) e diversos autores têm associado alterações na relação P:E na dieta com variações no consumo voluntário de pasto (Panjaitan et al., 2010; Costa et al., 2011a; Figueiras, 2013). A suplementação proteica associada a forragens com alto teor de fibra e baixo teor de proteína, melhora a digestão, taxa de passagem e ingestão voluntária, porém em alguns trabalhos não foram observados estas características. A digestibilidade da forragem pode ser alterada em função de parâmetros ruminais como o pH e a amônia ruminal (N-NH3). A suplementação proteica e a suplementação energética podem afetar de formas distintas estes fatores, afetando assim o consumo da forragem (SANTOS et al., 2009).

Materiais e Métodos

O experimento foi conduzido nas dependências da Fazenda Experimental da Universidade Federal de Mato Grosso, com início em dezembro de 2014, dividido em cinco períodos de 14 dias. Foram utilizados cinco borregos meio sangue Santa Inês x Sem raça definida. Foram avaliados suplementos combinando fontes de proteína verdadeira ou ureia a fontes de energia de origem amilácea e fibrosa, fornecidos a 0,1 kg animal/dia (Tabela 1), além de um suplemento testemunha (mistura mineral) fornecido ad libitum. Todos os animais receberam como volumoso, Capim Marandu picado in natura, ofertado duas vezes ao dia, às 08:00 e 17:00 horas. O consumo de forragem e suplemento foi determinado pela diferença entre as quantidades fornecidas e a quantidade de sobras.   Tabela 1. Composição dos suplementos
Ingredientes

Suplementos

MM

FS-MIL FS-CS URE-MIL

URE-CS

Farelo de soja

-

60,00 60,00 -

-

Milho grão moído

-

35,00 - 86,00

-

Casca do grão de soja - -

35,00

-

86,00

Uréia+sulf. de amônio (9:1)

-

-

-

9,00

9,00

Mistura mineral¹

100

5,00 5,00 5,00

5,00

Proteína bruta

-

30,85

36,00 37,91

38,06

1Mistura mineral comercial para ovinos; MM: Mistura mineral; FS-MIL: Farelo de Soja e milho grão moído; FS-CS: Farelo de Soja e Casca do grão de soja; URE-MIL: U+SA (9:1) e milho grão moído; URE-CS: U+SA (9:1) e Casca do grão de soja.   No 12º, 13º e 14º dias de cada período sempre as 07:00 e 17:00 horas foram coletadas as amostras de sobras de forragem e da forragem fornecida. Todo o material coletado foi imediatamente congelado para posterior análise de laboratório. A produção fecal foi obtida pela coleta total de fezes. Os coeficientes de digestibilidade foram calculados pela diferença entre os alimentos e/ou nutrientes consumidos e os excretados via fezes. A composição bromatológica do suplemento, sobras e forragem foram realizadas de acordo com as técnicas descritas por SILVA & QUEIROZ (2002). As análises estatísticas foram conduzidas em um delineamento quadrado latino 5x5. Adotou-se análise de variância e teste de Tukey realizados pelo programa SAS (2001).

Resultados e Discussão

O teor médio de PB do capim Marandu (Tabela 2), situou-se em 8,87%, acima dos patamares mínimos (7-8% PB) necessários para que os microrganismos ruminais apresentem plena capacidade de degradação dos substratos fibrosos da forragem (Lazzarini et al., 2009). A digestibilidade aparente (Tabela 3) não apresentou efeitos (P>0,05) dos suplementos quando comparados entre si e entre a ausência de suplementação (mistura mineral), para as seguintes variáveis: MS, PB e FDN. A digestibilidade do CNF apresentou efeito estatístico significativo (P<0,05), principalmente quando comparado o suplemento formulado através de uma fonte de nitrogênio não proteico com uma fonte de energia fibrosa (23,38%) em relação a proteína verdadeira com uma fonte de energia amilacea (39,70%), devido a fácil degradação da fibra do amido, pelos microrganismos do rumem. Tabela 2. Composição bromatológica dos suplementos e capim Marandu

Nutrientes

Suplementos Forragem

MM

FS-MIL

FS-CS

URE-CS

URE-MIL

MS (% da MN)

95,68 90,18 88,72 87,29 87,51 25,65
PB1

-

30,85 36,00 38,06 37,91 8,87

FDN1

- 10,71 24,98 48,67 10,12

64,78

CNF1

- 40,96 17,73 2,30 43,16

16,21

MM1

100,00 6,13 7,33 8,41 5,73

7,82

1Dados expressos com base na matéria seca. MS: matéria seca; MN: matéria natural; PB: proteína bruta; FDN: fibra em detergente neutro; CNF: carboidratos não fibrosos; MM: matéria mineral.   Segundo Russell et al., (1992) a atividade microbiana ruminal sobre os compostos fibrosos não depende apenas do nível de compostos nitrogenados presentes no meio, mas também na forma como se encontra disponíveis, já que as bactérias que degradam carboidratos não-fibrosos (CNF), utilizam dois terços de seus substratos nitrogenados na forma de peptídeos e aminoácidos e um terço na forma de amônia, potencialmente produzida a partir de fontes nitrogenadas prontamente degradáveis no rúmen, como o farelo de soja.   Tabela 3. Valores médios da digestibilidade aparente dos nutrientes
Variáveis1

Suplementos experimentais

EPM2

p-valor

MM

FS-MIL FS-CS URE-CS  

URE-MIL

Digestibilidade aparente dos nutrientes (%)

DAMS

62,678

62,835 64,030 61,276 58,295 1,048 0,3199
DAMM

55,813a

39,367b 39,421b 33,076b 33,891b 2,252 0,0025

DAPB

68,374 73,407 72,944 72,533 76,763 1,412

0,2157

DAFDN

71,375 70,938 72,408 68,922 70,553 1,114

0,8545

DACNF

40,754a 39,708a 32,217ab 23,387b 32,011ab 4,015

0,0160

1DAMS: digestibilidade aparente da matéria seca; DAPB: digestibilidade aparente da proteína bruta; DAMM: digestibilidade aparente da matéria mineral; DAFDN: digestibilidade aparente da fibra detergente neutro; DACNF: digestibilidade aparente de carboidratos não fibrosos;   Por sua vez, bactérias que degradam carboidratos fibrosos utilizam preferencialmente amônia (ureia) como substrato nitrogenado para crescimento. No entanto, para este trabalho apesar da digestibilidade da fibra não ter aumentado com suplemento associando casca de soja e ureia, a digestibilidade dos carboidratos não fibroso diminuiu, contrariando o pressuposto citado por Russell et al., (1992).

Conclusões

A substituição da proteína verdadeira (farelo de soja) pelo nitrogênio não proteico (ureia) não causou efeitos na digestibilidade matéria seca da dieta dos ovinos consumindo forragem tropical. Suplementos combinando farelo de soja e milho melhoraram a digestibilidade dos carboidratos não fibrosos da dieta.


Referências

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