Avaliação da sobrevivência e de qualidade de água em diferentes densidades de estocagem no transporte de pirarucu Arapaima gigas em sistema aberto
Hyago Jovane Borges de Oliveira1, Tiago Vieira Costa2, Adriana Ferreira Lima3
1 - Embrapa Pesca e Aquicultura
2 - Embrapa Pesca e Aquicultura
3 - Embrapa Pesca e Aquicultura
RESUMO -
O objetivo do estudo foi avaliar o efeito de diferentes densidades de estocagem sobre a sobrevivência e qualidade de água no transporte de pirarucu Arapaima gigas. Para isso, foi conduzido um experimento no delineamento em blocos casualizados, com três tratamentos (80, 120 e 160 kg/m³) e três repetições no tempo (blocos). Sobrevivência, amônia e CO2 foram avaliados antes e após o transporte. Os resultados foram submetidos à ANOVA, seguidas pelo teste de Tukey (5% de probabilidade). A concentração de amônia e CO2 foram iguais em todos os tratamentos no momento antes do transporte (0,29 mgL-1 e 0,22 mgL-1, respectivamente). Após o transporte, ocorreu uma variação significativa nas concentrações de amônia e CO2 entre as densidades, sendo a densidade de 160 kg/m3 a que apresentou maiores concentrações (4,63 mgL-1 e 1,17 mgL-1, respectivamente). Não houve mortalidade nas densidades avaliadas, demonstrando que a capacidade de suporte para o transporte não foi alcançada.
Palavras-chave: Amônia, densidade de estocagem, gás carbônico, qualidade de água, sobrevivência
Evaluation of survival and water quality in different storage densities in Arapaima gigas pirarucu transport in open system
ABSTRACT - The objective of the study was to evaluate the effect of different storage densities on survival and water quality in the Arapaima gigas pirarucu transport. For this, an experiment was carried in a randomized block design, with three treatments (80, 120 and 160 kg / m³) and three repetitions in different times (blocks). Survival, ammonia and CO2 were evaluated before and after transportation. The results were submitted to ANOVA, followed by Tukey test (5% probability). Concentration of ammonia and CO2 were similar in all treatments before the transport (0.29 mgL-1 and 0.22 mgL-1, respectively). After transport, there was a significant variation in the concentrations of ammonia and CO2 between the densities, with a density of 160 kg/m3 presenting higher concentrations (4.63 mgL-1 and 1.17 mgL-1, respectively). There was no mortality at the evaluated densities, demonstrating that transport carrying capacity was not reached.
Keywords: Ammonia, stocking density, carbon dioxide, water quality, survival
Introdução
O pirarucu
Arapaima gigas é um dos maiores peixes de água doce do planeta, quando adulto seu comprimento pode chegar a três metros e pesar até 200 Kg (FARIAS et al., 2015). Sua produção é estruturada em três segmentos principais: produtores de alevinos, produtores do peixe com tamanho de abate (10 a 12 kg) e indústrias de processamento de pescado. O vínculo entre tais segmentos depende do transporte dos peixes, e do manejo para o qual existem poucas informações disponíveis na literatura, estando estas concentradas para o transporte de juvenis de pirarucu com peso de até 100 g (GOMES et al., 2003; SEBRAE, 2013). O transporte é inevitável no processo produtivo e expõe os peixes a uma série de estímulos que desencadeiam respostas fisiológicas de adaptação. O aumento na densidade de estocagem de peixes para o transporte pode acarretar em alterações fisiológicas provocadas pelo estresse, com consequente mortalidade imediata ao final do manejo (URBINATI et al., 2004). O setor produtivo busca ter a maior eficiência desse processo, através da minimização de custos aliado à maximização da sobrevivência dos peixes transportados. Um dos fatores para diminuir esses custos é o aumento da densidade utilizada para o transporte, que afeta diretamente a qualidade da água e é um dos fatores decisivos para o sucesso desse procedimento. O objetivo do estudo foi avaliar o efeito de diferentes densidades de estocagem sobre a sobrevivência e qualidade de água no transporte de pirarucu por 6h.
Revisão Bibliográfica
A demanda pelo pescado vem aumentando nos últimos anos, impulsionada principalmente pelo crescimento da população e pela tendência mundial em busca de alimentos saudáveis e indicados para a saúde humana (ANDRADE & YASUI, 2003). Com isso de acordo com (IBGE 2015), a piscicultura brasileira foi responsável por produzir cerca de 483,24 mil toneladas em 2015. Boa parte dessa produção é gerada pelo o cultivo de espécies de peixes carnívoros e dentre elas destacam se o pirarucu (
Arapaima gigas), peixe com ótimas características zootécnicas e diferente das outras espécies o pirarucu apresenta respiração aérea obrigatória, facilitando seu cultivo em ambientes com baixa disponibilidade de oxigênio (SALVO-SOUZA & VAL, 1990). É uma espécie com grande potencial para produção aquícola devido a características como rápido crescimento (atinge até 10 kg em apenas um ano de cultivo), suporta altas densidades de estocagem (CAVERO et al., 2003) e tolerância a altos níveis de amônia na água, sua carne tem ótima aceitação no mercado, além de possuir filé ausente de espinhas, com cor clara e sabor suave o que permite alcançar bom preço de venda. A produção desta espécie aumentou 1000 t em 2011 (BRASIL, 2011) para pouco mais de 2.000 t em 2013, de acordo com levantamento do (IBGE 2013). No Brasil, a criação de pirarucu é realizada em duas estações de criação distintas: a primeira normalmente especializada em reprodução e produção de juvenis; e a segunda são as estações de engorda, especializadas em criar o peixe até o tamanho de abate. Desta forma, o transporte de peixes durante o processo de criação é uma prática fundamental e pode acarretar consequências negativas (estresse) para os animais após a chegada do carregamento ao destino. O sucesso deste manejo ocorre quando se minimiza o estresse nos peixes e não há mortalidade (CAVERO et al., 2004). Como fator de estresse, o transporte desencadeia algumas respostas como: alteração nos níveis dos hormônios adrenalina e cortisol, na osmorregulação, no metabolismo, na suscetibilidade à infestação de parasitas e de forma extrema a morte (WEDEMEYER, 1996). As respostas de estresse do pirarucu representam uma importante ferramenta para desenvolver um procedimento de boas práticas de manejo, para que o peixe seja manuseado de forma a não comprometer seu desenvolvimento no sistema de criação.
Materiais e Métodos
Juvenis de pirarucus cultivados em viveiros escavados na densidade de 1.000 peixes/ha e alimentados diariamente (2x ao dia) com ração comercial extrusada para peixes carnívoros (40% de proteína bruta) foram utilizados neste estudo quando atingirem o peso médio de 9,24±1,21 kg e comprimento médio de 95,3±6,18 cm. Os peixes foram capturados com a utilização de rede de arrasto, imobilizados e manipulados para a realização da biometria (mensuração do peso e comprimento), retirada de sangue e transferência do viveiro para a caixa de transporte. As caixas de transporte, com capacidade para 1.000 L, foram abastecidas com apenas 700 L de água, para que houvesse um espaço entre a lâmina d’água e a tampa da caixa, de forma que os pirarucus, que possuem respiração aérea, pudessem subir a superfície para respirar. O transporte dos peixes foi realizado por rodovias pavimentas e estradas vicinais e teve uma duração total de 6 horas. Para isso, foi conduzido um experimento no delineamento em blocos casualizados, com três tratamentos na densidade de estocagem (80, 120 e 160 kg/m³) e três repetições no tempo, que ocorreram em diferentes momentos (blocos). Os parâmetros de qualidade de água (amônia, e gás carbônico) foram mensurados antes e após o transporte. A amônia foi analisada pelo método padrão de Nessler (HACH) e o gás carbônico com o uso de kit colorimétrico comercial. Sobrevivência, amônia e gás carbônico foram avaliados antes e após o transporte. As análises estatísticas foram realizadas no R (R Core Team, 2015) e os resultados foram submetidos à ANOVA, seguidas pelo teste de Tukey (5% de probabilidade).
Resultados e Discussão
As concentrações de amônia e gás carbônico foram iguais em todos os tratamentos no momento antes do transporte, isso por que a água utilizada para o enchimento das caixas de transporte foi a mesma em todos os tratamentos e possuía condições adequadas para a manutenção de peixes. Após o transporte, ocorreu uma elevação nos níveis de amônia em todos os tratamentos e foi observado diferença entre as diferentes densidades, sendo a densidade de 160 kg/m
3 a que apresentou maior concentração de amônia na água (4,63 mgL
-1) ao final do transporte (Figura 1). Esse aumento da amônia com o aumento da densidade ocorre por que um maior número de peixes no ambiente libera, naturalmente, uma maior quantidade de metabólitos na água e esses metabólitos vão se acumulando ao longo do transporte.
O aumento da concentração de amônia é um fator preocupante no transporte, pois a elevação da amônia é um dos principais fatores causadores de mortalidade no transporte (BERKA, 1986). Níveis acima de 0,5 mg L-
1 de amônia total são considerados prejudiciais aos peixes (GOLOMBIESKI et al., 2005). Porém, para o pirarucu, (CAVERO et al. 2004) observaram que não houve alterações comportamentais, nem na ingestão de alimento, quando pirarucus foram expostos a concentrações de até 25 mg/L de amônia total. Dessa forma, devido à alta tolerância da espécie a altos níveis de amônia, não houve mortalidade dos animais devido aos níveis de amônia observados neste experimento.
A concentração de gás carbônico após o transporte também apresentou elevação e variou significativamente entre as diferentes densidades, sendo a densidade de 160 kg/m
3 a que apresentou maior concentração (1,17 mgL
-1) ao final do transporte (Figura 2). O aumento gradativo de gás carbônico com o aumento da densidade está relacionado com a respiração dos peixes, pois, mesmo o pirarucu apresentando respiração aérea, há a liberação de CO
2 na água.
(GOMES et al. 2006), quando realizou o transporte de tambaqui
Colossoma macropomum em sistemas fechados, verificou que o aumento da concentração de CO
2 resultou no aumento da mortalidade de juvenis de tambaqui após o transporte. Porém, para o pirarucu, (GOMES et al. 2003) realizando o transporte em sistemas fechados, obteve sobrevivência total, mesmo quando os níveis de gás carbônico alcançaram 47 mg/L, o que demonstra que o pirarucu apresenta tolerância a elevação desse gás. Como os valores observados neste estudo foram muito inferiores aos encontrados por (GOMES et al. 2003), não houve efeito sobre os pirarucus.
Conclusões
O estudo comprovou que mesmo com as diferentes densidades de estocagem avaliadas e com a variação de concentração de gás carbônico e oxigênio no final do transporte, não houve mortalidade em nenhumas das densidades avaliadas, demonstrando que a capacidade de suporte para o transporte não foi alcançada. Dessa forma, novos estudos avaliando maiores densidades são necessários e a densidade de 160 kg/m³ pode ser utilizada com segurança pelo produtor para o transporte de pirarucu em sistemas abertos por até 6 horas.
Gráficos e Tabelas
Referências
ANDRADE, D. R. & YASUI, G. S.
O manejo da reprodução natural e artificial e sua importância na produção de peixes no Brasil. Rev. Bras. Reprod. Animal. v. 27, n.2 p.166 - 172. 2003.
BERKA, R.,
The transport of live fish. A review. EIFAC tech.Pap., (48):52 p, 1986.
BRANDÃO, F.R; GOMES L.C; CHAGAS E.C.
Respostas de estresse em pirarucu (Arapaima gigas) durante práticas de rotina em piscicultura. Acta amazônica. p. 349-355, 2006.
BRASIL.
Ministério da Pesca e Aquicultura. Projeto de Desenvolvimento de Comunidades Costeiras. Censo aquícola nacional 2008.
Brasil, DF, 2013. 336p.
CAVERO, B. A. S; PEREIRA-FILHO, M; BORDINHHON, A.M; FONSECA, F. A. L; ITAÚSSU, D. R; ONO, E. A.
Tolerância de juvenis de pirarucu ao aumento da concentração de amônia em ambiente confinado. Pesq. Agropec. Bras., Brasília, v.39, n.5, p.513-516, maio 2004
CAVERO, B.A.S.; PEREIRA-FILHO, M.; ROUBACH, R.; ITUASSÚ, D.R.; GANDRA, A.L.
Efeito da densidade de estocagem na homogeneidade do crescimento de juvenis de pirarucu em ambiente confinado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, 38:103-107, 2003.
FARIAS, I.P.; LEÃO, A.; ALMEIDA, Y.S.; VERBA, J.T.; CROSSA M., M.; HONCZARYK, A.; HRBEK, T.
Evidence of polygamy in the socially monogamous Amazonian fish Arapaima gigas (Schinz, 1822) (Osteoglossiforme, Arapaimidae). Neotropical Ichtyology, 13, p. 195/204, 2015.
GOLOMBIESKI, J. I.; MARCHEZAN, E.; MONTI, M. B.; STORCK, L.; CAMARGO, E. R.; SANTOS, F. M.
Qualidade da água no consórcio de peixes com arroz irrigado. Ciência Rural, v. 35, n. 6, p. 1263- 1268, 2005.
GOMES, L. C.; ARAUJO-LIMA, C. A. R. M.; CHIPPARI-GOMES, A. R.; ROUBACH, R.
Transportation of juvenile tambaqui (Colossoma macropomum) in a closed system. Braz. J. Biol., v. 66(2A), p. 493-502, 2006.
GOMES, L.C.
Transporte de juvenis de tambaqui Colossoma macropomum (CUVIER 1818) ( Teleostei, Characidade). Tese de Doutorado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas. Manaus, 101p, 2002.
GOMES, L. C; RIUBACH, R; CAVERO, B. A. S; PEREIRA-FILHO, URBINATI, E. C;
Trasport of pirarucu Arapaima gigas juveniles in plastic bag. ACTA AMAZÔNICA, 2003.
IBGE.
Produção da pecuária municipal 2013. V. 41, p. 1-108, 2013.
IBGE.
Produção da Pecuária Municipal, v.42, 2014
SALVO-SOUZA, R. H.; VAL, A. L.
O gigante das águas doces. Ciência hoje, 11:9-12, 1990.
SEBRAE.
Manual de boas práticas de reprodução do pirarucu em cativeiro. Brasília, DF, 76 p, 2013.
URBINATI, E. C.; ABREU, J. S.; CAMARGO, A. C. S.; LANDINES, M. A. P.
Loading and transport stress of juvenile matrinxã (Brycon cephalus, Characidae) at various densities. Aquaculture. v. 229, n. 1-4, p. 389-400, 2004.
WEDEMEYER, G.A.
Physiology of fish in intensive culture systems. Chapman and Hall, New York. 232 p, 1996.