Avaliação de conflitos e insuficiência das ações do INCRA no processo de implantação de Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária no município de Pompeu/MG
Mariana Brito Gomes1, Andressa Laysse da Silva2, Kenia Conceição de Souza3, Matheus Anchieta Ramirez4, Samilla Vieira dos Santos5, Ranier Chaves Figueiredo6, Alan Figueiredo de Oliveira7, Sara Brito Borges Maia8
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RESUMO -
Objetivou-se avaliar a política de implantação de projetos de assentamentos (PA) de reforma agrária no Brasil em quatro locais no município de Pompeu-MG. A metodologia utilizada foi a revisão documental, pertinente a legislação que rege os processos de Projetos de Assentamento (PA) de reforma agrária no Brasil e observação participante em reuniões comunitárias dos PA’s do município. A Reforma Agrária deve atuar com intuito de reparar séculos de distribuição fundiária injusta, que perdura até os dias de hoje, causando uma disparidade entre latifundiários e Sem-Terra. A Lei de Terras, criada no Brasil império, resultou na concentração da posse da terra pelas elites. No regime militar criou-se o Estatuto da Terra, como tentativa de amenizar os ânimos dos movimentos sociais no campo e das elites agrárias do país. O governo militar passou a direcionar seu apoio à política de subsídios à modernização agrícola e aplicar forte repressão aos movimentos sociais, resultando na modernização conservadora. Nesta mesma época, criou-se o INCRA, uma autarquia do governo federal, responsável pela reforma agrária do país. A atual política de reforma agrária, fruto deste governo, centralizador e autoritário, tem suas decisões regidas pelo Estado e o INCRA, não sendo controladas pelo público que irá se beneficiar dela (assentados). A autarquia necessita de elevados aportes financeiros do governo para fazer cumprir suas responsabilidades. Interrupção ou redução dos recursos faz com que o Estado paralise as ações. Assim, as falhas na implantação dos assentamentos reproduzem a ideologia de apoio às grandes propriedades, combate o ideal de redistribuição de terras e cria um novo foco de conflito social no qual as populações sem acesso a terra e assentadas vêem no INCRA, e não na política federal, um obstáculo à implantação dos processos de assentamentos.
Palavras-chave: Assentamentos, concentração de terras, INCRA, Reforma Agrária.
Evaluation of conflicts and insufficiency of INCRA actions in the process of implementation of Agrarian Reform Settlement Projects in the city of Pompeu / MG
ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the policy for the implementation of agrarian reform settlements in Brazil through documentary review and observations in four agrarian reform settlements in the municipality of Pompéu-MG. The methodology used was the documentary review, pertinent to the legislation that governs the processes of Settlement Projects (PA) of agrarian reform in Brazil and participant observation in community meetings of the PAs of the municipality. The Agrarian Reform must act to repair centuries of unjust land distribution, which continues to this day, causing a disparity between landlords and landless.The Land Law, created in Brazil empire, resulted in the concentration of land ownership by the elites. In the military regime was created Land Statute, in an attempt to soften the moods of social movements in the countryside and the agrarian elites of the country. The military government began to direct its support to the policy of subsidies to agricultural modernization and to apply strong repression to the social movements, resulting in the conservative modernization. At the same time, INCRA was created, an autarchy of the federal government, responsible for the agrarian reform of the country. The current agrarian reform policy, the fruit of this centralizing and authoritarian government, has its decisions governed by the State and INCRA, and is not controlled by the public that will benefit from it (settlers). The municipality needs high financial contributions from the government to fulfill its responsibilities. Interruption or reduction of resources causes the State to paralyze actions. Thus, the failures in the establishment of settlements reproduce the ideology of support for large estates, combat the ideal of land redistribution, and create a new focus of social conflict in which the landless and settled populations see INCRA, not politics As an obstacle to the implementation of settlement processes.
Keywords: Agrarian Reform, INCRA, land concentration, Settlements.
Introdução
O traço marcante da questão agrária no Brasil é a elevada concentração da posse da terra, que vem desde o período colonial, resultando nos demais problemas que se observam no campo, como êxodo rural, violência, fome e pobreza. A gênese da agricultura brasileira tem como base um tripé formado por latifúndios, monocultura e trabalho escravo (LOPES, 2002).
A estrutura fundiária do Brasil está ligada à distribuição e ocupação da terra, bem como as questões sociais presentes no campo. O espaço agrário brasileiro é construído por processos históricos que produziram e reproduziram formas de apropriação da terra e controle dos trabalhadores, que moldaram a questão agrária com grandes contrastes.
Neste sentido,
a agricultura familiar representa a maior parte dos estabelecimentos agrícolas (84%) e que se dedica basicamente à produção de alimentos que abastecem o mercado interno. Responde ainda pelo emprego de mais de 70% da mão de obra no campo e, no entanto, ocupa apenas 24% da superfície de terra no país (IBGE, 2008).
A posse da terra no Brasil é uma das mais concentradas do mundo. O Índice de Gini para concentração de terras é de 0,843 (INCRA, 2012). Segundo o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2008), o grau de desigualdade fundiária no território brasileiro, entre os anos de 1975 a 2006, permaneceu praticamente inalterado, com este índice em 2006 de 0,856, não muito diferente dos valores para os anos 1995, 1985 e 1975, 0,857; 0,858 e 0,855, respectivamente (IBGE, 2006).
A concentração fundiária se reflete no crescente “aperto” das famílias de pequenos agricultores em minifúndios incapazes de prover seu sustento e produzir excedentes para a comercialização e geração de renda (Medeiros, 1994).
Objetiva-se avaliar a política de implantação de projetos de assentamentos de reforma agrária no Brasil por meio de revisão documental e observações realizadas em quatro assentamentos de reforma agrária no município de Pompeu-MG.
Revisão Bibliográfica
A Reforma Agrária no Brasil entrou definitivamente na pauta da política por volta de 1945, a partir da pressão das Ligas Camponesas. Estas, que lutavam por Reforma Agrária, começaram a se organizar e pressionar o estado para a redistribuição da terra (STEDILE, 2012). Estas lutas e mobilizações ganharam visibilidade e obtiveram o apoio de partidos políticos, sindicatos e grupos diversos. Neste contexto, o Governo Federal criou a Superintendência de Reforma Agrária (Supra), órgão criado em 1962 e regulamentado pelo Decreto nº 1.878-A. Unificou num só órgão o Serviço Social Rural, o Instituto Nacional de Imigração e Colonização, o Conselho Nacional de Reforma Agrária e o Estabelecimento Rural de Tapajós. Tinha como finalidades, colaborar na formulação da política agrária do país; planejar, executar e fazer executar, nos termos da legislação específica, a reforma agrária; promover a desapropriação de terras por interesse social, objetivando a justa distribuição da propriedade rural e condicionando seu uso ao bem-estar social, e prestar serviços de extensão rural e de assistência técnica aos trabalhadores rurais (Brasil, 1962).
Porém, o anúncio da implantação do decreto de reforma agrária do órgão precipitou o golpe militar de 1964, que na prática revogou o texto anunciado pelo presidente João Goulart na Central do Brasil. Contraditoriamente, logo no início, o regime militar criou uma lei que regulamentava e ampliava a proposta de realização da reforma agrária no País. O governo do general Castelo Branco criou o
Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 1964), como tentativa de amenizar os ânimos dos movimentos sociais no campo e das elites agrárias do país. Este Estatuto previa basicamente a execução da reforma agrária brasileira e a criação de uma política de fomento a modernização agrícola no país, mas não estabelecia prazos para que isso acontecesse. Foram então criados o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), em substituição à Supra. O governo militar passou a direcionar seu apoio à política de subsídios à modernização agrícola e aplicar forte repressão aos movimentos sociais, fatores que moldaram os resultados perversos da modernização conservadora. Em 1970, através do Decreto nº 1.110, criou-se o instituto que ainda hoje é responsável pelas questões agrárias no país, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), resultado da fusão do IBRA com o INDA. O INCRA é uma autarquia do Governo Federal e já foi vinculado ao Ministério da Agricultura, depois ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e atualmente tem sua vinculação na Casa Civil.
Em 1966, o Governo Federal lançou o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que nunca saiu do papel. A redemocratização, em 1985, trouxe de volta o tema da reforma agrária. O Decreto nº 97.766, de 10 de outubro de 1985, instituiu novo I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), com a meta de destinar 43 milhões de hectares para o assentamento de 1,4 milhão de famílias até 1989. Criou-se para isso o Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento e a Reforma Agrária (Mirad) em 1985, regulamentado pelo Decreto nº 91.214/85, com as seguintes áreas de competência: Reforma Agrária; discriminação e arrecadação de terras públicas; regularização fundiária; legitimação de posses; colonização em terras públicas além de disciplinar a colonização privada; lançar e cobrar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e a Contribuição de Melhoria referente a imóveis rurais e aquisição de imóveis rurais por estrangeiros (BRASIL, 1985). Cinco anos depois, os números alcançados eram irrisórios perante a meta: 82.689 famílias assentadas em pouco menos de 4,5 milhões de hectares (INCRA, 2017).
A década de 80 registrou avanço nos movimentos sociais organizados em defesa da reforma agrária e uma significativa ampliação e fortalecimento dos órgãos estaduais encarregados de tratar dos assuntos fundiários. Quase todos os estados da federação contavam com este tipo de instituição e, em seu conjunto, ações estaduais conseguiram beneficiar um número de famílias muito próximo daquele atingido pelo governo Federal. Esses números refletiam o intenso debate político e ideológico em torno da Reforma Agrária na Assembleia Nacional Constituinte. Do embate, resultou a extinção do INCRA, em 1987, e a do próprio Mirad, em 1989, por meio da Medida Provisória nº 29/89. A responsabilidade pela reforma agrária passou para o Ministério da Agricultura. Foi criada a
lei de desapropriação, pela Constituição de 1988, especificamente para fins de reforma agrária, instituída pelo
Plano Nacional de Reforma Agrária, o qual assegura o direito da União à desapropriação de terras ditas particulares, consideradas improdutivas, em decorrência da utilidade pública, especialmente para fins de Reforma Agrária, podendo haver também outras prioridades de utilidade por parte da União. Em 29 de março de 1989, o Congresso Nacional recriou o INCRA, rejeitando o decreto-lei que o extinguira, mas a falta de respaldo político e a pobreza orçamentária mantiveram a reforma agrária quase paralisada (INCRA, 2017).
No final de 1994, após 30 anos da promulgação do Estatuto da Terra, o total de famílias beneficiadas pelo governo Federal e pelos órgãos estaduais de política para o uso da terra, em projetos de reforma agrária e de colonização, foi de aproximadamente 300 mil famílias (FALCÃO, 2000).
Em 2003 foi reformulado e implementado o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA), construído num amplo diálogo social. O II PNRA tinha como meta, implantar em cinco anos 550 mil famílias e regularizar a posse da terra de 500 mil pequenos proprietários. Para Umbelino (2008), os órgãos governamentais insistem em tentar confundir a todos divulgando que assentou, nos cinco anos do II PNRA, um total de 448.954 famílias:
“Tenho escrito que esses dados divulgados pelo governo Lula sobre a reforma agrária, referem-se às Relações de Beneficiários emitidas, as “famosas” RBs. Assim, continuo na tarefa de esclarecer a todos que as RBs não se referem apenas aos assentamentos novos, elas são emitidas também para os assentamentos relativos à regularização fundiária.” (Umbelino, 2008)
Analisando realmente os dados do balanço do II PNRA obtém-se que, entre 2003 e 2007, foram assentadas pelo governo apenas 163 mil famílias. Portanto, cumpriram somente 30% da meta de 550 mil famílias que haviam prometido assentar (Umbelino, 2008).
O Programa de Reforma Agrária foi congelado em 2016, em virtude do Acordo nº 755/2016, do Tribunal de Contas da União (TCU). Esta medida paralisou a criação de novos assentamentos, nova concessões de benefícios, de assistência técnica e de créditos, impactando e deixando desamparados milhares de trabalhadores/as rurais assentados/as e sem-terras que nada tinham a ver com as irregularidades que foram alegadas para motivar a suspensão do Programa. Desde a redemocratização do Estado brasileiro, em meio a obstáculos e muita luta, foram criados, aproximadamente, 343 assentamentos no estado de Minas Gerais entre os anos de 1986 a 2007, representando cerca de 4,3 % do total dos assentamentos rurais no Brasil, neste mesmo período (GONZAGA, 2009).
Neste quadro, a reforma agrária tornou-se muito mais uma política social compensatória, em resposta a pressão dos movimentos sociais, do que uma alternativa de reorganização produtiva (MARTINE, 1991).
Por meio dos assentamentos, também se constitui uma dinâmica mais participativa e reivindicatória do que a tradicionalmente existente nos municípios brasileiros. O simples fato de criação de uma associação inaugura uma prática política por vezes desconhecida regionalmente, o que nos permite indagar sobre a possibilidade de estarem ocorrendo alterações na base cultural política local. É possível pensar ainda que os assentamentos se tornem objetos de interesse local, pela possibilidade de se constituírem relações estreitas com o poder público (Leite, 1995).
Materiais e Métodos
Utilizou-se a metodologia de revisão documental, pertinente a legislação que rege os processos de projetos de assentamento de reforma agrária no Brasil e observação realizada em reuniões comunitárias de quatro assentamentos do município de Pompeu-MG.
A observação, de natureza participante, se deu em conversas informais durantes visitas técnicas aos assentamentos, relatos individuais, reuniões comunitárias e cursos. Estas ações foram desenvolvidas no âmbito do programa de extensão universitária “COMUNI” vinculado à Escola de Veterinária da UFMG. As reuniões, palestras e cursos foram demandadas pelos produtores assentados. As temáticas centraram-se em aspectos técnicos relacionados à produção animal e temas relacionados à implementação de políticas públicas e questões referentes aos assentamentos.
A revisão documental deu-se pela análise da legislação vigente aos processos de implantação de assentamentos. Foram acessados conteúdos das bases de dados do INCRA.
Pompeu é um município brasileiro da região central do estado de Minas Gerais. Localiza-se na microrregião de Três Marias. Sua população é de 30.943 (Estimativa do IBGE para 2014). Com uma área de aproximadamente 2.551,074 km² possui diversificada geografia, estando a 168 km de distância da capital do estado, Belo Horizonte. O município de Pompeu/MG possui cinco Projetos de Assentamentos (P.A.) de Reforma Agrária: o 26 de Outubro, Pompeu Velho, Queima Fogo, Paulista e Chácara Chório. O município apresenta ainda uma comunidade quilombola e uma comunidade indígena. Para completar o quadro agrário o território do município possui uma agroindústria sucro-alcooleira, que ocupa mais de 20 mil hectares (ha), monoculturas de eucalipto com ocupação superior a 23 mil ha e é uma das maiores bacias produtoras de bovinos de leite do estado de Minas Gerais.
Para as análises propostas neste trabalho as observações participantes foram realizadas nos projetos de assentamento de reforma agrária: 26 de Outubro, Pompeu Velho, Queima Fogo e Paulista. A primeira implantação de um Projeto de Assentamento de Reforma Agrária no município de Pompeu/MG ocorreu em 1993, com a desapropriação da Fazenda Chácara Chório-Rio Velho, com área de 679 ha, denominado P.A. Cháraca Chório com 14 famílias assentadas. Em 1998, ocorreu à desapropriação da Fazenda Olhos D’água, com área total de 5.348 há, a qual era de propriedade da Construtora Mendes Júnior. Nesta área se instalou o P.A. conhecido como 26 de Outubro, com 147 famílias assentadas. Da mesma forma, em 2004, ocorreu à desapropriação da Fazenda Paulista, com área total de 1.301 ha, instalando o P.A. Paulista, com 32 famílias assentadas. Já em 2009, ocorreu à desapropriação da Fazenda Queima Fogo, com área registrada de 1.151 há, conhecido como P.A. Queima Fogo, com 35 famílias assentadas.
Resultados e Discussão
O INCRA tem por missão principal, promover a reforma agrária de maneira justa e sistematizada, a médio e longo prazo, manter e gerir o cadastro nacional de imóveis rurais, administrar terras públicas, além de identificar e registrar, demarcar e titular terras destinadas a assentamentos e comunidades tradicionais quilombolas (Brasil, 2014). Para os presentes objetivos apenas serão analisadas as funções relativas à Reforma Agrária.
No processo de implantação dos assentamentos, o INCRA tem papel de protagonismo em todas as etapas, indo da desapropriação do imóvel, à criação de regulação de lista de assentados, à implantação de infraestrutura básica de produção e garantia de condições dignas de vida aos assentados, fornecimento de assistência técnica, culminando com a titulação definitiva dos assentados. Nos Projetos de Assentamentos do município de Pompeu/MG, podemos relatar que nenhum processo de assentamento foi concluído com o órgão cumprindo integralmente seu papel. Isso pode ter resultado em evasão de assentados, com e sem venda de lotes, a invasão de lotes ociosos e a venda irregular devido a não efetividade do controle dos registros por parte do órgão. O não atendimento às suas funções pode ser exemplificado pela situação dos P.A. Queima Fogo e P.A. Pompeu Velho que ainda não tiveram a divisão dos lotes realizadas ou mesmo verificada pelo órgão. Fator que cria dificuldades ao processo produtivo, tanto relacionado à produção de alimentos para a subsistência como a instalação/moradia digna de cada família assentada, bem como cria conflitos adicionais quanto a ocupação da terra por parte dos assentados.
O INCRA como órgão regulador, fiscalizador e gestor da reforma agrária, deve promover a qualificação dos assentamentos e dos assentados através da promoção do acesso a uma infraestrutura básica, também mediante o licenciamento ambiental, acesso ao crédito, assessoria técnica e consultorias gratuitas aos assentados para que possam aproveitar da melhor maneira possível os recursos das terras em que passarem a habitar e produzir, inserindo-os, dessa forma, numa cadeia produtiva, gerando a autossuficiência desses assentamentos; acesso aos serviços públicos básicos assegurados em constituição, como saúde, educação, esporte, cultura e lazer, de forma a promover o cumprimento de direitos civis, trabalhistas, além da promoção da paz no campo, que se faz necessária (INCRA, 1970).
No P.A. Paulista e P.A. Queima Fogo e parte do 26 de outubro, desde suas criações, estes não possuem água potável para as famílias assentadas, mesmo existindo linhas de créditos para a construção de poços artesianos. O processo de assistência técnica e extensão rural (ATER) é incipiente e inconstante, devido a conflitos entre a autarquia federal e as empresas que oferecem o serviço de ATER. Desta forma, é queixa constante a falta deste trabalho em todos os PA´s analisados. Simplesmente, essas famílias encontram-se desamparadas frente ao governo, não possuindo nenhum centro de saúde dentro dos assentamentos. Em relação à educação, as crianças e jovens assentadas precisam se deslocar até a cidade para estudarem, uma vez que, exceto o PA 26 de outubro, não existem escolas nos assentamentos. Os representantes das comunidades dos PAs veem incansavelmente cobrando das autoridades, o INCRA, respostas e auxílio (acesso aos créditos), como afirma as Leis dentro da Constituição, mas são simplesmente proteladas estas ações, deixando as famílias desassistidas.
Neste quadro há ainda que se destacar que a atual política de reforma agrária tem como base o Estatuto da Terra, criado por um governo centralizador e autoritário e fruto do golpe militar de 1964. Desta forma, o arranjo político centraliza as decisões no Estado e seus representantes, no caso o INCRA. Esta concentração das decisões, por um lado, retira dos assentados o poder de decidir e implementar questões básicas referentes ao seu local de vida e produção, por outro, sobrecarrega o órgão e faz com que este seja obrigado a executar trabalhos burocráticos de elevada complexidade. A centralização nas decisões sobre assentamentos no INCRA faz com que a política de Reforma Agrária seja controlada pelo Estado, e não pelo público que iria se beneficiar dela.
De forma associada, a autarquia necessita de elevados aportes financeiros para fazer cumprir suas grandes responsabilidades frente ao processo de Reforma Agrária. Assim, qualquer interrupção ou redução dos recursos para o órgão faz com que o Estado paralise as ações de benefício aos assentamentos. Paralisação esta que será percebida pelos assentados como imobilismo da parte do INCRA, quando na verdade se refere mais a uma opção do governo federal do que de uma decisão do corpo técnico do órgão.
De acordo com “Estatuto da Terra” na reforma agrária, o conceito de assentar famílias apenas colocando-as sobre a terra, já não basta. O processo de reforma agrária só se completa quando os beneficiários alcançam a condição de agricultores familiares e são incluídos no mercado. Para tanto é necessário o apoio do governo através de políticas públicas e a construção de um pacto social amplo que escolha aos agricultores familiares como protagonistas do processo de desenvolvimento rural. Segundo Prado e Ramirez (2011), “à medida que a agricultura familiar se serve de fatores de produção, via mercado, ela se tecnifica, se profissionaliza e se torna moderna, podendo apresentar altos índices de produção e de produtividade”. Para os autores o fator discricionário da atividade como familiar é o fato da posse dos fatores de produção, ser associada à administração da unidade produtiva, como o uso de insumos, capital, terra, trabalho, investimento dos fatores de produção e o próprio volume de produção gerenciado pelo grupo familiar. Daí a maior eficiência da produção familiar frente a patronal.
A produção familiar é caracteristicamente inserida em comunidades. A importância da vida em comunidades no cenário da produção familiar se dá devido ao fato dos seus membros interagirem entre si, criando relações de auxílio mútuo e reciprocidade. Nesses locais também ocorrem grande troca de informações entre os produtores (Prado e Ramirez, 2011). Nesse sentido, se torna necessária a ação rápida do INCRA para a implementação dos assentamentos, uma vez que a morosidade quanto à divisão dos lotes, acesso a água e demais infraestruturas acirra os conflitos dos assentados. Isso se constitui como um importante fator que retarda o processo de socialização nestas novas comunidades criado a partir do processo de criação dos PA´s. Adicionalmente é necessário levar em consideração o perfil desse produtor assentado. É preciso reconhecer as trajetórias diferenciadas entre agricultores familiares, já consolidados e os assentados, pois o agricultor familiar tem em geral, uma tradição familiar de conhecimentos acerca da agricultura e os assentados têm distintos passados que vão desde a situação de ex-pequenos proprietários que perderam a terra, até assalariados urbanos afetados pelo problema do desemprego (Alentejano, 2000).
Considerando os objetivos do INCRA, há que se questionar se está ocorrendo na prática e por gestão deste órgão, a criação de empregos e a distribuição de renda que venha a beneficiar os “agricultores familiares”. Ou se as falhas no processo de implantação dos assentamentos, que são em sua maioria originadas de uma política federal de não apoio ao próprio INCRA, estariam agindo no sentido, deliberado, de prejudicar a viabilização dos assentamentos e criar críticas deliberadas a política de reforma agrária no país. Assim, na realidade vivenciada, pode-se afirmar que as falhas na implantação dos assentamentos reproduzem a ideologia de apoio às grandes propriedades, combate o ideal de redistribuição de terras no país e cria um novo foco de conflito social. Neste processo, as populações sem acesso a terra e assentadas desta forma incompleta vêem o INCRA, e não a política federal, como obstáculo à implantação dos processos de assentamentos.
Deve-se entender que os assentamentos não são unidades internamente uniformes, que são gerados pela convivência de famílias e que passaram por períodos de atuação comunitária, mas se constituem em realidades complexas, que carregam consigo origem, cultura, disponibilidade patrimonial, composição familiar, motivações e aspirações diferentes (Giuliani e Castro, 1996). Com isso, como exemplo, pode-se notar que o P.A. 26 de Outubro, possui quatro associações formalizadas e vários pequenos grupos, que se formaram ao longo do processo por afinidades socioculturais. O INCRA por ter caráter autoritário, não respeita as características comunitárias formadas dentro de cada assentamento, dialogando e buscando informações apenas com uma entidade associativa de cada Projeto de Assentamento, acentuando ainda mais a cisão entre os grupos. Falhas que podem ser reportadas ao formato de trabalho do órgão.
Conclusões
A concentração de terras é uma marca histórica que percorre desde o processo de colonização do Brasil até os dias atuais. Assim, a reforma agrária se faz necessária, social e politicamente, de forma a promover uma distribuição de terra justa, uma vez que o país tem uma “dívida social” com a população marginalizada, principalmente trabalhadores rurais, intrinsecamente ligados à terra, mas dela excluídos.
O fato de a reforma agrária não ter avançado deixa milhões de trabalhadores rurais sem condições dignas de trabalho. Estas não se limitam à mera distribuição de lotes de terra, pois, para serem eficientes, há necessidade de uma política agrícola de créditos bancários - para a compra de sementes, de adubos, de máquinas etc. - além de assistência técnica e criação de condições para o escoamento da produção. A reforma agrária não visa apenas corrigir situações de injustiça social, mas também ampliar a produção agrícola, transformar amplas extensões de terras improdutivas em solos produtivos e cultivados, aumentando a oferta de alimentos.
O INCRA como órgão regulador e fiscalizador é ineficiente no cumprimento de sua função. Podemos constatar que a maior parte do processo de assentamentos dos PA’s do município de Pompeu/MG não foram regularizados, deixando as famílias desamparadas, sem assistência, seja na parte de infraestrutura básica, como saúde e bem estar, como auxílio para a produção de alimento. São fatos esses, que refletem numa evasão acentuada dos assentados.
Não se pode deixar de elucidar que a estrutura política do INCRA é uma autarquia formulada na época da ditadura militar, o que torna o órgão autoritário e não havendo uma relação mútua entre o INCRA e os assentados, onde as cobranças em cima das famílias assentadas são datadas, mas as obrigações do governo em prol destas famílias não são efetivadas. Esta concentração das decisões, por um lado, retira dos assentados o poder de decidir e implementar questões básicas referentes ao seu local de vida e produção, por outro, sobrecarrega o órgão e faz com que este tenha trabalhos burocráticos de elevada complexidade. E com isso, o INCRA necessita de elevados aportes financeiros para fazer cumprir suas grandes responsabilidades frente ao processo de Reforma Agrária, uma vez que o recurso advém do poder político governamental para a efetividade de suas ações, o que leva aos assentados á uma crítica sobre o órgão que muitas vezes não obtém este apoio e assim prejudicando a viabilização dos assentamentos.
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