Características produtivas e qualitativas de capim-braquiária cultivado em sistema silvipastoril e monocultivo

Priscila Dornelas Valote1, Marina Aparecida Lima2, Domingos Sávio Campos Paciullo3, Mirton José Frota Morenz4, Carlos Augusto de Miranda Gomide5, Fernanda Helena Martins Chizzotti6, Mateus José Inácio de Abreu7, Igor Lima Bretas8
1 - UFRRJ
2 - UFV
3 - EMBRAPA GADO DE LEITE
4 - EMBRAPA GADO DE LEITE
5 - EMBRAPA GADO DE LEITE
6 - UFV
7 - IFET-Rio Pomba
8 - UFV

RESUMO -

O objetivo deste estudo foi avaliar características produtivas e qualitativas de Brachiaria decumbens em sistema silvipastoril (SSP) e monocultivo (MONO), estabelecidos em 1997 e avaliados no verão e outono de 2014/2015 e 2015/2016. Os tratamentos foram dispostos no delineamento de blocos casualizados, com três repetições. Durante o verão, o MONO apresentou maiores densidade de perfilhos, massas secas de forragem total e verde e densidades volumétricas baseadas na massa total e na massa seca verde. No outono não houve diferença entre os sistemas. A digestibilidade da MS não variou com o sistema, mas o teor de proteína bruta foi maior e o de fibra em detergente neutro menor no SSP que no MONO. As reduções na massa de forragem, perfilhamento e densidade de forragem no SSP, em relação ao MONO, após 17 anos de implantação, são atribuídas à severa restrição de radiação para o pasto. Estratégias de manejo das árvores são recomendadas em sistemas voltados primariamente à produção animal.

Palavras-chave: Brachiaria decumbens, plasticidade fenotípica, uso eficiente da radiação, sombra

Productive and qualitative characteristics of signalgrass cultivated in silvopastoral and monoculture systems

ABSTRACT - The objective was to evaluated productive and qualitative traits of Brachiaria decumbens in silvopastoral and monoculture systems, established in 1997 and evaluated during the summer and autumn 2014/2015 and 2015/2016. The experimental design was randomized complete block, with three replications. Greater tiller density, total herbage mass, green herbage mass and bulk forage density, based on total and green mass, were observed for monoculture than silvopastoral. In autumn, no difference was observed between systems. The in vitro dry matter digestibility did not vary with system, but crude protein and neutral detergent acid contents were higher and lower for silvopastoral, respectively. The reduction on herbage mass, tiller density and bulk forage density in silvopastoral, in relation to monoculture, after 17 years, were justified by severe restriction of light for the pasture. Management strategies for trees are recommended in systems primarily focused on animal production.
Keywords: Brachiaria decumbens, phenotypic plasticity, radiation use efficiency, shade


Introdução

Os sistemas silvipastoris são uma modalidade dos sistemas agroflorestais onde se associam o cultivo de espécies arbóreas, arbustivas, pastagens e animais em uma mesma área. Esses sistemas proporcionam aumento da fertilidade do solo (Xavier et al., 2002), melhoria do conforto térmico para os animais (Paes Leme et al., 2005) e diversificação de renda para o produtor (Müller et al., 2011). O valor nutritivo pode ser beneficiado pelo aumento do teor proteico e redução do teor de fibra da forragem (Paciullo et al., 2014). No entanto, uma das principais limitações em sistemas silvipastoris é a diminuição da quantidade e da qualidade da radiação fotossinteticamente ativa (RFA) incidente no dossel forrageiro, com o avanço da idade das árvores, que pode reduzir o perfilhamento e a produção de forragem (Abraham et al., 2014; Barnes et al., 2015). Nas últimas décadas vêm crescendo o interesse sobre o entendimento das mudanças morfofisiológicas quando a forrageira é submetida a competição por recursos de crescimento, principalmente pela RFA. Objetivou-se avaliar, durante dois anos, a densidade populacional de perfilhos, a massa seca de forragem e o valor nutritivo de pastos de capim-braquiária, em sistema silvipastoril e monocultivo, mantidos sob pastejo de bovinos durante de 17 anos.



Revisão Bibliográfica

A demanda por sistemas pecuários sustentáveis, que promovam melhoria nos serviços ambientais e econômicos têm aumentado nas últimas décadas, sendo a adoção de sistemas silvipastoris uma alternativa promissora pelos inúmeros benefícios (Müller et al., 2011; Paciullo et al., 2014). No entanto, esses sistemas são mais complexos quando comparados aos monocultivo de gramíneas forrageiras. Devido a esta maior complexidade, são mais exigentes em conhecimentos das interações que ocorrem entre os componentes (solo-planta-animal-árvore). O componente arbóreo reduz a disponibilidade de luz para as forrageiras, modificando as propriedades morfofisiológicas que determinam a produtividade da forrageira (Abraham et al., 2014). Paciullo et al. 2011a) observaram redução na densidade de perfilhos, na massa de forragem e na taxa de acúmulo de Brachiaria decumbens à medida que se aproximava das árvores, onde havia maior diminuição da RFA para o pasto. Para obter produtividades satisfatórias nesses sistemas devem-se selecionar espécies forrageiras que se adaptam ao sombreamento moderado. Dentre as espécies de gramíneas tropicais cultivadas no Brasil que possuem tolerância mediana ao sombreamento, se destacam algumas cultivares dos gêneros Brachiaria e Panicum, sendo a B. decumbens considerada uma das mais adequadas para sistemas silvipastoris, especialmente cultivados em regiões com topografia montanhosa (Gobbi et al., 2009; Paciullo et al., 2014). O ambiente luminoso, sob o qual as plantas se desenvolvem, influencia seu valor nutritivo (Abraham et al., 2014). Isso faz com que as plantas que se desenvolvem em ambientes sombreados, como em sub-bosques de sistemas silvipastoris, apresentem variações na qualidade da forragem produzida, em comparação às plantas que se desenvolvem a pleno sol (Paciullo et al., 2014). Enquanto os teores de PB geralmente aumentam com o sombreamento, os de FDN e a DIVMS não apresentam um padrão definido, apresentando aumento, redução ou atém mesmo nenhuma alteração com o sombreamento (Paciullo et al., 2014; Neel et al., 2016).

Materiais e Métodos

O experimento foi realizado no Campo Experimental José Henrique Bruschi, da Embrapa Gado de Leite (Coronel Pacheco/MG), durante as estações de verão e outono de 2014/2015 e 2015/2016, em um monocultivo de B. decumbens e um sistema silvipastoril (SSP), ambos implantados em 1997. O SSP foi estabelecido com a B. decumbens plantada em faixas de 30 m de largura, alternadas com faixas de 10 m com as arbóreas Eucalyptus grandis, Acacia Mangium e Mimosa artemisiana. Os tratamentos foram dispostos em blocos casualizados, com três repetições. Cada repetição consistiu de um piquete de 1,4 ha, totalizando 3 piquetes por tratamento em uma área de 8,4 ha. Os piquetes foram pastejados por novilhas Holandês x Zebu, no método de lotação contínua, mantendo-se altura média dos pastos de 33 cm. Medidas de RFA, realizadas no SSP com um ceptômetro (Accupar, modelo LP 80), indicaram sombreamento médio de 51%. A massa de forragem foi estimada a cada 28 dias, por meio da coleta de 15 amostras em cada repetição, com auxílio de moldura metálica de 0,25 m2. As amostras foram levadas ao laboratório para pesagem e separação das frações verde, morta, folha e colmo + bainha foliar e contagem do número de perfilhos. Os materiais foram secos em estufa de ventilação forçada a 55ºC, por 72 horas. Amostras colhidas por meio do pastejo simulado foram secas (55ºC por 72 horas), moídas e submetidas às análises de proteína bruta (AOAC, 1990), fibra em detergente neutro (Van Soest et al., 1991) e digestibilidade in vitro da MS (Tilley & Terry, 1963). As análises de variância foram realizadas com o PROC MIXED do SAS®, usando a opção de medidas repetidas no tempo. Os efeitos de sistemas, estações do ano e suas interações foram considerados como fixos e, como efeitos aleatórios, foram considerados o de blocos e o erro experimental entre unidades e para a mesma unidade no tempo. As médias foram comparadas pela probabilidade da diferença (PDIFF), usando o teste t de Student e nível de probabilidade de 5%.

Resultados e Discussão

As variáveis densidade populacional de perfilhos (DPP), massa seca total (MST), massa seca verde (MSV) e digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) foram influenciadas (P<0,01) pela interação entre o tipo de sistema e a estação do ano (Tabela 1). O monocultivo apresentou maior DPP que o SSP no verão, mas no outono não houve diferença entre os sistemas. Ambos os sistemas apresentaram menor DPP no outono, quando comparado ao verão. A menor DPP no SSP está relacionada ao sombreamento imposto pelo componente arbóreo, resultando na diminuição da RFA para o pasto (Paciullo et al., 2011; Abraham et al., 2014). O percentual médio de sombreamento no SSP, de 51%, pode ser considerado severo para a B. decumbens, conforme observações de outros autores, os quais verificaram reduções do perfilhamento com o sombreamento (Gobbi et al., 2009). Seguindo o padrão observado para a DPP, verificaram-se maiores MST e MSV no monocultivo que no SSP, no verão, e semelhança entre os sistemas, no outono. Isso pode ser explicado, pelo fato das gramíneas de clima tropical serem plantas do grupo de metabolismo C4 e responderem positivamente ao aumento da RFA. Por outro lado, a restrição severa de radiação normalmente resulta em queda da massa de forragem, conforme constatado no SSP. As diminuições de temperatura e umidade no outono podem ter reduzido a importância relativa da luminosidade no crescimento das plantas, o que favoreceu a ausência de diferença estatística das massas de forragem entre os sistemas no outono, além de ter contribuído para as menores MST e MSV nesta estação, comparada ao verão. Os valores de densidade volumétrica de forragem variaram com o sistema (P<0,05) e foram maiores no MONO que no SSP (Tabela 2). Este resultado refletiu as menores massas de forragem no SSP, tendo em vista que as alturas para manutenção dos pastos foram semelhantes entre os sistemas. A DIVMS não variou com o sistema, mas foi maior no outono que no verão, nas condições do SSP. A semelhança entre sistemas repete resultado de trabalho comparando condições de sol pleno e sombreamento (Paciullo et al., 2014) e a variação com a estação, no SSP, pode estar relacionada às mudanças na estrutura do pasto ao longo das estações do ano, caracterizadas pela maior densidade de perfilhos reprodutivos (menos digestíveis) no verão que no outono. Os teores de PB e FDN variaram apenas com o sistema (P<0,05). O SSP apresentou maior teor de PB e menor de FDN que o MONO. O maior teor proteico em condições de baixa luminosidade é amplamente relatado na literatura (Paciullo et al., 2014) e pode ser explicado pela maior decomposição e mineralização da matéria orgânica do solo e ciclagem de nitrogênio em pastagens arborizadas (Wilson, 1998). Já o menor teor de FDN pode ser atribuído à menor disponibilidade de fotoassimilados à sombra, do que resulta menor quantidade de tecido esclerenquimático e células de paredes menos espessas, que no sol pleno (Kephart e Buxton, 1993).  

Conclusões

Em sistema silvipastoril estabelecido há 17 anos, a forte competição por luz entre o componente arbóreo e o pasto resulta em diminuição da densidade de perfilhos e da massa e densidade de forragem, quando comparado ao sistema de monocultivo de B. decumbens. Esses resultados indicam que sombreamentos severos devem ser evitados, por meio de desbastes de árvores em sistemas silvipastoris que têm como foco principal a produção animal, a fim de se minimizar os efeitos negativos da baixa incidência de radiação nas características produtivas do pasto. Contudo, os maiores teores proteicos e menores de fibra no sistema silvipastoril podem se constituir em vantagem nutricional para animais mantidos a pasto.

Gráficos e Tabelas




Referências

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