CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE PRODUÇÃO EM ASSENTAMENTO DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE UNAÍ – MG

Thiago Vasconcelos Melo1, Erica Ribeiro Campos2, Marcelo Leite Gastal3
1 - ICA/UFVJM
2 - CEDAC
3 - Embrapa Cerrados

RESUMO -

A agricultura familiar no município de Unaí, MG desempenha papel fundamental, pois do total de 3.593 estabelecimentos agrícolas, 2.734 são familiares, correspondendo a 76,1% do total do município. Este trabalho teve como objetivo identificar e caracterizar os principais sistemas de produção presentes nos assentamentos, além de observar se as informações obtidas possibilitam gerar uma referência para qualificar metodologicamente a prestação de serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES). O trabalho foi desenvolvido de outubro de 2013 a fevereiro de 2015 no âmbito de 10 assentamentos da reforma agrária, localizados em Unaí – Minas Gerais, e a metodologia adotada foi a de Diagnóstico Rápido e Dialogado. A elaboração da caracterização possibilitou reconhecer que o meio rural não é homogêneo e é possível fazer uma diferenciação entre os tipos de sistemas. A caracterização é uma importante ferramenta, pois permite conhecer a realidade socioeconômica da família, e propor alternativas tecnológicas compatíveis com os riscos, com a força de trabalho disponível e com os recursos financeiros da família.

Palavras-chave: agricultura familiar, desenvolvimento rural, diagnóstico, extensão rural, inclusão social.

CHARACTERISTICS OF A SYSTEM OF PRODUCTION IN LAND REFORM IN UNAÍ – MG

ABSTRACT - Family farming in the municipality of Unai, MG plays a key role, as the total of 3,593 farms, 2,734 are familiar, corresponding to 76.1% of the municipality. This study aimed to identify and characterize the main production systems present in the settlements, and see if the information obtained make it possible to generate a reference to methodologically qualify the provision of Technical Advisory Service, Social and Environmental (ATES). The study was conducted from October 2013 to February 2015 under 10 agrarian reform settlements, located in Unaí - Minas Gerais, and the methodology adopted was the Rapid Assessment and dialogued. The development of characterization allowed to recognize that the countryside is not homogeneous and it is possible to differentiate between the types of systems. The characterization is an important tool because it allows to know the socioeconomic reality of the family, and propose alternative technologies compatible with the risks, with the available workforce and the family's financial resources.
Keywords: diagnosis, family agriculture, rural development, rural extension, social inclusion.


Introdução

As principais atividades econômicas no município de Unaí, MG, são relacionadas à produção agropecuária. A agricultura familiar desempenha papel fundamental, pois do total de 3.593 estabelecimentos agrícolas, 2.734 são familiares, correspondendo a 76,1% do total do município (MANGGINI, 2012). Compõe essa agricultura 34 projetos de assentamento, totalizando 1.639 famílias assentadas (INCRA, 2013).  São estabelecimentos agrícolas (EAs) e podem ser concebidos como sistemas de produção compostos de um conjunto de elementos em interação: sistemas de cultivos e/ou criação e/ou transformação, sendo ao mesmo tempo influenciado pelos objetivos do agricultor/produtor rural e de sua família (sistema social), aberto e em interações com o meio externo (econômico, físico e humano).  Para apoiá-los, faz-se necessário conhecer e estabelecer abordagens que tratam das diversidades dos sistemas de produção desse tipo de agricultura familiar, que se diferencia e ao mesmo tempo se assemelha a outros tipos e práticas de agricultura e pecuária, tanto nos aspectos técnicos quanto econômicos. Este trabalho teve como objetivo entender o funcionamento dos sistemas de produção existentes, e caracterizar um dos sistemas, possibilitar propor alternativas tecnológicas sustentáveis, além de observar se as informações obtidas possibilitam gerar uma referência de funcionamento de sistema para qualificar metodologicamente a prestação de serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES). 



Revisão Bibliográfica

A região do noroeste mineiro permaneceu até meados do século XX com as características econômicas e sociais herdadas do período colonial, marcada por uma agricultura de subsistência que tem como principal produto econômico a pecuária (MANGGINI, 2012).  A concretização da BR-040 em 1950, ligando a microrregião ao Centro-Oeste do país e à capital Belo Horizonte, a construção da barragem de Três Marias em 1958 e a transferência da Capital Federal para Brasília no ano de 1960 (MANGGINI, 2012; TORRES, 2000), possibilitaram a expansão da fronteira agrícola e o aumento do fluxo migratório de grandes produtores para a região do noroeste de Minas Gerais.  Esse acontecimento, somado ao avanço tecnológico, aceleraram o processo de ocupação do município de Unaí e facilitaram a introdução da revolução verde, cujo pacote tecnológico é fundamentado na monocultura intensiva em mecanização e utilização de insumos e defensivos agrícolas. Manggini (2012) considera o município um exemplo categórico do desenvolvimento da questão agrária brasileira, pois ao mesmo tempo em que possui o maior PIB Agropecuário (Produto Interno Bruto) do estado, também é líder em desigualdades no meio rural. Do total de 3.593 estabelecimentos agrícolas, 859 propriedades (23,8%) detêm 566.809 hectares, o que equivale a 83,3% do território rural do município. Já a agricultura familiar totaliza 2.734 estabelecimentos, no entanto ocupa apenas 16,6% do território, correspondente a 113.633 ha. Onde a realidade é marcada pelo grande número de assentamentos de reforma agrária, no total são 34 projetos de assentamento, totalizando 1.639 famílias assentadas Apesar do índice de urbanização, as principais atividades econômicas desenvolvidos no município são predominantemente baseadas na agropecuária (PREFEITURA MUNICIPAL DE UNAÍ, 2013). Do total da área plantada no município (195 mil hectares), 49,3% (96 mil hectares) é ocupado pelo plantio de soja, posteriormente o feijão ocupa 24% (48 mil hectares), milho 18,5% (36.500 hectares) e sorgo representando 6%. A produção de alimentos em Unaí ocupa “todo” o restante da área plantada, ou seja, 2,7% (MANGGINI, 2012).  O Estado teve um papel relevante neste processo por meio da implementação de programas de aproveitamento e colonização do cerrado. Isso ocorreu através de vários planos de desenvolvimento agropecuário regional, como por exemplo o Polocentro e o Prodecer (ambos do governo federal); o Planoroeste (do governo de minas, voltado para a região noroeste do estado), o PADAp (Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba, também do governo de Minas) (TORRES, 2000; MANGGINI, 2012; SOUSA et al, 2011). 



Materiais e Métodos

O trabalho foi desenvolvido de outubro de 2013 a fevereiro de 2015 no âmbito de 10 assentamentos da reforma agrária, localizados em Unaí - Minas Gerais, contemplados pelo contrato 03/2011 de prestação de serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES) firmado entre o Instinto Nacional de Colonização e Reforma agrária (INCRA / SR 28 DFE) e a Cáritas Diocesana de Paracatu.  A metodologia adotada e descrita a seguir tem como referência os trabalhos de GASTAL et al (2003), ZOBY et al (2003) e GASTAL et al (2002). Foram realizadas entrevistas individuais com aplicação de questionários específicos para o Diagnóstico Rápido e Dialogado (DRD) no período de novembro de 2013 a janeiro de 2014 em 390 famílias, o que corresponde a 75% do total das famílias dos assentamentos. No questionário foram abordados os seguintes itens, considerando a safra 2012/2013:  Mão de obra: composição familiar e caracterização dos tipos de mão de obra empregados; Cultivos: lista de cultivos, suas respectivas áreas, produção e o destino dessa produção (consumo familiar, comercialização, consumo animal, entre outros); Rebanho: bovinos, suínos e aves. Descrição do sistema de criação e o destino dessa criação (consumo familiar, comercialização, consumo animal, entre outros);  Fonte de ingressos monetários: ingressos da produção e locais de venda;  Fonte de ingressos externos: benefícios previdenciários (aposentadoria por idade e invalidez, auxílio doença, auxílio maternidade, pensão por morte), bolsa família, venda de mão de obra, aluguel de pasto, prestação de serviço, entre outras;  Despesas: principais produtos comprados para a exploração do estabelecimento e manutenção da família e locais de aquisição desses produtos. Após a tipificação dos sistemas de produção, foi realizado a caracterização do sistema predominante.



Resultados e Discussão

A propriedade caracterizada (Tabela 01) possui área total de 28 há, casa de alvenaria, chiqueiro de madeira, curral de arame, galinheiro de alvenaria, 5 Km de cercas, rede elétrica, Carroça, triturador e sistema de irrigação por microaspersores. Na propriedade, 89% da área total do estabelecimento é ocupada com pastagem formada, 7% com sorgo para silagem e os outros 4% com outras atividades e benfeitorias. Portanto, 98,9% da área total são utilizadas para exploração pecuária, demonstrando que a criação de gado é o subsistema de criação que mais se destaca no estabelecimento. Esses dados corroboram com estudos feitos por Zoccal et al (2003), onde destaca as pastagens cultivadas como a principal ocupante dos solos para alimentação volumosa dos rebanhos dos agricultores familiares da zona da mata mineira.  A maior parte das lavouras é utilizada para produção de volumoso para os bovinos. Informações que são confirmadas por Gastal et al (2003), onde no trabalho desenvolvido nos assentamentos rurais do município de Unaí, identificou que as lavouras cumpriam uma função complementar, mas fundamental, relacionada à alimentação da família e das criações, destacando-se o milho e a cana. O rebanho bovino é composto por 40 animais, o que corresponde a 33,8 U.A, que também tem uma função de poupança. Essa composição do rebanho fortalece e justifica a participação do leite, em relação às demais rendas identificadas nas áreas estudadas. Destaca-se o uso da mão de obra familiar em todas as atividades, demandando em média 18,2 dias de trabalho/pessoa/mês. As atividades (Figura 1) relacionadas a pecuária ocupam 47 % da mão de obra familiar, 19% com atividades gerais 13, 17% estão relacionadas a agricultura, 6% na transformação de produtos (queijo e doces) e 6% em atividades fora do estabelecimento. Segundo Menezes Santana e Mendes (2005) o uso da mão-de-obra familiar, dentro do sistema de produção e a sua participação no conjunto de atividades desenvolvidas pela família é de suma importância  para estabelecer políticas públicas para aumentar a sua sustentabilidade.  No estabelecimento a atividade agropecuária é destinada ao consumo familiar e para gerar renda. A reprodução socioeconômica é garantida pela venda de leite in natura, associada com venda de queijo, hortaliças e renda não agrícola (aposentadoria). A família comercializa, em pequena escala, produtos como doces, artesanato, suínos e ovos por meio de intermediário de produtos. Este sistema de produção se caracteriza, principalmente pelo conjunto de elementos em interação, dentro de um quadro de atividades agrícolas e não agrícolas, visando a obtenção de produções variadas na criação de bovinos, suíno, artesanato e hortaliças.  Mesmo com a diversificação de produtos, observa-se que a renda proveniente do leite é a mais significativa, proporcionando a família a maior fonte de renda entre as demais observadas, correspondendo a 50% da renda total.



Conclusões

A caracterização do sistema de produção é uma importante ferramenta, pois permite conhecer a realidade socioeconômica da família, e propor alternativas tecnológicas compatíveis com os riscos, com a força de trabalho disponível e com os recursos financeiros da família. A análise e sistematização das alternativas implantadas em relação aos problemas identificados, às atividades executadas pelos agricultores e aos resultados alcançados permite a geração das referências técnicas e metodológica para profissionais que prestam serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental. Os resultados obtidos geram referências para outras famílias que podem apresentar problemas similares.



Gráficos e Tabelas




Referências

GASTAL, M.L. et al. Método participativo de apoio ao desenvolvimento sustentável de assentamentos de reforma agrária. Planaltina, DF: EMBRAPA Cerrados, 2002.

GASTAL, M.L. et al. Projeto Unaí: diagnostico rápido e dialogado de três assentamentos de reforma agrária. Planaltina, DF: EMBRAPA Cerrados, 2003.

INCRA. Apresentação sobre a Assessoria Técnica, Social e Ambiental no município de Unaí. 2013.

MANGGINI, T. R. T. Campesinato e agronegócio: A experiência educativa do assentamento Eldorado dos Carajás Unaí/MG. 2012. 176 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília.

MENEZES, A.J.E.A.de.; SANTANA, A.de.S.; MENDES, F.A.T. Uso da mão-de-obra familiar nos sistemas de produção do projeto de assentamento agroextrativista praialta e piranheira, município de Nova Ipixuna – Pará. In: XLIII CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL. Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial. SOBER: Anais... Ribeirão Preto, 2005.

SOUSA, D. N. e; et al. A dinamização dos assentamentos rurais para o desenvolvimento econômico do Noroeste de Minas Gerais. Revista de C. Humanas, Viçosa, v.II, n.I, p.87-97,jan./jun. 2011.

PREFEITURA MUNICIPAL DE UNAÍ. Unaí. Disponível em: < http://www.prefeituraunai.mg.gov.br/pmu

TORRES, A. L. Formação social e mediação: A luta pela terra e a consolidação dos assentamentos rurais no município de Unaí – MG. 2000. 149 p. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural), Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.

 

ZOBY, J.L.F. et al. Transferência de tecnologia, agricultura familiar e desenvolvimento local: a experiência do Projeto Silvânia. Planaltina, DF: EMBRAPA Cerrados, 2003.