Digestibilidade aparente de proteína e energia de dietas extrusadas contendo diferentes níveis de inclusão de ácidos orgânicos e de proteína digestível para juvenis de tilápia do Nilo

Daniela Bezerra de Amorim1, Dalton José Carneiro2, Gabriela Sá Freire Paulino3, Juliano José de Oliveira Coutinho4, Ligia Maria Neira5
1 - Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP)
2 - Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP)
3 - Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP)
4 - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (UNESP)
5 - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (UNESP)

RESUMO -

O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos da interação entre quatro níveis de inclusão de um blend comercial de ácidos orgânicos (BAO) (Selacid® Green Growth) e três níveis de proteína digestível (PD) de dietas práticas extrusadas para tilápias do Nilo, sobre os coeficientes de digestibilidade aparente (CDA) da proteína e da energia. Foram utilizados 360 juvenis de tilápia do Nilo, com peso médio de 276,34 ± 53,50g. Doze dietas práticas contendo relações de PD/BAO foram formuladas a fim de atingir os níveis desejados de nutrientes e ácidos orgânicos, seguindo um delineamento inteiramente casualizado com 12 tratamentos em esquema fatorial 4×3 correspondente aos quatro níveis de BAO (0, 1%, 2% e 3%) e três teores de proteína digestível (24,30%, 26,81% e 29,32%), com três repetições por tratamento. A inclusão de 1% do BAO influenciou significativamente tanto na digestibilidade da fração proteica como na de energia quando foi utilizado o mais alto teor de proteína na dieta.

Palavras-chave: Ácidos orgânicos, nutrição de peixes, tilápia

Apparent protein and energy digestibility of extruded diets cotaining different levels of inclusion of organic acids and digestible protein for juveniles of Nile tilapia

ABSTRACT - The objective of the present study was to evaluate the effects of the interaction between four levels of inclusion of a commercial blend of organic acids (BOA) (Selacid® Green Growth) and three levels of digestible protein (DP) of extruded diets for Nile tilapia, on the apparent digestibility coefficients (ADC) of protein and energy. Were used 360 juveniles of Nile tilapia with a mean weight of 276,34 ± 53,50g. Twelve practical diets containing DP/BOA ratios were formulated in order to achieve the desired levels of nutrients and organic acids, following a completely randomized design with 12 treatments in a 4x3 factorial scheme corresponding to the four levels of BOA (0, 1%, 2% and 3%) and three levels of digestible protein (24,30%, 26,81% and 29,32%), with three replicates per treatment. The inclusion of 1% of the blend of organic acids significantly influenced both the protein and energy fraction digestibility when was used the highest protein content in the diet.
Keywords: Fish nutrition, organic acids, tilapia


Introdução

Dados do relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) apontam, que, em dez anos, a produção de pescados em cativeiro no Brasil mais do que dobrará, e a tilápia será a principal espécie a contribuir para que tal expectativa concretize-se, uma vez que é a principal espécie produzida no país, respondendo por 38% da produção (IBGE, 2016). Devido ao grande potencial de produção desta espécie, inúmeros estudos têm sido realizados sobre seus hábitos alimentares e a forma que utilizam os nutrientes da dieta, a fim de compreender melhor sua nutrição e alimentação (DEGANI & REVACH, 1991). Com isto, é crescente o número de trabalhos avaliando os efeitos dos aditivos alimentares com intuito de promover melhorias na digestão de nutrientes, na saúde e no desempenho zootécnico dos animais (ENCARNAÇÃO, 2010). Com a proibição dos antibióticos para uso profilático e como promotores de crescimento, há um aumento nas buscas por substâncias alternativas que atuem na inibição de patógenos, prevenindo enfermidades, bem como promotores de crescimento (LIM et al., 2010), melhoradores de desempenho e metabolismo proteico. Dentre essas substâncias destacam‐se os ácidos orgânicos. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da utilização de quatro níveis de um blend comercial de ácidos orgânicos sobre os coeficientes de digestibilidade aparente da proteína e da energia em dietas práticas extrusadas contendo três níveis de proteína digestível para juvenis de tilápia do Nilo.

Revisão Bibliográfica

Os efeitos benéficos do uso de ácidos orgânicos na nutrição de monogástricos têm chamado a atenção da comunidade científica, o que levou a investigação dos efeitos destes aditivos melhoradores de desempenho em dietas para peixes. Os acidificantes, que consistem em ácidos orgânicos e seus sais, apresentam uma alternativa promissora como um potencial substituto aos antibióticos promotores de crescimento, por melhorar aspectos de utilização de nutrientes, desempenho e saúde animal. Em peixes, os ácidos orgânicos atuam aumentando a palatabilidade do alimento, aumentando assim o consumo e, consequentemente, o ganho de peso (XIE, et al., 2003). Os ácidos orgânicos possuem mecanismo de ação semelhante aos antibióticos, porém, não deixam resíduos na carcaça e não promovem o aparecimento de bactérias resistentes (MILLER, 1987). A acidificação dos alimentos tem potencial para controlar bactérias, podendo melhorar o crescimento e a eficiência alimentar, eliminando microrganismos que competem por nutrientes. Eles também podem ser utilizados para modificar o pH das dietas e levá‐las a valores de pHs desejados para um melhor aproveitamento dos nutrientes. Em estudos realizados com suínos utilizando ácidos orgânicos na dieta foram comprovados efeitos positivos na hidrólise da fração proteica da dieta (MROZ, et al., 2000; OVERLAND, et al., 2000). Com tilápias do Nilo, estudos observaram que a inclusão de 1% de lactato de cálcio, um sal de ácido lático, também melhorou significativamente o CDA da proteína e energia brutas das dietas (HASSAAN, et al., 2014). Estudos com o pargo vermelho (Pagrus major) mostraram que o uso de ácido cítrico nas concentrações de 1% a 3% favorece a melhora no crescimento dos peixes, na taxa de conversão alimentar e na absorção e retenção de N (SARKER et al., 2005). Contudo, a suplementação de 1,2 % de diformiato de potássio não alterou a digestibilidade da dieta para o salmão do Atlântico (Salmo salar) (MORKEN et al., 2012). Na aquicultura, a determinação da digestibilidade tem sido o principal aspecto na avaliação dos ingredientes e da eficiência das dietas (BOSCOLO et al., 2002). Tais dados são de considerável importância na formulação de uma ração eficiente, que atenda as exigências nutricionais da espécie, levando em consideração aspectos de sustentabilidade, evitando o desperdício e liberação de nutrientes excedentes para o meio.

Materiais e Métodos

A adaptação e a coleta de fezes ocorreram nos meses de janeiro e fevereiro de 2017, no Laboratório de Alimentação e Nutrição de Organismos Aquáticos, localizado no Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP), em Jaboticabal. Para a realização do ensaio de digestibilidade foram utilizados 360 juvenis de tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), com peso médio de 276,34 ± 53,50 g. Os peixes foram distribuídos em 36 tanques experimentais com capacidade de 450 litros, em uma densidade de 10 peixes por tanque. O delineamento experimental deste ensaio de digestibilidade foi inteiramente casualizado com doze tratamentos e três repetições, em esquema fatorial 4x3, correspondente a quatro níveis de inclusão de um blend comercial de ácidos orgânicos (0,0%, 1,0%, 2,0% e 3,0%) e três teores de proteína digestível: 24,30%; 26,81% e 29,32% (Tabela 1). Este blend de ácidos orgânicos é composto por ácido sórbico, ácido fórmico, ácido ácetico, ácido láctico, ácido propiônico, formiato de amônio, ácido cítrico e ácido graxo destilado de coco, e foi incluído à massa das rações antes do processo de extrusão. As dietas foram produzidas e extrusadas no Laboratório de Processamento de Dietas do CAUNESP. Após a extrusão, foram moídas e homogeneizadas para incorporação total do marcador óxido de crômio III e granuladas em moedor comercial de carnes. Posteriormente, foram secas em estufa de ventilação forçada a 55 °C, por um período de 24 horas, ou até secagem completa. Os peixes foram alimentados até a saciedade, quatro vezes ao dia, durante dez dias. Após o período de alimentação, iniciou-se a coleta de fezes. Os peixes foram transferidos para coletores de fibra de vidro, com capacidade de, aproximadamente, 80 litros, dotados de circulação contínua de água, confeccionados de acordo com o sistema de Guelph modificado. As fezes foram coletadas a cada duas horas, para evitar perdas de nutrientes por lixiviação. Tal procedimento foi realizado das 18 às 6 horas durante quinze dias. Posteriormente, as fezes foram secas em liofilizador e moídas em micromoinho. As concentrações de oxido crômio-III das fezes e das rações foram determinadas por digestão nitro-perclórica (Furukawa e Tsukahara, 1966). As análises bromatológicas foram realizadas no Laboratório de Nutrição Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal. Para a determinação dos coeficientes de digestibilidade aparente (CDA) da proteína bruta e energia bruta, foi utilizada a metodologia descrita por Nose (1960). As análises de variância dos resultados foram testadas pela normalidade dos erros e homocedasticidade das variâncias (testes de Cramer Von-Mises e Brown-Forsythe, respectivamente). Quando houve significância estatística, as médias dos coeficientes de digestibilidade aparente foram comparadas pelo teste Tukey ao nível de 5% de probabilidade. As análises estatísticas foram realizadas usando o programa Statistical Analysis System SAS® v.9.0 (SAS Institute Inc., Cary, North Carolina, USA).

Resultados e Discussão

A média dos coeficientes de digestibilidade aparente da proteína e energia das dietas avaliadas são apresentados na Tabela 2. Houve interação significativa entre os níveis de BAO e de proteína, tanto para os resultados de coeficientes de digestibilidade aparente da proteína (CDAP) (P<0,05) quanto para os de coeficientes de digestibilidade aparente da energia (CDAE) (P<0,05). Para a dieta isenta de ácidos orgânicos, contendo o maior teor de proteína (29,32%) a média do CDAP apresentou, como esperado, redução significativa. O mesmo foi observado com o resultado médio do CDAE, para o aumento do teor proteico das dietas; o CDAE também piorou. O uso, tanto de 1% quanto de 3% de inclusão do BAO, uniformizou e proporcionou altas médias de CDAP em todos os níveis proteicos estudados nas dietas.  Para dietas contendo 29,32% de proteína, pode ser observado que a inclusão de apenas 1% do BAO elevou os CDAE (de 63,24% para 81,96%). Quando a inclusão de BAO foi de 2% ou 3%, não houve efeito do aumento gradual dos teores proteicos das dietas para o CDAE.  Hassaan et al. (2014) também observaram que a inclusão de 1% de lactato de cálcio, um sal de ácido lático, melhorou significativamente o CDA da proteína e energia brutas das dietas estudadas, para tilápia do Nilo. No entanto, Gao et al. (2011) não observaram alterações na digestibilidade de macronutrientes e aminoácidos de trutas arco-íris alimentadas com dieta suplementada com uma mistura de 1% de formiato e butirato de sódio. NG et al. (2009), em um estudo com tilápias híbridas, também não observaram diferença significativa no CDA da proteína, incluindo nas dietas concentrações de 0,1 e 0,3% de uma mistura de ácidos orgânicos (não especificada), o que poderia ser explicado devido a porcentagem de inclusão insuficiente desses ácidos. Com a inclusão de 2% do BAO nas dietas, os resultados médios do CDAP foram maiores para as dietas com os dois maiores teores proteicos, 26,81% e 29,32%.  A inclusão de 2% de BAO nas dietas também elevou significativamente o CDAE das dietas contendo 26,8% e 29,32% de proteína (que não diferiram entre si). Para o nível de 24,30% de proteína digestível na dieta, só houve efeito significativo para o uso de 2% no nível de inclusão do BAO, tanto para os resultados de CDAP quanto para as médias de CDAE. A dieta contendo 24,30% de proteína digestível e a inclusão de 2% do BAO mostrou piora destes resultados. Com 26,81% de proteína digestível na dieta, a inclusão de qualquer porcentagem de BAO não apresentou efeito significativo nas médias de CDAP e CDAE. A inclusão de 1% do BAO foi a mais eficiente para aumentar significativamente a média de CDAP da dieta com alto teor proteico (29,32%), de 75,31% para 88,66%. O mesmo foi observado para o CDAE, o qual passou de 63,24% para 81,96% com a inclusão de 1% de BAO.

Conclusões

A inclusão de 1% do blend de ácidos orgânicos influenciou significativamente tanto na digestibilidade da fração proteica como na de energia quando foi utilizado o mais alto teor de proteína na dieta, demonstrando assim, os efeitos positivos desde aditivo na hidrólise da fração proteica em dietas para juvenis de tilápia.

Gráficos e Tabelas




Referências

BOSCOLO, W.R., HAYASHI, C., MEURER, F. Digestibilidade Aparente da Energia e Nutrientes de Alimentos Convencionais e Alternativos para a Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus, L.). Revista Brasileira de Zootecnia, v.31, n.2, p.539-545, 2002 DEGANI, G.; REVACH, A. Digestive capabilities of three commensal fish species: carp, Cyprinus carpio L., tilapia, Oreochromis aureus X O. niloticus, and African catfish, Clarias gariepinus (Burchel 1822). Aquatic Fisheries Management, v.22, p.397-403, 1991. ENCARNAÇÃO, P. Varied Feed Additives Improve Gut, Animal Health. Global Aquaculture Advocate, 3 (5/6): 41‐41, 2010. FAO. The State of World Fisheries and Aquaculture 2016. Contributing to food security and nutrition for all. Rome. 200 pp, 2016. FUKURAWA, A.; TSUKAHARA, H. On the acid digestion for the deterniation of chromic oxide as na index substance in the study of fish feed. Bulletin of the Japanese Society of Scientific Fisheries, v. 32, n. 6, p. 502-506, 1966. GAO, Y.; STOREBAKKEN, T.; SHEARER, K. D.; PENN, M.; ØVERLAND, M. Supplementation of fishmeal and plant protein-based diets for rainbow trout with a mixture of sodium formate and butyrate. Aquaculture, v. 311, n. 1, p. 233-240, 2011. HASSAAN, M. S.; WAFA, M. A.; SOLTAN, M. A.; GODA, A. S.; MOGHETH, N. M. A. Effect of dietary organic salts on growth, nutrient digestibility, mineral absorption and some biochemical indices of Nile tilapia; Oreochromis niloticus L. fingerlings. World Applied Sciences Journal, v. 29, n. 1, p. 47-55, 2014. IBGE/SIDRA – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PPM – Produção da Pecuária Municipal, 2016. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/ppm/2015/default_xls_grandes_regioes.shtm. Arquivo consultado em 08 de abril de 2016. LIM, C.; LÜCKSTÄDTS, C.; KLESIUS, P H. Review: Use of organic acids, salts in fish diets. Global Aquaculture Advocate, 5 (9/10): 45‐46, 2010. MILLER, D.F. Acidfied poultry diets and their implications for the poultry industry. In: Biotechnology. In: Biotechnology The Feed Industry-Allech Technical, Anais, p.199-207, 1987. MORKEN, T.; KRAUGERUD, O. F.; SØRENSEN, M.; STOREBAKKEN, T.; HILLESTAD, M.; CHRISTIANSEN, R.; ØVERLAND, M. Effects of feed processing conditions and acid salts on nutriente digestibility and physical quality of soy‐based diets for Atlantic salmon (Salmo salar). Aquaculture Nutrition, 18: 21‐34, 2012. MROZ, Z.;  KRASUCKI, W.; GRELA, E.; MATRAS, J.; EIDELSBURGER, U. The effects of propionic and formic acids as a blend (Lupro-Cid (R)) in graded dosages on the health, performance and nutrient digestibility (ileal/overall) in sows. In: Proceedings of the Society of Nutrition Physiology (Germany). 2000. NG, W. K.; KOH, C. B.; SUDESH, K.; SITI‐ZAHRAH, A. Effects of dietary organic acids on growth, nutrient digestibility and gut microflora of red hybrid tilapia, Oreochromis sp., and subsequent survival during a challenge test with Streptococcus agalactiae. Aquaculture Research, v. 40, n. 13, p. 1490-1500, 2009. NOSE, T. On the digestion of food protein by gold-fish (Carassius auratus L.) and rainbow trout (Salmo irideus G.). Bulletin of Freshwater Fish Research Laboratory, v. 10, p. 11-22, 1960. OVERLAND, M.; GRANLI, T.; KJOS, N. P.; FJETLAND, O.; STEIEN, S. H.; STOKSTAD, M. Effect of dietary formates on growth performance, carcass traits, sensory quality, intestinal microflora, and stomach alterations in growing-finishing pigs. Journal of Animal Science, v. 78, n. 7, p. 1875-1884, 2000. SARKER, M.S.A.; SATOH, S.; KIRON, V. Supplementation of citric acid and amino acid‐chelated trace element to develop environment‐friendly feed for red sea bream, Pagrus major. Aquaculture, 248: 3‐11, 2005. XIE, S.; ZHANG, L.; WANG, D. Effects of several organic acids on the feeding behavior of Tilapia nilotica. Journal of Applied Ichthyology, v. 19, n. 4, p. 255-257, 2003.