Efeito do exercício sobre o perfil bioquímico sanguíneo e nível de T3 sanguíneo de caprinos submetidos a diferentes planos nutricionais

Rafaela Nunes Coelho1, Marcella Cândia D'Oliveira2, Marcelo Vedovatto3, Ibrahim Miranda Cortada Neto4, João Alberto Negrão5, Camila da Silva Pereira6, Jaqueline Rodrigues Ferreira7, Gumercindo Loriano Franco8
1 - UFMS
2 - UFMS
3 - UFMS
4 - UFMS
5 - FZEA/USP
6 - UFMS
7 - UFMS
8 - UFMS

RESUMO -

Avaliou-se o efeito da caminhada de 7,5 km sobre o perfil bioquímico e nível de T3 sanguíneo de caprinos submetidos ou não a restrição alimentar durante 50 dias e as suas implicações no período de recuperação do exercício e da restrição alimentar. Na 1ª fase os tratamentos foram: com exercício e restrição de 10% (EX+REST); sem exercício e restrição de 10% (S/EX+REST); com exercício e alimentados para ganho de massa corporal (EX+AD); sem exercício e alimentados para ganho de massa corporal (S/EX+AD). Na 2ª fase, os animais receberam alimentação para atender a exigência de ganho de massa corporal de 150 g/dia, por 35 dias, sem exercício físico. Na 1ª fase, nos grupos com restrição foi observada redução na concentração de T3 e ureia porém não houve alteração no HDL, LDL, triglicerídeos, alanina transaminase (ALT), aspartato transaminase (AST), proteína total, albumina e creatinina quinase (CK). Já na 2ª fase, o T3 e ureia retornaram a valores semelhantes ao observados nos EX+AD e S/EX+AD. O exercício não influenciou o perfil bioquímico sanguíneo dos animais, porém, a restrição alimentar reduziu os níveis de T3 e ureia, sendo normalizados após a realimentação.

Palavras-chave: ganho compensatório, parâmetros bioquímicos, pequenos ruminantes, metabólitos, restrição alimentar

Effect of exercise on blood biochemical profile and T3 levels of goats under different nutritional plans

ABSTRACT - The objective was to evaluate the effect of a 7.5 km walk exercise on blood biochemical profile and T3 levels of goats under restriction or not during 50 days and its implications during the recovery period and the feed restriction period. On the first phase, the treatments were: exercise and restrict in 10% (EX+REST); no exercise and restrict in 10% (S/EX+REST); exercise and fed for body mass gain (EX+AD); no exercise and fed for body mass gain (S/EX+AD). At the second phase, animals were fed to meet their requirement for body mass gain of 150g/d during 35 days, without exercise. In the first phase in the restricted group was observed decrease in T3 and urea, however there was not a change on HDL, LDL, triglycerides, alanine transaminase (ALT), aspartate transaminase (AST), total protein, albumin and creatinin kinase (CK). In the second phase T3 and urea return to values similar to those observed in EX+AD and S/EX+AD groups. Exercise did not influence the blood biochemical profile of the animals, however the feed restriction decrease T3 and urea levels, being normalized after the refeeding.
Keywords: biochemical parameters, compensatory gain, feed restriction, metabolites, small ruminants


Introdução

Em países de clima tropical nos quais há sazonalidade na produção forrageira, o crescimento compensatório tem sido utilizado como uma possiblidade para contornar as perdas de peso observadas durante este período de restrição alimentar, buscando maximizar os ganhos durante a fase de crescimento acelerado, quando os animais são realimentados (Abouheif et al., 2013). No transcorrer da restrição alimentar o metabolismo basal é reduzido, além de desencadear, como resposta, a redução das concentrações de triiodotironina (T3), tiroxina (T4), insulina, glicose e fator de crescimento semelhante a insulina-I (IGF-I), enquanto o hormônio do crescimento (GH) e a concentração de ácidos graxos não esterificados (AGNES) aumentam (Yambayamba et al., 1996a). Em estudo com ovinos submetidos à caminhada de 14 km/dia houve redução nos níveis plasmáticos dos hormônios da tireoide e aumento nos níveis de cortisol (Sejian et al., 2012). Em bovinos transportados a pé, submetidos à caminhada de 700 km em 60 dias, não ocorreu aumento nos níveis de cortisol, porém houve aumento nos níveis de T4 (D’Oliveira et al., 2014). As informações disponíveis sobre os efeitos da restrição alimentar associada ao exercício físico de caminhada em ruminantes ainda são muito limitadas. O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do exercício sobre perfil bioquímico e  T3 sanguíneo  de caprinos submetidos a diferentes planos nutricionais durante 50 dias, bem como suas inter-relações, e se há a ocorrência de ganho compensatório após 35 dias de realimentação.

Revisão Bibliográfica

A perda de peso em períodos de restrição alimentar devido sazonalidade na produção forrageira, pode ser contornada por meio do crescimento compensatório, buscando maximizar o ganho de peso na ocasião em que há fartura de alimento para os animais (Abouheif et al., 2013).

Quando as taxas de crescimento são reduzidas, como consequência de uma limitação nutricional, são observadas diminuição no ganho de peso e na eficiência alimentar (Abouheif et al., 2013), assim como mudanças na prioridade de crescimento, pois alguns tecidos passam a crescer menos, como por exemplo, as vísceras e o tecido adiposo (Abouheif et al., 2013).

No transcorrer da restrição alimentar o metabolismo basal é reduzido, principalmente por uma diminuição no volume e atividade das vísceras (Yambayamba et al., 1996b), além de desencadear, como resposta, a redução das concentrações de T3, T4, insulina, glicose e IGF-I, enquanto o GHe a AGNES aumentam (Yambayamba et al., 1996a).

Se a restrição alimentar resulta em redução do peso e/ou proporção dos órgãos e/ou tecidos metabolicamente mais ativos, a realimentação está associada com a rápida recuperação dos mesmos (Yambayamba et al, 1996b). Durante a restrição alimentar o crescimento é limitado com redução nas exigências de mantença até próximo da taxa metabólica basal e, durante a realimentação, estes animais apresentam maior eficiência alimentar (Kamalzadeh et al., 1997).

Outro fator importante que interfere no desempenho dos animais é o sistema de criação, pois o custo energético de manutenção de animais em pastejo pode ser de 8,0 a 30,0% maior que o de animais em confinamento, e essa variação depende, fundamentalmente, das características da pastagem e topografia (Di Marco & Aello, 2001), que pode aumentar a exigência energética necessária para execução das atividades relacionadas com o pastejo. Em estudo com ovinos submetidos à caminhada de 14 km/dia houve redução nos níveis plasmáticos dos hormônios da tireoide e aumento nos níveis de cortisol (Sejian et al., 2012). Já, em bovinos transportados a pé, submetidos à caminhada de 700 km em 60 dias, não ocorreu aumento nos níveis de cortisol, porém houve aumento nos níveis de T4 (D’Oliveira et al., 2014).



Materiais e Métodos

Foram utilizados 36 caprinos machos inteiros, com peso corporal (PC) inicial de 21±0,3 kg. O experimento consistiu em duas fases. Na primeira, os animais foram distribuídos nos tratamentos: com exercício e restrição de 10% da exigência de mantença de acordo com o NRC (2007) (EX+REST); sem exercício e restrição de 10% (S/EX+REST); com exercício e alimentados para ganho de 150 g/dia (EX+AD); e sem exercício e alimentados para ganho de 150 g/dia (S/EX+AD). Os grupos com exercício percorreram um trajeto diário de 7,5 ± 0,4 km utilizando máscaras faciais, para evitar o consumo de forragem pelos animais durante o trajeto. Após estes 50 dias iniciou-se a fase de recuperação, de 35 dias, na qual os animais receberam alimentação para ganho de 150 g/d e não foram submetidos ao exercício. Os animais receberam feno de Massai (Panicum maximum cv. Massai), e suplemento proteico-energético. O consumo foi ajustado quinzenalmente ao peso corporal dos animais para manter a proporção de volumoso: concentrado de 1,0% e 2,3% do PC em base de matéria seca (MS) de feno e 3,0% a 0,7% do PC de suplemento, respectivamente para os tratamentos sem restrição alimentar e com restrição alimentar. Ao início (0d), final da primeira fase (50d) e final da fase de recuperação (85d) foram realizadas colheitas de sangue antes da alimentação e do exercício dos animais, para a determinação das variáveis hormonais e bioquímicas. Foi mensurado T3 plasmático através de kits imunoenzimáticos. As concentrações séricas de ALT, AST, albumina, ureia, proteínas totais (PT), CK, triglicérides, lipoproteína da baixa densidade (LDL) e lipoproteína de alta densidade (HDL) foram determinadas por analisador automático, utilizando-se kits comerciais. O delineamento experimental foi o inteiramente casualisado, em esquema fatorial com nove repetições. Utilizou-se o procedimento PROC MIXED do SAS para medidas repetidas no tempo. As médias de quadrados mínimos foram comparadas por teste tipo Tukey, em nível de 5% de probabilidade.

Resultados e Discussão

Não houve efeito do exercício físico dos animais sobre as variáveis avaliadas, indicando que o gasto energético com esta atividade não foi elevado o suficiente para que afetasse de forma significativa o desempenho dos animais. Possivelmente, os animais foram capazes de adaptar sua demanda energética para suprir este gasto extra de energia em decorrência da caminhada. Os tratamentos com restrição alimentar (EX+REST e S/EX+REST) apresentaram as menores concentrações plasmáticas de T3 e ureia quando comparadas aos EX+AD e S/EX+AD (Figura 1 A e B), sendo seus níveis regularizados no período de recuperação. Segundo Yambayamba et al. (1996a) a redução na concentração de T3 pode ser responsável pela diminuição dos gastos energéticos por meio da diminuição da produção de calor, e consequentemente, da exigência de mantença. Já os menores níveis de ureia no final da fase de caminhada, indica o catabolismo/anabolismo da proteína e consumo de proteína da dieta. Quando há restrição alimentar, verifica-se redução nas concentrações de ureia plasmática (Keogh et al., 2015), e esta resposta tem sido apontada como consequência do menor aporte de nitrogênio da dieta (Lérias et al., 2015). A literatura relata que os níveis plasmáticos dos hormônios tireoidianos e ureia retornam aos níveis similares àqueles observados nos animais que não foram submetidos à restrição alimentar ainda nas primeiras semanas do período de realimentação (Yambayamba et al., 1996a; Keogh et al., 2015). As concentrações séricas de HDL, LDL, triglicerídeos, ALT, AST, proteína total (PT), albumina e CK não foram afetadas pelos tratamentos (Tabela 1). Para Gundasheva (2016), o exercício ocasiona o aumento na concentração plasmática de AST e ALT e sérica de CK em equinos, sendo estas alterações associadas com injúrias à célula muscular. Da mesma forma, Sejian et al. (2012) observaram que, em ovinos submetidos ao estresse de caminhada, também ocorreu elevação na concentração plasmática de AST e ALT. No entanto, no presente experimento não foi observada elevação na concentração sérica de AST e ALT, indicando que o exercício físico de caminhada não foi o suficiente para causar injúrias musculares.

Conclusões

O exercício não influenciou o perfil bioquímico sanguíneo dos animais, porém, a restrição alimentar reduziu os níveis de T3 e ureia, sendo os mesmos normalizados após a realimentação.

Gráficos e Tabelas




Referências

ABOUHEIF, M., AL-OWAIMER, A., KRAIDEES, M., METWALLY, H., SHAFEY, T., 2013. Effect of restricted feeding and realimentation on feed performance and carcass characteristics of growing lambs. Rev. Bras. Zootec. 42, 95–101. DI MARCO, O.N, AELLO, M.S., 2001 Energy expenditure due to forage intake and walking of grazing cattle. Arq. Bras. Med. Vet Zootec. 53, 100-105. D’OLIVEIRA, M.C., SOUZA, M.I.L., CORRÊA FILHO, R.A.C., MORAIS, M. DA G., ÍTAVO, C.C.B.F., FRANCO, G.L., 2014. Effects of road transportation or droving on the weight and metabolism of young bulls. Trop. Anim. Health Prod. 46, 1447–1453. GUNDASHEVA, D., 2016. Biochemical response to physical exercise in show-jumping horses. Comp. Exerc. Physiol. 12, 11-16. KAMALZADEH, A., VAN BRUCHEM, J., KOOPS, W., TAMMINGA, S., ZWART, D., 1997. Feed quality restriction and compensatory growth in growing sheep: feed intake, digestion, nitrogen balance and modeling changes in feed efficiency. Livest. Prod. Sci. 52, 209–217. KEOGH K, WATERS SM, KELLY AK, WYLIE AR, SAUERWEIN H, SWEENEY T, K. DA, 2015. Feed restriction and realimentation in Holstein – Friesian bulls : II . Effect on blood pressure and systemic concentrations of metabolites and metabolic hormones 1. J Anim Sci 93, 3590–3601. LÉRIAS, J.R., PEÑA, R., HERNÁNDEZ-CASTELLANO, L.E., CAPOTE, J., CASTRO, N., ARGÜELLO, A., ARAÚJO, S.S., SACO, Y., BASSOLS, A., ALMEIDA, A.M., 2015. Establishment of the biochemical and endocrine blood profiles in the Majorera and Palmera dairy goat breeds: the effect of feed restriction. J. Dairy Res. 1–10. NRC. Nutrient Requirements of Small Ruminants: Sheep, Goats, Cervids, and New World Camelids. National Academy of Science, Washintgton, D.C. 2007. 347p. SEJIAN, V., MAURYA, V.P., NAQVI, S.M.K., 2012. Effect of walking stress on growth, physiological adaptability and endocrine responses in Malpura ewes in a semi-arid tropical environment. Int. J. Biometeorol. 56, 243–252. YAMBAYAMBA, E.S., PRICE, M. A, FOXCROFT, G.R., 1996a. Hormonal status, metabolic changes, and resting metabolic rate in beef heifers undergoing compensatory growth. J. Anim. Sci. 74, 57-69. YAMBAYAMBA, E.S.K., PRICE, M.A., JONES, S.D.M., 1996b. Compensatory growth of carcass tissues and visceral organs in beef heifers. Livest. Prod. Sci. 46, 19–32.