Elaboração de programa de capacitação rural para criadores de ovinos na região de Uberlândia, Minas Gerais
Camila Raineri1, Priscilla Dias da Silva Costa2, Augusto Hauber Gameiro3
1 - Universidade Federal de Uberlândia
2 - Universidade Federal de Uberlândia
3 - Universidade de São Paulo
RESUMO -
A ovinocultura brasileira enfrenta diversos desafios, em sua maioria técnicos, que necessitam ser trabalhados para aumentar sua viabilidade. O desconhecimento dos produtores a respeito de técnicas e procedimentos básicos de manejo, bem como sua falta de controle sobre diversos aspectos da criação levam a reduzida eficiência técnica e baixo emprego de tecnologias. Nisto reside a importância de se fornecer aos criadores ferramentas e orientações básicas. O objetivo deste trabalho foi elaborar e propor um programa de extensão rural para criadores de ovinos, a partir dos preceitos da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural e dos gargalos observados em criações. Foram selecionados ovinocultores no estado de Minas Gerais para a participação na pesquisa. Em seguida, foram levantados e analisados aspectos técnicos e econômicos de cada propriedade participante e então identificados, junto aos produtores, os maiores obstáculos técnicos em suas criações. O quarto passo consistiu na elaboração de um programa de extensão rural para auxiliar na superação dos respectivos desafios. Verificou-se entre os participantes dificuldades decorrentes de desconhecimentos técnicos básicos, no que diz respeito principalmente aos manejos nutricionais e sanitários dos rebanhos, práticas criatórias, escrituração zootécnica e controle de custos. Também ocorrem problemas relacionados à capacitação da mão de obra. Ficou claro que nem sempre os criadores são capazes de identificar os gargalos em seus sistemas produtivos, portanto é importante que se realize uma avaliação técnica que auxilie a análise dos próprios produtores. Eles se mostraram receptivos à pesquisa e à possibilidade da realização de um projeto de extensão, o que favorece maiores interações com a Universidade. O programa de capacitação foi proposto visando a realização de atividades teóricas e práticas, com programação dividida em módulos para facilitar a participação dos proprietários e de seus funcionários.
Palavras-chave: Custo de produção, Eficiência, Ovinocultura
Preparation of a rural training program for sheep farmers in the region of Uberlândia, Minas Gerais
ABSTRACT - The Brazilian sheep industry faces several challenges, mostly in technical aspects, that need to be worked out to allow its viability. The lack of knowledge of producers about basic techniques and management procedures as well as their lack of control over various aspects of sheep production lead to reduced technical efficiency and low use of technologies. This demonstrates the importance of providing for producers management tools and basic technical guidelines. This research aimed at elaborating and proposing a program of rural extension for sheep farmers, based on the precepts of the Brazilian National Policy on Technical Assistance and Rural Extension and on the bottlenecks that hinder sheep production in Uberlândia region. First, we selected sheep farmers willing to participate of the research. Next, technical and economic aspects of each participating property were collected and analyzed, and then identified with the producers, the greatest technical obstacles in their creations. The fourth step consisted in the elaboration of a rural extension program to help overcome the respective challenges. Difficulties arising from basic technical lack of knowledge on the part of the producers were observed in the farms, mainly in relation to the nutritional and sanitary management of livestock, breeding practices, zootechnical records and cost control. There are also problems related to the training of the workforce. It has become clear that breeders are not always able to identify bottlenecks in their production systems, so it is important that a technical assessment is carried out beyond the producers' own analysis. They were receptive to the research and the possibility of carrying out an extension project, which favors greater interactions with the University. The training program was proposed aiming at theoretical and practical activities, with programming divided into modules to facilitate the participation of the owners and their employees.
Keywords: Production cost, efficiency, rural extension, sheep
Introdução
A ovinocultura brasileira vive, desde o ano 2000, um momento de expansão em quantidade e qualidade. Ao mesmo tempo, é muito comum encontrar ovinocultores que desistiram da atividade ou que obtêm resultados inferiores aos esperados quando decidiram investir na criação. Não faltam desafios, nem para os produtores nem para a agroindústria ovina. Ao mesmo tempo, o mercado se mostra favorável, com patamares elevados de preços pagos ao produtor.
Muitos argumentos buscam explicar tal antagonismo, como a baixa organização do setor, a dificuldade de acesso do ovinocultor ao mercado, a baixa qualidade dos animais produzidos, a escala insuficiente de produção e de abate, entre outros. No entanto, todos os problemas possuem uma origem em comum: a baixa eficiência técnica das criações, já comprovada por diversos estudos em diferentes regiões do país (LACKI, 1995; CAMPOS, 2003; FALCÃO et al., 2006; RAINERI, 2012) .
Na maioria dos casos, o ovinocultor possui desconhecimento sobre a biologia e as necessidades da espécie, encontrando dificuldades em atuar corretamente em todas as etapas da produção. Isto fica nítido quando se observam os indicadores zootécnicos das criações. Tal situação provoca um impacto negativo intenso sobre os custos de produção, podendo tornar a atividade desgastante para o produtor e/ou economicamente inviável (LACKI, 1995; RAINERI, 2012).
Assim, há uma necessidade premente de se fornecer ferramentas e orientações básicas para que o ovinocultor possa conduzir sua atividade de forma sustentável, nas esferas técnica, econômica, ambiental e social. A produção científica em ovinocultura tem se intensificado sensivelmente nos últimos anos, tanto no Brasil quanto no exterior. Resende et al. (2010) destacam que na última década foi observado um aumento de 41% nas publicações científicas mundiais envolvendo pequenos ruminantes, o que foi acompanhado por aumento ainda mais expressivo, 219%, em âmbito nacional. No entanto, Morand-Fehra e Boyazoglub (1999), citados pelos mesmos autores, afirmam que apesar de existirem vários artigos de boa qualidade científica, muitas vezes estes conhecimentos não chegam a grande parte do setor produtivo. Há, portanto a necessidade de se investir também em comunicação e extensão, já que a baixa produtividade da ovinocultura ainda é a realidade mais presente em diversas regiões brasileiras, embora algumas mudanças ao longo dos elos da cadeia tenham sido observadas. Ou seja, parte da demanda de conhecimentos por parte do produtor já possui base para ser suprida. A dificuldade recai então sobre a assistência técnica e serviços de extensão rural, que não encontram formas de chegar ao produtor.
Este trabalho teve como finalidades compreender a visão de ovinocultores sobre as principais dificuldades técnicas enfrentadas em suas criações e propor um programa de capacitação rural, seguindo os preceitos da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Assim se buscou reduzir o hiato muitas vezes verificado entre as reais necessidades dos ovinocultores e o alcance dos programas de pesquisa e de extensão.
Revisão Bibliográfica
Eficiência técnica da ovinocultura mineira
A ovinocultura brasileira, ao contrário do que vem ocorrendo na maior parte dos outros países, tem desde o início dos anos 2000 atraído investidores e se expandido em números e qualidade. O foco do desenvolvimento da atividade é a produção de carne de cordeiro, majoritariamente para atender mercados exigentes como o do estado de São Paulo.
O estado de Minas Gerais possuía em 2005, segundo o Censo Agropecuário Brasileiro, 7.653 estabelecimentos rurais com ovinos, o que permite aferir que o número médio de cabeças por propriedade era inferior a 39. O rebanho mineiro, refletindo o que ocorre com o nacional, encontra-se muito pulverizado e abrigado principalmente em pequenas propriedades, na maior parte das vezes associado a outras formas de exploração agropecuária. Mais da metade dos ovinos mineiros encontra-se em propriedades de até 100 hectares, que é o tamanho máximo de cerca de 50% dos estabelecimentos rurais com ovinos do estado (IBGE, 2006).
Esta estrutura traz algumas limitações significativas ao comércio da carne ovina, como a dificuldade de se alcançar regularidade e quantidades suficientes de cordeiros para abate, especialmente quando se necessita que estes animais apresentem alguma padronização de idade, peso e conformação de carcaças (SILVA et al., 2009). Também o acesso à extensão rural fica comprometido para esses pequenos produtores, que em sua maioria não conseguem superar as dificuldades técnicas e econômicas para expandir suas criações, e acabam por depender de abates informais.
Estudando o perfil técnico e econômico da ovinocultura em diferentes regiões paulistas, Raineri (2012) verificou que a produção de cordeiros enfrenta altos custos de produção, muitas vezes superiores aos preços praticados pelo mercado para a carne ovina. O estudo revelou que o fator decisivo para esta situação é a baixa eficiência técnica das criações, que apresentam comumente indicadores zootécnicos incompatíveis com a viabilidade econômica da atividade. A taxa de desfrute dos rebanhos levantada no estudo deixou a desejar em todas as situações verificadas, encontrando-se entre 28% e 77%. Segundo levantamento do Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (LANA, 2008), a taxa de desfrute média para o rebanho ovino nacional era de cerca de 30%. Já Souza (2010) aponta como taxas de desfrute para sistemas produtivos eficientes, porém com eficiências reprodutivas baixa, média e alta os valores de 76,4%, 137,4% e 166,2%, respectivamente.
Tais resultados são reiterados por Campos (2003), que afirma que os principais problemas enfrentados pela ovinocultura estão relacionados a questões tecnológicas, principalmente no tocante à definição de técnicas de manejo produtivo e reprodutivo adequadas, quanto à monta, parição, seleção, profilaxia, sanidade, alimentação e desenvolvimento ponderal, para proporcionar alta produtividade a baixos custos relativos.
Lacki (1995) afirma que os baixos rendimentos são muitas vezes reflexos de erros elementares que os agricultores e pecuaristas cometem no uso dos recursos e na aplicação de tecnologias. O baixo rendimento não necessariamente se limita à falta de insumos modernos, de tecnologias melhoradas, de animais de alto potencial genético, de maquinaria sofisticada, nem de crédito; porém, sim, depende fundamentalmente de que o produtor esteja bem capacitado para aplicar as tecnologias adequadas às adversidades físico-produtivas, em um ambiente de escassez de insumo e recursos de capital.
Já Falcão et al. (2006) destacam a ineficiência dos sistemas de produção, com o abate de animais em idades avançadas, sem padronização e com baixa qualidade de carcaça, como o principal motivo para a incapacidade do setor em produzir carne ovina para abastecer a demanda. Os mesmos autores afirmam que embora a ovinocultura venha aumentando sua participação no agronegócio brasileiro, e a tendência seja que esse quadro se mantenha em expansão, ainda existem desafios que devem ser superados ou aprimorados pela cadeia produtiva de ovinos, como acesso a diagnóstico, insumo e assistência técnica especializada, programas sanitários específicos, tecnologias adequadas (genética, manejo sanitário, entre outros), sazonalidade e qualidade dos produtos entre outros. É nítido que a atividade enfrenta diversos desafios, em sua maioria técnicos, que necessitam ser trabalhados e solucionados para permitir a viabilidade econômica da criação de cordeiros (RAINERI, 2012).
A política nacional de assistência técnica e extensão rural
A extensão rural no Brasil foi introduzida a partir de 1948. Como em outros países da América Latina, a ação extensionista foi proposta pelo governo em convênios com as agências americanas de extensão rural, com apoio econômico de organizações públicas e privadas dos Estados Unidos. O modelo clássico, no qual o propósito básico era o de transmitir conhecimentos ao povo rural e levar os problemas do povo às fontes de pesquisa era o utilizado (CAPORAL; RAMOS, 2006).
Ao longo do tempo houve fases distintas no extensionismo brasileiro, marcados pelo uso de métodos e focos distintos na atividade, como descrito em trabalhos como os de Oliveira (1999), Caporal e Costabeber (2001) e Caporal e Ramos (2006). Segundo eles, pode-se destacar que até 1960, o extensionismo caracterizou-se pelo assistencialismo familiar, com foco em melhorias nas condições gerais de saúde e bem estar de famílias e comunidades mais pobres.
A seguir ocorreu um período de difusionismo ou produtismo, cujo cerne passou a ser a introdução de pacotes tecnológicos e massiva adoção de insumos químicos para aumento da produtividade de itens voltados para exportação, com drástica redução na preocupação com a família rural.
Posteriormente foram incorporadas orientações gerais sobre o tema da participação dos agricultores no planejamento das ações municipais e de comunidades rurais. Ao mesmo tempo, se propunha uma ação mais cuidadosa com o meio ambiente, porém essas mudanças não tiveram maior impacto porque foram, mais uma vez, trabalhadas a partir da ideologia difusionista (CAPORAL; COSTABEBER, 2001).
Caporal e Costabeber (2001) relatam que a partir de 1985 ocorreu uma fase de reestruturação da extensão brasileira, no qual o governo extinguiu a EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural e realizou diversos cortes orçamentários, causando retrocesso na qualidade e quantidade dos serviços prestados.
Em 2004, foi lançada uma nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), voltada para a agricultura familiar, que propõe às entidades e agentes de extensão rural que participem de um processo capaz de promover e apoiar estratégias que levem à sustentabilidade socioeconômica e ambiental no meio rural (CAPORAL; RAMOS, 2006).
De acordo com a PNATER, a Extensão Rural deve contribuir para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, com ênfase em processos de desenvolvimento endógeno, adotando-se uma abordagem sistêmica e multidisciplinar, mediante a utilização de métodos participativos e de um paradigma tecnológico baseado nos princípios da Agroecologia. Estabelece ainda que a nova Ater é um processo educativo, permanente e continuado, que se deve alicerçar em uma prática dialógica e em uma pedagogia construtivista (BRASIL, 2007).
A nova PNATER busca a valorização do diálogo entre o extensionista e o produtor, como proposto por Chambers (1980) e Paulo Freire (1983), no sentido de construir conhecimentos apropriados a cada realidade. O processo de transferência de tecnologia agropecuária pode ser entendido como o conjunto de atividades educativas, de apoio e de comunicação que permitam a adoção de novas técnicas pelos seus usuários. A extensão rural deve ter como referência o desenvolvimento da agropecuária, através de processos educativos. Assim é recomendado que se evite a prática do paternalismo: não é função do extensionista resolver os problemas dos produtores rurais e sim ajudar a resolvê-los.
Materiais e Métodos
A realização do trabalho ocorreu em quatro etapas. Primeiramente foram selecionados ovinocultores para a participação na pesquisa. Em seguida, foram estudados os custos de produção de cada propriedade participante e então identificados, junto aos produtores, os gargalos técnicos em suas criações de ovinos. Com base nisso, o quarto passo foi a elaboração de um programa de capacitação para se superar tais desafios.
Seleção dos participantes
Os ovinocultores participantes do estudo foram selecionados entre aqueles interessados que apresentaram condições técnicas mínimas em suas criações para a condução do estudo, como identificação individual dos animais e escrituração zootécnica. Para localização e recrutamento dos produtores foram contatados órgãos públicos como o sindicato rural e a prefeitura de Uberlândia, a ARCO (Associação Brasileira de Criação de Ovinos), mídias sociais e contato telefônico com produtores relacionados de alguma forma com a Universidade Federal de Uberlândia. Desta forma, foram localizados cinco produtores da região que atendiam às características mínimas para elaboração do projeto.
O projeto foi apresentado aos interessados por contato telefônico ou digital, quando foram esclarecidos todos os detalhes do estudo. Os criadores foram então questionados quanto ao seu desejo de participar do trabalho. Três deles não concordaram em participar por motivos de desinteresse, disponibilidade de tempo, entre outros. Logo, dos cinco produtores, foram selecionados somente dois.
Foram marcadas visitas técnicas com os que concordaram, de forma a se conhecerem as características dos sistemas de produção, suas particularidades e desafios. Nas mesmas ocasiões foram realizadas entrevistas individuais com os participantes, para coleta de dados.
Análises econômicas e técnicas
Durante as entrevistas com cada produtor não foi utilizado o método de confrontar os entrevistados com uma lista de perguntas previamente formuladas. Foi utilizado como guia para a entrevista um questionário semi-estruturado, que abordou características das propriedades e sistemas produtivos, suas dificuldades, frustrações e sucessos, bem como suas expectativas em relação ao projeto do programa de capacitação. Nele, foram abordados a caracterização da produção, os objetivos da criação, as práticas criatórias utilizadas, as dificuldades encontradas e as razões que motivaram a participação no projeto.
Conforme recomendado por Verdejo (2006), o objetivo foi o de que os próprios participantes analisassem a sua situação e imaginassem diferentes opções para melhorá-la. A intervenção do entrevistador consistiu no direcionamento do diálogo e em colocar à disposição as ferramentas para a autoanálise dos participantes. Ainda seguindo a orientação do autor, não se pretendeu unicamente colher dados dos produtores, mas sim que estes iniciassem um processo de reflexão sobre os seus próprios problemas e as possibilidades para solucioná-los, preparando-os para o processo de capacitação.
Através do questionário, os produtores também indicaram os aspectos essenciais para a elaboração do programa de capacitação, ranqueando numa escala de 1 a 5 a importância dos itens apresentados, sendo 1 considerado um grau de importância muito fraco, e 5 um grau de importância muito forte.
Como sugerido por Raineri (2012), as análises econômicas propostas em cada propriedade consistiram em i) cálculo dos custos de produção dos cordeiros, ii) composição dos custos, iii) estudo das elasticidades-preço dos insumos e das elasticidades-coeficiente zootécnico no sistema e iv) rentabilidade da atividade.
As análises técnicas contemplaram o levantamento dos seguintes indicadores zootécnicos: i) número de matrizes, ii) proporção macho:fêmea, iii) taxa de nascimentos, iv) taxa de prolificidade, v) taxa de mortalidade pré-desmame, vi) taxa de mortalidade de adultos, vii) intervalo entre partos, viii) peso ao nascer, ix) peso ao desmame, x) peso ao abate, xi) rendimento de carcaça quente, xii) taxa de descartes e xiii) taxa de desfrute.
Tais análises foram propostas individualmente para cada propriedade, utilizando dados fornecidos pelos ovinocultores participantes em formulários previamente elaborados.
Identificação de gargalos para proposição do treinamento
As análises técnicas e econômicas foram realizadas em sequência ao recebimento dos dados solicitados aos criadores, e incluíram a interpretação das entrevistas, das observações verificadas durante as visitas técnicas e das planilhas de escrituração zootécnica fornecidas pelos produtores.
Assim, foram escolhidos para serem abordados durante a capacitação os aspectos a serem modificados através da implantação de novas tecnologias de manejo. Estes aspectos foram tanto elencados pelos próprios criadores quanto definidos pelos pesquisadores.
Proposição do programa de capacitação dos produtores
O programa de capacitação foi proposto levando em consideração as características individuais de cada propriedade, e foi baseado em dois aspectos: i) nas análises técnicas e econômicas realizadas pela pesquisadora e ii) na entrevista realizada com cada participante. É importante ressaltar que nenhum item foi imposto aos produtores: as sugestões foram fruto de diálogos, e os criadores estavam de acordo com cada tema proposto, reconhecendo que pode ser importante para a sua atividade, a fim de proporcionar melhor aproveitamento e interesse.
Além dos temas, a forma de abordar os conteúdos foi definida de acordo com a demanda dos produtores, em relação a módulos práticos e/ou teóricos, público participante (funcionários, proprietários, familiares), carga horária, entre outros. É importante ressaltar que o projeto foi planejado e apresentado como uma ferramenta para os produtores.
Foram utilizados métodos que garantam o aspecto participativo recomendado pela nova PNATER, através de ferramentas e técnicas que permitam a reflexão, a compreensão da realidade e a busca de soluções compatíveis à situação de cada colaborador (BRASIL, 2007).
Resultados e Discussão
Seleção dos participantes e caracterização das propriedades
A caracterização detalhada dos sistemas de produção das duas propriedades participantes foi descrita por Geraldo (2016). Ambas são sediadas em municípios próximos de Uberlândia, na região do Triângulo Mineiro.
Os produtores relataram não haver na região órgãos que ofereçam orientação técnica para a ovinocultura, pois quando estes serviços estão disponíveis atendem apenas demandas relacionadas à bovinocultura. Nenhum dos dois criadores conta com assistência técnica em sua propriedade.
Análises econômicas e técnicas
As análises econômicas e técnicas seguiriam o método de Raineri (2012), incluindo o cálculo e análise dos custos de produção das criações, e teriam como base os indicadores zootécnicos das propriedades fornecidos pelos participantes, as quantidades de cada insumo utilizado nos sistemas, e seus preços.
No entanto, a análise cuidadosa das planilhas de escrituração zootécnica cedidas pelos produtores revelou que apesar dos registros existirem, não eram confiáveis, tornando inviável sua utilização para basear qualquer conclusão. Assim, não foi possível calcular e analisar o custo de produção de nenhuma das duas criações.
Parte da dificuldade dos produtores em manter a escrituração adequada pode ser atribuída à modalidade de compra e venda de animais nas propriedades, pois a intensa negociação de animais, com grande fluxo de entradas e saídas, dificulta o controle zootécnico. Esta situação levanta questionamentos quanto à viabilidade econômica das duas criações, pois apesar dos proprietários acreditarem que suas atividades são lucrativas, foi verificado que eles na verdade não possuem conhecimento desses valores.
O uso de escrituração zootécnica com abordagens produtiva, reprodutiva, sanitária, alimentar e afins é essencial para a eficiência do sistema produtivo, orientando os descartes, alimentação, estratégias de manejo e reprodução e avaliações genéticas. Tais registros possibilitam ao produtor melhor gerência do seu sistema de produção, permitindo-lhe alcançar melhorias na produtividade do rebanho (QUIRINO, 2004; FRANÇA, 2006).
Nenhum dos dois criadores conta com assistência técnica em sua propriedade. Na tabela 01 constam os motivos apresentados para tal.
Em pesquisa realizada com assentados, Pinto et al. (2015) verificaram que a falta de assistência técnica influencia diretamente na produção. A falta de acompanhamento técnico, de modo geral reduz o potencial produtivo da propriedade, prejudicando a produtividade, a lucratividade e a competitividade da atividade pecuária. Este efeito também foi percebido por Raineri (2012), quando regiões que recebiam assistência técnica apresentaram resultados superiores na produção de ovinos de corte.
Dada a ausência de assistência, os produtores foram questionados quando aos meios utilizados para buscar informações sobre a produção de ovinos. Na Tabela 02 são apresentados os mecanismos buscados por eles, e o nível de importância atribuído a cada um.
Quando questionados sobre a facilidade de acesso a estas informações, os criadores relataram simplicidade para encontra-las. No entanto, é importante ressaltar que os meios de informações mais utilizados pelos criadores (outros criadores e mídia geral) costumam conter informações inexatas ou superficiais. Um exemplo é um grupo de contatos e conversas criado no aplicativo
Whatsapp, que conta com um grande número de participantes. Neste tipo de meio de comunicação é comum ocorrerem casos de “recomendações” informais entre produtores sem fundamento cientifico ou técnico, o que pode acarretar diversos riscos à produção.
A Tabela 03 contém dados relativos às principais dificuldades relatadas pelos criadores em seus sistemas produtivos, e a importância atribuída a elas.
Os resultados representam a realidade das propriedades, e as dificuldades que foram mais apontadas correspondem a aspectos concretas e facilmente visualizados na produção, e segundo os produtores de maior relevância no presente momento, como formulação de dietas, controle de custos, capacitação de mão de obra e entre outros. No entanto, as algumas das dificuldades relatadas decorrem de outros problemas, apontados pelos produtores como desafios pequenos, como a identificação de animais, o manejo sanitário, a manutenção de escrituração zootécnica entre outros.
Observou-se divergências entre as visões dos pesquisadores e dos produtores a respeito dos problemas das criações. Alguns exemplos são a aquisição de matrizes e reprodutores de alto valor genético e monetário enquanto não se realizam práticas criatórias básicas como a quarenta para introdução de novos animais no plantel, ou o desejo de se analisar custo de produção sem a manutenção de escrituração zootécnica básica.
Fica claro que os criadores possuem dificuldades para identificar as causas reais dos problemas percebidos por eles em seus sistemas de produção, e imperícia para elencar prioridades entre as falhas observadas.
A Tabela 04 mostra que os produtores visualizam no projeto uma possibilidade para aumentar o conhecimento técnico, e solucionar os problemas da criação. Isto demonstra que, apesar de não possuírem conhecimentos técnicos aprofundados sobre ovinocultura, os produtores acreditam que estes são importantes para superar os desafios da produção.
Em relação às expectativas do projeto, os produtores acreditam que as áreas de maior dificuldade como custo de produção, escrituração zootécnica, plano nutricional entre outros, terão efeitos positivos. Eles preferem que as informações sejam apresentadas em aulas mais práticas do que teóricas, das quais participariam, além deles mesmos, os funcionários das criações. Os criadores aceitaram oferecer suas propriedades para o desenvolvimento das atividades de capacitação.
Proposição do Programa de Extensão Rural
Com o ranqueamento das dificuldades encontradas pelos produtores em mãos, foram escolhidos os temas a serem abordados pelo programa de capacitação proposto. Foram considerados os gargalos indicados pelos produtores e os identificados pelos pesquisadores, já que nem sempre estes foram congruentes.
Foram respeitadas as preferências dos criadores em relação ao formato do programa, como o equilíbrio entre atividades práticas e teóricas e o tipo de público desejado. Os participantes apontaram o desejo de receber uma apostila do conteúdo, com as orientações e um cronograma de execução. É importante frisar que, apesar das orientações técnicas serem colocadas à disposição dos criadores, os responsáveis pela implementação das novas práticas devem ser os próprios criadores.
O Quadro 01 apresenta os principais gargalos apontados pelos produtores e detectados pela pesquisadora, escolhidos para compor a programação do programa de capacitação.
Os produtores assinalaram a falta de capacitação da mão de obra como a maior dificuldade de todas devido ao perfil dos trabalhadores, destacando aspectos como a falta de comprometimento, analfabetismo e alcoolismo, que desencadeiam grande rotatividade de funcionários, dificultando o aprendizado de tarefas e atividades.
Em relação ao manejo nutricional dos animais, os produtores argumentaram dificuldades nos conceitos mais básicos de nutrição, como escolhas de tipos e quantidades de volumosos e concentrados. Verificou-se que fornecem mais alimento que o necessário, por desconhecerem as exigências de cada categoria animal.
O controle de custos foi apontado pelos produtores como um tema de grande relevância, no qual apresentam muita dificuldade na execução.
No tocante à sanidade, há deficiências em diversos aspectos. Ocorre controle incorreto de verminoses, com aplicação de vermífugos mensalmente em todo o rebanho, que caracteriza uma prática fortemente desaconselhada por acarretar sérios problemas de resistência parasitária. Também há ausência de vacinações e de quarentenário. Práticas criatórias como castração, caudectomia e mochação não foram citadas como limitantes pelos produtores, porém são negligenciadas ou realizadas de modo incorreto, com indicações e procedimentos incorretos.
Conteúdo programático
O programa de capacitação, apresentado a seguir, será composto por apresentações teóricas curtas e práticas de campo mais longas. Propõe-se que os encontros sejam realizados em finais de semanas, em um total de quatro módulos, ficando a critério do produtor a escolha entre sábados e domingos seguidos, ou somente um dos dias, de forma a não prejudicar a rotina das criações.
Módulo I: Escrituração Zootécnica e Controle de Custo
Apresentação teórica
Como e por que realizar a identificação individual dos animais;
Índices zootécnicos: quais são, para que servem e como calcular;
Custo de produção: o que controlar na propriedade e como calcular.
Práticas de campo
Demonstração das técnicas de tatuagem e brincagem dos animais;
Utilização de planilhas básicas para controle de custos em Microsoft Excel®.
Módulo II: Práticas Criatórias
Apresentação teórica
O que são, para que servem e como realizar corretamente a caudectocmia, castração, mochação, casqueamento e cuidados neonatais.
Práticas de campo
Demonstração das técnicas citadas com os animais.
Módulo III: Manejo Sanitário
Apresentação teórica
Noções gerais sobre manejo sanitário e verminoses;
Quarentena: importância e como realizar;
Exame de OPG – Ovos por grama de fezes;
Método FAMACHA como ferramenta para controle da verminose.
Práticas de campo
Coleta de fezes e demonstração de OPG;
Capacitação dos envolvidos no método FAMACHA.
Módulo IV: Manejo nutricional
Apresentação teórica
Noções básicas sobre alimentos e alimentação;
Noções sobre exigências nutricionais das diferentes categorias.
Práticas de campo
Demonstração de formulação de ração;
Demonstração de batida da ração;
Cuidados no manejo alimentar.
Conclusões
As principais dificuldades relatadas pelos ovinocultores participantes da pesquisa foram relacionadas à capacitação da mão de obra, ao balanceamento de dietas e dificuldade para encontrar produtos para alimentação, o controle de custos da produção e o atendimento às exigências do mercado de carne.
Não foi possível realizar o diagnóstico econômico proposto, representado pela análise dos custos de produção nas propriedades por falta de informações confiáveis sobre os dados zootécnicos das criações. Pelo mesmo motivo, também não foi possível calcular e analisar os indicadores zootécnicos. O diagnóstico técnico foi restrito às visitas às propriedades e às entrevistas com os produtores.
Ficou claro que as maiores dificuldades dos produtores decorrem de desconhecimento de aspectos básicos, e que nem sempre os gargalos relatados por eles condizem com os problemas principais detectados pelos técnicos. Assim, reforça-se o preconizado pela nova PNATER, de que os diagnósticos das propriedades e os programas de extensão devem ser planejados conjuntamente por técnicos e criadores.
O programa proposto aborda quatro temas apontados como prioritários pelos criadores e/ou pelos pesquisadores. Eles foram divididos em módulos com apresentações teóricas e práticas de campo, de forma a respeitar o tempo ocupado por outras atividades dos produtores e de seus funcionários, que também devem participar da capacitação. Deve ser produzido material impresso de apoio com o conteúdo e principalmente cuidar para o processo não ocorrer na forma de imposição de um pacote tecnológico, mas como uma troca de experiências e saberes.
Gráficos e Tabelas
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