ESTRESSE TÉRMICO EM VACAS EM LACTAÇÃO
Deicylene da Silva Nunes1, Bárbara Cardoso da Mata e Silva2, Anna Christina de Almeida3, Ana Paula Ferri Melotto Moreira4, Maria de Fátima Ávila Pires5, Jordânia Gabriela de Souza Matias6, Fabrício da Silva Oliveira7, Luiz Antônio Rodrigues Alves Pereira Júnior8
1 - Universidade José do Rasário Vellano
2 - Universidade José do Rasário Vellano
3 - Universidade Federal de Minas Gerais
4 - Universidade José do Rasário Vellano
5 - Embrapa Gado de Leite
6 - Universidade José do Rasário Vellano
7 - Universidade José do Rasário Vellano
8 - Universidade José do Rasário Vellano
RESUMO -
A expressão do potencial de produção leiteira em bovinos é restringida pelo efeito de fatores ambientais, tais como: altas temperaturas e intensa radiação solar. O conhecimento dessa influência permite a escolha de meios para a obtenção de um balanço térmico nulo, como: a escolha de indivíduos especializados as condições climáticas. A observação das respostas fisiológicas ao estresse térmico dos animais é uma das formas de caracterizar o conforto térmico e o bem-estar. Além dos fatores ambientais que interferem no equilíbrio térmico dos animais, o pelame exerce uma importância fundamental para as trocas térmicas entre o organismo e o ambiente. As relações entre os fatores climáticos e a interação com vacas leiteiras são bastante conhecidas sob condições de ambiente controlado. Frequentemente, as mudanças nos padrões de comportamento são reflexos da tentativa do animal de se libertar ou escapar de agentes ou estímulos estressantes. Essas reações podem ser usadas para identificar e avaliar o estresse e, assim, buscar alternativas para proporcionar o bem-estar para esses indivíduos. Objetivou-se descrever aspectos relacionados ao estresse térmico,bem como seu efeito nos parâmetros fisiológicos, comportamentais e do pelame de vacas leiteiras.
Palavras-chave: ambiente, bovinocultura leiteira, comportamento, fisiologia, temperatura
HEAT STRESS IN LACTATION COWS
ABSTRACT - The expression of milk production potential in cattle is restricted by the effect of environmental factors, such as: high temperatures and intense solar radiation. The knowledge of this influence allows the choice of means to obtain a zero thermal balance, such as: the choice of specialized individuals the climatic conditions. The observation of the physiological responses to the thermal stress of the animals is one of the ways to characterize thermal comfort and well-being. Besides the environmental factors that interfere in the thermal equilibrium of the animals, the pelame is of fundamental importance for the thermal exchanges between the organism and the environment. The relationships between climatic factors and interaction with dairy cows are well known under controlled environment conditions. Frequently, changes in behavior patterns are reflections of the animal's attempt to free itself or escape from stressful agents or stimuli. These reactions can be used to identify and assess stress and thus seek alternatives to provide well-being for these individuals. The objective was to describe aspects related to thermal stress, as well as its effect on the physiological, behavioral and dairy cow skin parameters.
Keywords: behavior, environment, milk production, physiology, temperature
Revisão Bibliográfica
1 Ambiente térmico
O clima representa o conjunto de variáveis meteorológicas que, ao atuarem isolada ou conjuntamente, constitui-se em componente decisivo no comportamento e bem-estar animal (DETHIER; STELLAR, 1988).
Na produção animal, o conhecimento do comportamento da temperatura ao longo do dia é importante, pois durante o dia existem períodos mais ou menos favoráveis aos animais. Todo esse processo é mediado pelo balanço da radiação, definido como sendo a contabilização entre o recebimento e a devolução de radiação que é bastante variável no decurso do dia e do ano, o que promove alterações diárias e anuais na temperatura do ar, sendo dependente do nível de umidade atmosférica (TUBELIS; NASCIMENTO, 1992).
2 Termorregulação
Os ruminantes são animais homeotermos, assim, conseguem manter a temperatura do núcleo corporal constante, mesmo que a temperatura ambiente tenha alterações (MARTELLO, 2006). A partir do momento que a temperatura ambiental torna-se próxima a temperatura corporal, e a umidade relativa do ar encontram-se elevada, há dificuldade na evaporação pelo animal, gerando aumento da temperatura corporal em função da dificuldade de dissipação do calor (MARAI; HAEEB, 2010), ocorrendo redução da produtividade, causando estresse calórico nos animais (WEST, 2003).
3 Mecanismos de controle térmico
O processo de termólise (liberação de calor) em que ocorrem as trocas de energia na forma de calor entre o animal e o ambiente externo pode ser de forma sensível ou latente. As trocas de calor sensível (condução, convecção e radiação) são determinadas por fluxo de calor causado por gradientes de temperatura (FIGURA 1). Os fluxos de calor latente são causados por gradientes de pressão de vapor d’água (evaporação) (VILELA, 2008).
As perdas de calor por condução ocorrem por meio do contato físico do corpo do animal com uma temperatura inferior de alguma superfície (SOUZA, 2003).
A convecção é a forma de transferência de calor do animal para o ambiente, na qual o ar, em contato com a superfície aquecida (epiderme), é aquecido, e como o ar quente é menos denso, sobe, sendo substituído por um ar mais frio, e causa pequenas correntes convectivas próximas a superfície da pele, mantendo um gradiente de temperatura entre a pele e o ar (KADZERE
et al., 2002).
De acordo com Machado (1998) a perda por radiação ocorre quando o animal transfere o seu calor para o meio ambiente por meio de ondas eletromagnéticas, sem que esse se aqueça. Geralmente, em um ambiente tropical, o mecanismo físico de termólise considerado mais eficaz é o evaporativo, por não depender do diferencial de temperatura entre o organismo e a atmosfera (VILELA, 2008).
4 Conforto térmico
Conforto térmico traduz uma situação em que o balanço térmico é nulo, isto é, o calor que o organismo do animal produz, mais o que ele ganha do ambiente, é igual ao calor perdido por intermédio dos mecanismos de troca de calor. Se isso não ocorre, o animal se defende por outros mecanismos de termorregulação (ARAÚJO, 2001).
A zona de conforto térmico ou zona de termoneutralidade (FIGURA 2) é determinada pela faixa de temperatura ambiental em que o animal mantém constante sua temperatura corporal com mínimo de esforço dos mecanismos termorregulatórios. Os limites da zona de conforto térmico são a temperatura crítica superior (TCS) e a temperatura crítica inferior (TCI). Abaixo da TCI, a vaca entra em estresse pelo frio, acima da TCS, estresse por calor (TAPKI; SAHIN, 2006).
A TCS para vacas de origem europeia em lactação fica entre 25 e 27 °C, podendo variar para mais ou para menos dependendo da adaptação do animal, do tempo de exposição e do nível de produção (BAÊTA; SOUZA, 1997). Já Hafez (1973) observou que TCS para vacas em lactação das raças Pardo-Suíça e Jersey pode chegar a 27° e 29 ºC, respectivamente.
As raças Zebuínas são mais tolerantes ao calor, por originarem-se de ambiente tropical, tendo TCS de 35°C e o mínimo de 0°C (PEREIRA, 2005).
5 Índices de conforto térmico
São índices que conseguem quantificar em uma única variável, o efeito do estresse térmico sofrido pelos animais a partir das condições meteorológicas prevalentes em um dado momento (ARAÚJO, 2001).
Buffington
et al. (1981) sugeriram para a avaliação do conforto em animais, o índice de temperatura e umidade (ITU) que é de fácil obtenção (FIGURA 3). Valores de ITU menores que 68 indicam condição normal, não estressante para o animal; valores entre 72 e 79 é crítico; entre 80 e 89 indica perigo e acima de 90 já constitui uma situação de emergência, podendo a vaca vir a óbito (COLLIER et al., 2012).
Para animais cruzados, não há limites ainda definidos, embora Azevedo
et al. (2005) observaram níveis críticos superiores para diferentes grupos genéticos de vacas em lactação, e verificaram valores iguais a 80, 77 e 75 para ½, ¾ e
7/
8 Holandês-Zebu respectivamente.
Embora seja o índice mais usado pelos pesquisadores, o ITU tem a limitação de levar em consideração somente a temperatura e umidade relativa do ar, mesmo sendo a radiação térmica um dos fatores mais importantes para o conforto de animais em campo aberto.
Nesse contexto, o índice de temperatura do globo e umidade (ITGU), leva em consideração a radiação solar, e é baseado nas medidas da temperatura de globo negro, da temperatura de ponto de orvalho e da temperatura ambiente (ARAÚJO, 2001).
6 Efeito do ambiente térmico sobre as respostas fisiológicas
A estratégia de termorregulação dos mamíferos é manter a temperatura corporal interna maior que a temperatura ambiente para permitir um fluxo de calor entre o organismo e o ambiente externo. Quando a temperatura ambiente se eleva, aproximando-se do valor da temperatura corporal, o gradiente de temperatura torna-se pequeno e reduz a eficiência das perdas de calor por processos evaporativos. A respiração e sudação são as formas evaporativas utilizadas por esse mecanismo de transferência de calor (MAIA
et al. 2003).
A FR normal em bovinos adultos varia entre 24 e 36 movimentos respiratórios por minuto (mov/min), mas pode apresentar valores mais amplos sob estresse térmico, começando a elevar-se antes da temperatura retal, observando taquipneia em bovinos (STÖBER, 1993).
O equilíbrio entre o ganho e a perda de calor do corpo pode ser inferido pela temperatura retal e na vaca em condições normais é de aproximadamente 38,5 °C, sendo usada como índice de adaptabilidade fisiológica a ambientes quentes.
A temperatura do pelame não é homogênea e apresenta variações de acordo com a superfície anatômica e depende das condições ambientais e fisiológicas, como vascularização e evaporação pelo suor, contribuindo para a manutenção da temperatura corporal mediante trocas térmicas com o ambiente (VILELA, 2008).
Sob condições de estresse pelo calor, as perdas sensíveis são diminuídas e a evaporação torna-se o principal processo de perda de calor, principalmente pelo trato respiratório e superfície cutânea. Essa troca de calor por evaporação,é pequena sob baixas temperaturas, quando predominam as trocas de calor sensível (GEBREMEDHIN; WU, 2001).
A taxa de sudação em vacas leiteiras depende da temperatura da pele, da umidade relativa, da densidade, do tamanho e funcionalidade das glândulas sudoríparas, além da espessura do pelame. Animais de raças zebuínas apresentam maior número de glândulas sudoríparas e de maior tamanho que bovinos europeus, os quais são capazes de regular melhor a temperatura corporal (AZEVEDO, 2004).
7 Características do pelame
A cor do pelame e suas características (espessura, número de fibras por área, diâmetro e comprimento do pêlo) podem afetar consideravelmente os mecanismos de troca térmica. A proteção natural dos animais contra a radiação UV é proporcionada pela camada de pelos e pela melanina dos pelos e da epiderme (POCAY,
et al., 2001).
De acordo com Maia
et al. (2003), os animais predominantemente negros são mais bem protegidos contra a radiação solar que os predominantemente brancos, principalmente os que apresentam pelame menos denso com pêlos bem assentados, grossos e curtos, pois o calor conduzido pelas fibras é maior do que o conduzido pelo ar, favorecendo as perdas de calor latente e sensível.
8 Comportamento
Os indicadores comportamentais que tem sido avaliados nos animais em condições de estresse por calor são: a redução na ingestão de alimentos, aumento na ingestão de água, diminuição na atividade de pastejo e a procura pela sombra, ócio e ruminação (SWILANIKOVE, 2000).
Alterações do comportamento são realizadas pelo animal com o objetivo de reduzir a produção de calor ou promover a sua perda e a observação dessas modificações, pode fornecer informações sobre como e quando amenizar o estresse térmico (BEWLEY
et al., 2009).
Fraser e Broom (1990) relatam que vacas estabuladas passam em torno de 5 horas comendo, com ritmo diurno semelhante quando em pastejo, já Pires
et al. (2001), comparando animais em confinamento e em pastejo, encontraram em média 4,6 e 6,2 horas, respectivamente. O tempo total de ruminação pode variar de 4 a 9 horas, no inverno, sendo a percentagem de vacas ruminando é maior do que no verão (FRASER; BROOM, 1990).
Uma alteração comportamental associada à carga de calor é um aumento no tempo gasto em pé, pois Tucker
et al. (2008), descobriram que o tempo em pé parado aumentou 10% (13,8 a 15,3 horas/dia) quando a carga de calor aumentou 15%, e sugeriram que as vacas passam mais tempo em pé para aumentar a perda de calor por meio do aumento da quantidade de pele exposta ao fluxo de ar ou vento.
O ócio pode ser definido como o período em que o animal não está comendo, ruminando ou ingerindo água, pode apresentar duração média de 10 horas diárias, com, variações entre 9 e 12 horas (ORR
et al., 2001).
O estresse térmico interfere na produção, reprodução e sanidade dos animais, gerando grandes perdas econômicas. Minimizar esses efeitos é essencial para manutenção da produtividade permitindo a expressão da capacidade máxima de produção dos animais.
Gráficos e Tabelas
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