O sexo do consumidor influencia a percepção sobre o bem-estar de bovinos?
Magali Goldbeck1, Fernanda Macitelli2, Janaina da Silva Braga3, Alyce Raiana M. dos Santos4, Aline Cristina Sant’Anna5
1 - Universidade Federal de Mato Grosso
2 - Universidade Federal de Mato Grosso
3 - Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal
4 - Universidade Federal de Mato Grosso
5 - Universidade Federal de Juiz de Fora
RESUMO -
O objetivo foi avaliar se o sexo dos consumidores afeta a percepção de questões relacionadas ao bem-estar de bovinos. Aplicou-se um questionário on-line na plataforma Google-docs®. Obteve-se 656 respostas (246 homens e 410 mulheres). Sobre o consumo de carne bovina, 45% dos homens e 26% das mulheres afirmaram consumir diariamente, enquanto que 6,1% e 12,4% dos homens e das mulheres respectivamente, nunca consomem. Em relação ao tratamento do animal na fazenda, 60% das mulheres e 41% dos homens sempre pensam. Ao contrario 7,3% das mulheres e 13,8% dos homens nunca pensaram. A maioria, em média, 85,5% dos consumidores concordam que bovinos são sencientes. Em relação a pagar mais por garantia de bem-estar animal, cerca de 60% pagariam até 20% a mais. Conclui-se que as mulheres consomem menos carne e pensam mais na forma de criação. Já em relação à senciência dos bovinos, e a disponibilidade em pagar mais homens e mulheres possuem percepções similares.
Palavras-chave: boas práticas de manejo, consumo de carne, senciencia
Does the consumers’ sex influence the perception about cattle welfare?
ABSTRACT - The objective was to evaluate whether the sex of the consumers affects the perception of issues related to the well-being of cattle. An online questionnaire was applied on the Google-docs® platform. A total of 656 responses were received (N = 246 males, 410 females). On beef consumption, 45% of males and 26% of females reported daily consumption, while 6.1% and 12.4% of males and females Women respectively, never consume. Regarding the treatment of the animal on the farm, 60% of women and 41% of men always think. In contrast, 7.3% of women and 13.8% of men never thought. Most, on average, 85.5% of consumers agree that cattle are sentient. In relation to paying more for guarantee of animal welfare, about 60% would pay up to 20% more. It is concluded that women consume less meat and think more in the way of creation. Regarding the sentience of cattle, and the willingness to pay more men and women have similar perceptions
Keywords: good management practices, meat consumption, sentience
Introdução
Muito se fala em criação com bem-estar animal, mas, afinal, o que é bem-estar animal? Segundo Broom (1986), o bem-estar de um indivíduo é seu estado em relação as suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente. Essa definição permite entender que não é fácil garantir bem-estar aos animais de produção já que este é um estado do próprio animal. Portanto, o que se pode fazer é assegurar que o ambiente físico e psicológico dos animais sejam adequados às suas necessidades.
A pressão dos mercados consumidores, primeiramente da Europa e, mais recentemente em vários países emergentes, pelo maior bem-estar dos animais e por alimentos mais saudáveis, está fazendo com que os modelos de produção animal sejam repensados. No Brasil as pesquisas sobre bem-estar são recentes com avanços notáveis, e ganharam visibilidade devido às exigências dos países importadores de produtos de origem animal, principalmente da União Européia (QUEIROZ et al, 2014).
De acordo com os resultados apresentados por Souza et al. (2013), os consumidores brasileiros, em geral, não possuem bom conhecimento sobre a forma com que os animais de produção são criados. No entanto, após os pesquisadores mostrarem imagens de sistemas de produção animal, observou-se mudanças na percepção dos consumidores, o que pode indicar uma potencial ameaça aos produtores que mantiverem modelos de produção que ameacem o bem-estar dos animais. Os mesmos autores afirmaram que os consumidores se mostram propensos a pagar preços diferenciados aos produtores que assegurem que os animais não sofreram maus-tratos, sinalizando para as empresas a existência de uma oportunidade de mercado.
Ressalta-se que o consumidor adquire um produto para satisfazer as suas necessidades, mas isso pode variar com sua renda familiar, faixa etária, escolaridade, expectativa e o sexo do consumidor. Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar se o sexo dos consumidores afeta a percepção de questões relacionadas ao bem-estar dos bovinos.
Revisão Bibliográfica
Existe certo consenso de que os animais domésticos, pelo fato de terem sido domesticados e por estarem sendo criados em cativeiro e servindo de alguma maneira à humanidade, merecem níveis mínimos de bem estar (Fraser & Broom, 1990).
Nos países desenvolvidos, cresce a preocupação com os maus trato dos animais domésticos e com o bem-estar dos animais utilizados na pesquisa e na agricultura. Embora de forma menos articulada, a população brasileira também manisfesta preocupação com o bem-estar animal (Hotzel, 2000). E ainda segundo Queiroz (2014) o tema bem-estar animal (BEA) vem sendo amplamente debatido no mundo inteiro, principalmente nos meios científicos. No Brasil, pesquisas sobre BEA são recentes, porém com avanços notáveis, e ganharam visibilidade, devido às exigências dos países importadores de produtos de origem animal, principalmente os da União Europeia, que são os precursores do reconhecimento dessas questões.
A sociedade de consumo, concentrada em grandes centros urbanos, tem cada vez menos contato com a origem e com os processos produtivos dos alimentos que consome, o que origina, em vários países, um movimento crescente em busca de padrões mais éticos e sustentáveis de produção de alimentos, através da certificação dos processos produtivos, comunicados através de selos nas embalagens (McEACHERN et al, 2004). Assim, segundo Francisco et al.( 2007) os consumidores estão cada vez mais exigentes e bem informados sobre a qualidade dos alimentos que consomem. Adicionalmente, Verbeke et al. (1999) ressaltam que a percepção do consumidor quanto ao BEA e o impacto ambiental podem influenciar no momento de compra dos produtos de origem animal.
BENNET et al. (2002) relataram que os consumidores com maiores níveis de interesse sobre BEA, estão dispostos pagar mais pelos produtos oriundos dos sistemas de produção projetados com atenção às considerações do BEA. Resultados de estudos mostraram que os consumidores estão dispostos a pagar entre 3,0 a 10,0% a mais por produtos oriundos de sistemas de criação que respeitem o bem-estar animal (Queiroz et al., 2014; Schaly et al., 2010).
No entanto, ainda são poucos os estudos que sobre o comportamento do consumidor perante o bem-estar dos animais de produção.
Materiais e Métodos
Aplicou-se um questionário
on-line, entre os meses de junho e agosto de 2016, utilizando a plataforma Google-docs®. A divulgação do questionário foi realizada através de e-mails e publicações em redes sociais, permanecendo disponível para preenchimento.
Os consumidores responderam a seis questões voltadas a sua percepção acerca do bem-estar animal na bovinocultura, a saber: i)
Você tem o hábito de consumir carne bovina?; ii)
Você tem o hábito de consumir leite?; iii)
Você pensa se o animal foi bem tratado pelas pessoas?; iv)
Até quanto você pagaria a mais por 1 Kg de carne com garantia de bem-estar dos animais na sua produção?; v)
Quando são maltratados, os bovinos são capazes de sentir dor e de experimentar sensações como medo, raiva, e frustração?; e vi)
Uma produção com boas condições de bem-estar aos animais e aos trabalhadores tem impacto positivo para a reputação do Brasil no mercado? Os dados foram submetidos à análise descritiva utilizando o programa
Excel do pacote
Office da empresa Microsoft
®.
Resultados e Discussão
Os resultados mostram que o consumo de carne bovina tende a ser diferente entre os sexos, sendo que 45,1% dos homens e 26,3% das mulheres consomem carne diariamente. Adicionalmente, 12,4% das mulheres nunca consomem carne, já entre os homens este número reduz pela metade (Figura 1a). Quanto ao consumo de leite, o comportamento de consumo é semelhante entre os sexos, sendo que aproximadamente 39% dos homens e das mulheres o consomem diariamente e 4% nunca o consomem (Figura 1b).
Mais da metade das mulheres (60,48%) sempre pensam na forma como o animal foi tratado na fazenda, já para os homens esse número reduz para 41,06%. Apenas 7,32% das mulheres nunca pensaram como o animal foi tratado na fazenda enquanto entre os homens esse valor quase dobra (13,82%) (Figura 2a).
Quando questionados sobre a disponibilidade de pagar a mais por um produto com certificação e garantia de bem-estar na criação dos animais, a diferença entre homens e mulheres é ainda maior (Figura 2b). Sendo que 19,52% dos homens e apenas 6,10% das mulheres não estariam dispostos a pagar a mais pela certificação, enquanto que 6,10% dos homens e 15,37% das mulheres estariam dispostos a pagar até 100% a mais. Um resultado que merece destaque é que aproximadamente 60% dos entrevistados pagariam até 20% a mais por um produto com garantia de bem-estar aos animais, resultado semelhante ao encontrado por SCHALY et al. (2010) onde 66,9% dos consumidores de uma região do centro-oeste brasileiro estavam dispostos a pagar a mais por produtos derivados de melhor BEA.
Em relação a senciencia dos animais, a percepção dos homens e mulheres é semelhante, sendo que 89,02% das mulheres e 82,52 % dos homens concordaram que os animais são capazes de sentir dor, medo, raiva e até frustração. Aplicando o mesmo questionamento, Franchi et al. (2012) depararam com resultados semelhantes quando questionaram a população sobre a senciencia animal e verificaram que 91,5% da mesma acreditava que os animais fossem seres dotados de sentimentos. Destaca-se que aproximadamente 15% dos entrevistados não possuem uma opinião formada sobre a capacidade de sentir dos animais (Figura 2c).
De maneira surpreendente 92,68% das mulheres e 91,06% dos homens concordaram que uma produção com boas condições de bem-estar aos animais e aos trabalhadores tem impacto positivo para a reputação do Brasil ( Figura 2d).
Conclusões
Conclui-se que as mulheres consomem menos carne bovina e pensam mais na forma como os animais são tratados nas fazendas. Já em relação à senciencia dos bovinos e à disponibilidade em pagar mais por um produto certificado, homens e mulheres apresentam percepções similares.
Gráficos e Tabelas
Referências
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