Padrões de atividades comportamentais de queixadas (Tayassu pecari) em criadouro comercial

Matheus Henrique Vargas de Oliveira1, Jussara Maria de Oliveira2, Marcelo Henrique Lana e Oliveira3, Fabio Moraes Hosken4, Leila de Genova Gaya5, Graziela Tarôco6, Felipe Norberto Alves Ferreira7, Renata de Souza Reis8
1 - Graduando do Curso de Zootecnia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil. E-mail: matheusvargasoliveira@hotmail.com
2 - Graduanda do Curso de Zootecnia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil
3 - Graduando do Curso de Zootecnia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil
4 - Doutorando em Zootecnia, Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil
5 - Departamento de Zootecnia, Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil
6 - Mestre em Zootecnia
7 - Doutorando em Zootecnia, Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil
8 - Departamento de Zootecnia, Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil

RESUMO -

Objetivou-se avaliar as diferenças comportamentais dos queixadas (Tayassu pecari) em função dos períodos do dia. Foram avaliadas as atividades comportamentais de alimentação, contato com a piscina, coçação cruzada, descanso, dormindo, interior do brete de manejo, marcando território e parição de dois grupos de queixadas. Observaram-se seis dos oitos comportamentos propostos, sendo que marcando território e parição não obtiveram anotações. O comportamento dormindo foi observado predominantemente à noite, já descanso e contato com a piscina foram observados em períodos diurnos. Possivelmente a permanência no brete e a alimentação no período diurno pode ter sido devido ao manejo alimentar. Não houve diferença para coçação cruzada entre os períodos. Com os resultados obtidos pode-se fazer uma avaliação dos hábitos instintivos dos queixadas e com isso conseguir elaborar medidas de manejo, que possam a vir suprir as necessidades destes animais no cativeiro estudado.

Palavras-chave: conservação, etologia, fauna silvestre, períodos do dia

Patterns of behavioral activities of white-lipped peccary (Tayassu pecari) in a commercial breeding

ABSTRACT - The objective was to evaluate the behavioral differences of the white-lipped peccary (Tayassu pecari) in relation to the periods of the day. The behavioral activities of feeding, contact with the pool, cross-scratching, rest, sleeping, inside the management recint, marking territory and parturition of two groups of white-lipped peccary were evaluated. Six of the eight proposed behaviors were observed. Marking territory and parturition did not obtain annotations. Sleeping behavior was observed predominantly at night, while rest and contact with the pool were observed during daytime periods. Possibly, the stay in recint and the feeding at diurnal period have been due to the alimentary management. There was no difference for cross-scratching between the periods. With the results obtained, it is possible to make an evaluation of the instinctive habits of the peccaries and with that, be able to elaborate management measures, which can come to satisfy the needs of the animals in captivity.
Keywords: conservation, ethology, periods of the day, wildlife


Introdução

Há décadas a fauna silvestre tem sido utilizada como fonte de proteína animal, por populações indígenas e rurais do interior do Brasil (ALCOCK, 2009), principalmente nas regiões mais afastadas dos centros urbanos na qual praticam a caça predatória de espécies como a queixada (Tayassu pecari) de forma sustentável, como forma de garantir a segurança alimentar de suas famílias (VAN VLIET et al., 2014). Diante disto, a exploração zootécnica de espécies de vida silvestre tem atraído atenção de vários produtores, sendo que a competição com as atividades tradicionais, o alto valor agregado, o sabor da carne e a normatização da exploração destes animais são fatores que contribuem para a ampliação desta atividade (SANTOS et al., 2007). Nesse contexto, estão sendo desenvolvidas técnicas de manejo que buscam melhorias na produção de espécies silvestres em cativeiro, podendo atender também as suas necessidades comportamentais e de bem-estar animal (NOGUEIRA-FILHO & NOGUEIRA, 2004). Deste modo, o estudo do comportamento é essencial para compreender a diversidade e adaptação dos animais nos mais diferentes ambientes. Assim, teve-se como objetivo avaliar as diferenças comportamentais que os queixadas exibem no criadouro comercial no sistema semi-intensivo em função dos períodos do dia.  

Revisão Bibliográfica

As principais ameaças à conservação dos queixadas são a caça predatória e a destruição de seu habitat, pois esses animais andam em média 10 quilômetros por dia em busca de alimento, e essa caça contribui para o declínio dessas populações em muitas áreas de ocorrência. Segundo ALTRICHTER et al. (2015), a extração dos seus recursos alimentares por humanos e a pecuária também são outros fatores associados ao declínio desta espécie. Por essas razões a espécie que, em 2008, era classificada como quase ameaçada, atualmente é considerada vulnerável na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção da International Union for Conservation of Nature (IUCN) (KEUROGHLIAN et al., 2013). A criação em cativeiro pode ser uma alternativa de produção sustentável e de conservação, se bem manejada, principalmente quando comparada com atividades pecuárias, que requerem desmatamento de grandes áreas, podendo chegar a 80% de áreas desmatadas (VENTURIERI & LE PENDU, 2006). O couro e a pele do queixada, por sua vez, são fonte de exportação para os países do continente europeu, para a fabricação de artigos de luxo que posteriormente são exportados para os EUA e Japão (FANG et al., 2008). A criação comercial busca, além do consumo da carne, aumentar seu estoque populacional, ser uma forma de diminuição da pressão sobre a caça, bem como gerar a oportunidade de inserção do agricultor como um aliado na fiscalização (LOURENÇO et al., 2008). Desse modo, estudos sobre técnicas de criação e a importância dos animais silvestres para o meio ambiente, sua conservação e preservação, sua relação com o homem e modos de produção em cativeiro tem se tornado cada vez mais relevantes. Uma destas técnicas é o estudo do comportamento, denominado etologia, que viabiliza os estudos sobre a produção zootécnica de espécies domésticas ou silvestres, sendo essencial para a definição de práticas adequadas para a criação de animais silvestres em cativeiro, instruindo criadores e técnicos a solucionar problemas de manejo, formação de grupos e construção de instalações adequadas visando o bem-estar e o aumento da produção (PARANHOS DA COSTA & PINTO, 2003).  

Materiais e Métodos

O experimento foi realizado no Criadouro Comercial “Fazenda dos Coelhos” situado no município de Conceição da Barra de Minas – MG. Foram avaliadas as atividades comportamentais de acordo com o método “ad libitum” (MARTIN & BATESON, 1993), compostas por alimentação, contato com a piscina, coçação cruzada, descanso, dormindo, interior do brete de manejo, marcando território e parição de dois grupos de queixadas, sendo que no primeiro dia de tabulação dos dados, o piquete 01 continha nove animais e no piquete 02 continha oito animais, totalizando 17 animais adultos e eventuais filhotes em várias fases. Em cada piquete foram montadas oito estruturas de polietileno expandido (EPE) em seu comprimento total, com pequenas janelas para minimizar a interferência dos observadores sobre o comportamento dos animais. Os queixadas receberam o mesmo manejo sanitário e não houve vacinações no período experimental, além disto foram alimentadas duas vezes ao dia, às 06:00hs e às 15:00hs. As observações foram realizadas visualmente pelo método “scan sample” (ALTMANN, 1974), no período de dezembro de 2015 a maio de 2016, com um intervalo de 15 dias, totalizando 10 observações. Para o registro dos dados foi utilizada a metodologia descontínua, sendo duas horas de observação dos queixadas de 5 em 5 minutos seguidas de duas horas de intervalo, de modo que estes horários foram agrupados em períodos, sendo que os horários de 05:00hs até 11:00hs corresponderam às observações do período da manhã, de 13:00hs até 19:00hs corresponderam às observações do período da tarde e de 21:00hs até 03:00hs corresponderam às observações do período da noite. Para a análise dos dados utilizou-se o procedimento PROC MEANS para as estatísticas descritivas e o procedimento PROC FREQ para os cálculos das frequências, aplicando-se o teste de Qui-quadrado para as variáveis de comportamentos observados, ambos por intermédio do pacote estatístico SAS® - Statistical Analysis System, versão 9.2 (SAS Institute, 2008).

Resultados e Discussão

As estatísticas descritivas das variáveis estudadas estão apresentadas na Tabela 1, na qual foram relatados seis dos oitos comportamentos propostos, sendo que os comportamentos de “marcando território” e “parição” não obtiveram nenhuma anotação feita pelos observadores. O comportamento “marcando território” não foi observado, possivelmente pela existência de cercas que delimitam os piquetes, além dos queixadas já serem do mesmo grupo social, tendo em vista que uma das características marcantes desta espécie é a presença de uma glândula odorífera dorsal próximo a sua cauda que possui a função de marcação de território, reconhecimento social e manutenção da proximidade dos membros do grupo em áreas com vegetação densa (VENTURIERI & LE PENDU, 2006). Já o comportamento de “parição” também não foi observado, provavelmente porque alguns queixadas que estavam nos piquetes eram jovens ou até mesmo porque o efeito da presença dos observadores pode ter inibido este comportamento, tendo em vista que houve parições no período experimental e as mesmas não foram presenciadas pelos observadores. Os queixadas realizaram suas atividades com predominância no período diurno (Tabela 2), as observações demonstraram que 65% do comportamento “dormindo” foi realizado à noite. Segundo ARAÚJO & MARQUES (2003), estes animais não passam necessariamente o período diurno em atividade contínua, podendo realizar atividade de descanso ou dormindo durante a manhã e tarde. Diante disto, o comportamento de “descanso” não se sobrepôs ao comportamento “dormindo”, pois foi observado predominantemente nos períodos diurnos, além da identificação do ato de dormir ser posterior ao descanso, comum nos queixadas em cativeiro. De acordo com os dados sobre o comportamento de “alimentação”, foi observado que possivelmente os horários de manejo influenciaram nos padrões de atividade dos animais, sendo que o fornecimento da alimentação no criadouro comercial era realizado às 06:00hs às 15:00hs no comedouro do brete de manejo ou diretamente no piso do piquete, o que explica a permanência predominante dos animais no “interior do brete” e de animais “alimentando” no período da diurno. A “coçação cruzada” foi realizada quando dois animais em sentido contrários um ao outro, coçavam a cabeça no flanco do outro para cima e para o lado, de modo que esfregassem a sua glândula odorífera dorsal. Tal comportamento não obteve diferença entre períodos, sendo realizado durante todos os períodos do dia, possivelmente por estas coçações estar associadas a forma de distinguir e de identificar os indivíduos, como sendo membros do grupo ou subgrupo. Já o comportamento de “contato com a piscina” foi observado quando os queixadas andavam, paravam ou dessedentavam-se na piscina de alvenaria presente no piquete, sendo que frequências maiores foram observadas nos períodos diurnos.

Conclusões

Os resultados de frequências comportamentais obtidos permitiram uma melhor compreensão e avaliação dos hábitos instintivos dos animais, e dessa forma, é possível conseguir elaborar medidas de manejo nutricional, ambiental e sanitário de acordo com os horários dos comportamentos exibidos, que possam a vir suprir as necessidades dos queixadas no cativeiro estudado.

Gráficos e Tabelas




Referências

ALCOCK, J. Comportamento animal: uma abordagem evolutiva. Artmed Editora, 2016. ALTMANN, J. Observational study of behavior: sampling methods. Behaviour. v. 49 p. 227-267. 1974. ALTRICHTER, M.; TABER, A.; NOSS, A.; MAFFEI, L.; CAMPOS, J. 2015. Catagonus wagneri. The IUCN Red List of Threatened Species, 2015. ARAÚJO, J. F.; MARQUES, N. Intermodulação de frequências dos ritmos biológicos. Cronobiologia: princípios e aplicações, p. 99-117, 2003. FANG, T.G.; BODMER, R.E.; PUERTAS, P.E. Certificación de pieles de pecaríes en la Amazonía Peruana: una estrategia para la conservación y manejo de fauna silvestre en la Amazonía Peruana. Wust, 2008. KEUROGHLIAN, A., A. DESBIEZ, R. REYNA-HURTADO, M. ALTRICHTER, H. BECK, A. TABER, AND J.M.V. FRAGOSO. 2013. Tayassu pecari. IUCN Red List of Threatened Species, 2013. LOURENÇO, R.F.S.; DIAS, R.S.; GOMES, A.P.A. Criação de paca (Agouti paca) como alternativa de diversificação de produção e renda em Minas Gerais. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL, Rio Branco-AC. Anais 46º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2008. MARTIN, P., BATESON, P.F.R.S. Measuring behaviour: an introductory guide. 2. ed. Cambridge University Press, 1993. NOGUEIRA-FILHO, S.L.G; NOGUEIRA, S. S. C. Captive breeding programs as an alternative for wildlife conservation in Brazil. People in nature: wildlife management and conservation in Latin America. Columbia University, Press, New York, p. 171-190, 2004. PARANHOS DA COSTA, M.J.R.; PINTO, A.A. Princípios de etologia aplicados ao bem-estar animal. As distintas faces do comportamento animal. Sociedade Brasileira de Etologia. São Paulo, p. 211-223, 2003. SAS INSTITUTE. Statistical Analysis Systems User’s Guide. Version 9.0. Cary: SAS Institute Inc., 2008. SANTOS, J.R.C.; OLIVEIRA, S.B.; SOUZA, J.M.; ROSA, J.R.; OLIVEIRA, G.A. Processo de abate industrial da tartaruga da Amazônia criada em cativeiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE QUÍMICA DA ABQ-RN, Anais Congresso Brasileiro de Química da ABQ-RN, 2007. VAN VLIET, N., QUICENO-MESA, M. P.; CRUZ-ANTIA, D.; YAGÜE, B. ”Carne de caça e segurança alimentar na zona da tríplice fronteira amazônica (Colômbia, Peru e Brasil) ”, 2014. VENTURIERI, B.; LE PENDU, Y. Padrões de Atividades de Caititus (Tayassu tajacu) em Cativeiro. Revista de Etologia, v.8, n.1, p. 35-43, 2006.





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