A percepção do bem-estar de bovinos de acordo com o perfil profissional dos consumidores
Alyce Raiana Monteiro dos Santos1, Fernanda Macitelli2, Janaina da Silva Braga3, Magali Goldbeck4, Aline Cristina Sant’Anna5
1 - Graduanda em Zootecnia, Universidade Federal de Mato Grosso, Rondonópolis, 78735-910, MT, Brasil.
2 - Professora do Instituto de Ciências Agrárias e Tecnológicas, curso de Zootecnia, Universidade Federal de Mato Grosso, Rondonópolis, 78735-910, MT, Brasil. Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal 14.884-900, SP, Brasil
3 - Pós-doutoranda no Programa de Pós Graduação em Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 14.884-900, SP, Brasil. Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal 14.884-900, SP, Brasil
4 - Graduanda em Zootecnia, Universidade Federal de Mato Grosso, Rondonópolis, 78735-910, MT, Brasil.
5 - Professora do Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora 36.036-900, SP, Brasil. Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal 14.884-900, SP, Brasil
RESUMO -
O objetivo foi avaliar se o perfil profissional do consumidor influencia a percepção de questões relacionadas ao bem-estar dos bovinos. Aplicou-se um questionário on-line na plataforma Google-docs®. Foram obtidas 656 respostas, divididas de acordo com a área de atuação profissional do entrevistado. A área de atuação tende a influenciar o hábito de consumo de carne bovina. Quando questionados sobre a disposição de pagar a mais por um produto com garantia de bem-estar animal, não se observou grande diferença entre as áreas. Mais de 80% dos entrevistados, independente da área de atuação, concordaram que bovinos são sencientes e que tratar bem os animais pode ter impacto positivo na reputação do Brasil. Entretanto, observou-se uma tendência dos profissionais da área de agrárias pensarem mais na forma com que os animais são tratados nas fazendas, possivelmente devido ao maior contato direto com os animais de produção.
Palavras-chave: área de atuação profissional, consumo de carne, senciência animal
The perception of bovine welfare according to the professional profile of the consumers
ABSTRACT - The aim was to evaluate if the professional profile of the consumer influences the perception of issues related to the cattle welfare. An online questionnaire was applied on the Google-docs® platform. A total of 656 responses were obtained and were divided according to the area of professional activity of the interviewee. The area of activity tends to influence the consumption of beef meat. When questioned about the willingness to pay more for a product with certification of animal welfare, there was no great difference among areas. More than 80% of interviewee, regardless of their field of action, agreed that cattle are sentient animal and that treating animals well may have a positive impact on Brazil's reputation. However, there was a tendency for agrarian practitioners to think more about how animals are treated on farms, possibly due to greater direct contact with farm animals.
Keywords: professional area, red meat consumption, animal sentience
Introdução
Ao mencionar o termo bem-estar animal muitas definições ocorrem e são dependentes das áreas de conhecimento das pessoas. Há quem associe o bem-estar dos animais ao não sofrimento, boa saúde e conforto, quando na verdade ele pode ser definido como o estado de um organismo ao tentar se adaptar ao ambiente (Broom, 1986). Broom e Molento (2004) adicionam que para conseguir definir o bem-estar deve-se permitir sua pronta relação com outros conceitos, como: necessidades, liberdades, sentimentos, estresse e saúde.
É crescente a preocupação com o bem-estar animal na cadeia da carne, seja por exigência do consumidor ou crescente conscientização sobre sua importância para a produção de carne de qualidade e segurança alimentar. Segundo Warris (2000), os consumidores desejam comer carne com “qualidade ética”, ou seja, oriunda de animais criados e abatidos em sistemas que promovam o seu bem-estar e que sejam sustentáveis.
Entretanto, a maioria dos brasileiros tem pouco conhecimento relacionado ao bem-estar dos animais. Os trabalhos presentes na literatura abordam a percepção dos consumidores em relação ao bem-estar animal considerando o sexo, idade, escolaridade e classe social (Schaly et al., 2010; Queiroz et al., 2014; WAP, 2016) mas a área de atuação profissional das pessoas até o momento não foi abordada. Assim, o presente estudo objetivou avaliar se a área de atuação profissional dos consumidores tem efeito na percepção dos mesmos em relação ao bem-estar dos bovinos.
Revisão Bibliográfica
Recentemente, a World Animal Protection (WAP, 2016) publicou um relatório no qual descreveu a percepção do consumidor sobre o bem-estar animal na América Latina, no qual foi possível constatar que 91% dos entrevistados acreditam que animais produzidos com bem-estar dão origem a produtos de maior qualidade, e 74% pensam que o sistema de produção de carne que se preocupa com o bem-estar animal é mais sustentável e tem menor impacto ambiental. Outro ponto importante é que as gerações mais jovens (entre 18 e 29 anos) demonstram maior preocupação com os métodos de abate dos animais. O mesmo relatório ainda relata que 68% dos entrevistados brasileiros consomem carne bovina quatro vezes por semana e 73% acreditam que produtos com selo de bem-estar animal são mais caros.
Schaly et al. (2010), Bennet et al. (2002) e Queiroz et al., (2014) relataram que apesar da maioria dos consumidores não terem contato com os animais de produção, os mesmos possuem conhecimento razoável do modo como os animais são criados e estão dispostos a pagar a mais por um produto oriundo de sistemas de produção que respeitem o bem-estar animal.
Nesse contexto, destaca-se que a medida que a sociedade passa a reconhecer o sofrimento animal como um fator relevante na hora de adquirir um produto de origem animal, pode-se atribuir ao bem-estar animal um valor econômico. Ainda assim existe a preocupação de que melhorias na qualidade de vida dos animais possam incidir sobre os custos de produção, atuando como um fator limitante aos progressos na área (Molento, 2005).
Materiais e Métodos
Aplicou-se um questionário
on-line utilizando a plataforma Google-docs®. A divulgação do questionário foi realizada através de e-mails e publicações em redes sociais, permanecendo disponível para preenchimento entre os meses de junho e agosto de 2016. Foram obtidas 656 respostas, posteriormente divididas em quatro áreas de acordo com a atuação profissional do entrevistado, agrária (n=327), biológica (n=102), humana (n=99) e exata (n=74).
Os consumidores responderam a seis questões voltadas a sua percepção acerca do bem-estar animal na bovinocultura, a saber: i)
Você tem o hábito de consumir carne bovina?; ii)
Você tem o hábito de consumir leite?; iii)
Você pensa se o animal foi bem tratado pelas pessoas?; iv)
Até quanto você pagaria a mais por 1 Kg de carne com garantia de bem-estar dos animais na sua produção?; v)
Quando são maltratados, os bovinos são capazes de sentir dor e de experimentar sensações como medo, raiva, e frustração?; e vi)
Uma produção com boas condições de bem-estar aos animais e aos trabalhadores tem impacto positivo para a reputação do Brasil no mercado? Os dados foram submetidos à análise descritiva utilizando o programa
Excel do pacote
Office da empresa Microsoft
®.
Resultados e Discussão
Os resultados indicam que aproximadamente 20% dos consumidores que atuam na área biológica nunca consomem carne bovina, enquanto esse número reduz para menos da metade (8%) entre os consumidores que atuam nas demais áreas (Figura 1a). Os profissionais da área agrária são os que mais consomem leite diariamente (Figura 1b).
Mais de metade das pessoas que atuam em áreas profissionais nas quais possuem maior contato com animais (agrárias e biológicas) pensam sempre na forma como os animais são tratados nas fazendas. Já as profissões com menor contato com animal (exatas e humanas) apresentam maior porcentagem de pessoas que nunca pensaram nesse assunto (Figura 2a). Possivelmente os profissionais das áreas biológicas e agrárias já tiveram mais oportunidades de visitar fazendas produtoras de bovinos em contrapartida das outras áreas de atuação, mas de maneira geral as pessoas possuem pouco conhecimento sobre a origem dos alimentos que consomem (GRANDIN, 2014).
Quando questionados sobre a disposição de pagar a mais por um produto com garantia de bem-estar dos animais durante sua produção, mais da metade das pessoas de todas as áreas estariam dispostas a pagar até 20% a mais por um produto com garantia de bem-estar animal, e cerca de 20% de todas as áreas dispostos a pagar até 50% a mais (Figura 2b). Mais de 80% dos consumidores de todas as áreas profissionais concordaram que os animais são seres sencientes (Figura 2c) e cerca de 90% dos entrevistados, independente da área concordam que uma produção com boas condições de bem-estar aos animais e aos trabalhadores tem impacto positivo para a reputação do Brasil (Figura 2d).
Os resultados desse estudo indicam que o bem-estar dos animais é reconhecido como importante para a grande maioria dos consumidores corroborando com o que tem sido descrito por Martelli (2009) em estudos europeus, onde “garantir o bem-estar dos animais de produção” atinge nota média de 7.8 em uma escala que varia de 1 a 10 (de pouco importante para muito importante, respectivamente).
Conclusões
A grande maioria dos consumidores, independentemente da sua da área de atuação, concorda que os bovinos são animais sencientes, que a produção com boas condições de bem-estar aos animais e aos trabalhadores tem impacto positivo para a reputação do Brasil e estão dispostos a pagar mais por uma carne com certificação de bem-estar animal. No entanto, existe uma tendência das pessoas que trabalham em áreas com maior contato com os animais pensarem mais na forma com que os animais são tratados nas fazendas.
Gráficos e Tabelas
Referências
BENNETT, R. M.; ANDERSON, J.; BLANEY, R. J. P. Moral intensity and willingness to pay concerning animal welfare issues and their importance for agricultural policy.
Journal of Agricultural and Environmental Ethics, v. 5, p. 187-202, 2002.
BROOM, D. M. Indicators of poor welfare.
British Veterinary Journal, v. 142, n. 6, p. 524- 526, 1986.
BROOM, D. M.; MOLENTO, C. F. M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas - revisão.
ArchivesofVeterinary Science, v. 9, n. 2, p. 1-11. 2004.
GRANDIN, T. Animal welfare and society concerns finding the missing link
. Meat Science, v. 98, p. 461-469, 2014.
MARTELLI, G. Consumers’ perception of farm animal welfare: an Italian and European perspective
. Italian Journal of Animal Science, v.8 (suppl. 1), p. 31-41, 2009.
MOLENTO, C. F. M. Bem-estar e produção animal: aspectos econômicos -revisão.
ArchivesofVeterinaryScience, v. 10, n. 1, p.1- 11, 2005.
QUEIROZ, M.L.V.; BARBOSA FILHO, J.A.D.; ALBIERO, D.; BRASIL, D.F.; MELO, R.P.Percepção dos consumidores sobre o bem-estar dos animais de produção em Fortaleza, Ceará.
Revista Ciência Agronômica, v. 45, n. 2, p. 379-386, 2014.
SCHALY, L.M.; OLIVEIRA, M.C.; SALVIANO, P.A.P.; ABREU, J.M.Percepção do consumidor sobre bem-estar de animais de produção em Rio Verde, GO.
PUBVET, v. 4, n. 38, ed. 143, art. 966, 2010.
WAP – WORLD ANIMAL PROTECTION.
Consumo às cegas: percepção do consumidor sobre bem-estar animal na América Latina. 2016. Disponível em: https://d22boq46bc7ja4.cloudfront.net/cdn/farfuture/_IZUNGVEyfhKuq4lSGUJE14yn4usZBGvVYUnGO-tzLo/mtime:1481556755/sites/default/files/br_files/consumo_as_cegas_latam.pdf
. Acesso em: 15/02/2017.
WARRISS, P.D. Meat science: an introductory text. Wallingford: CABI Publishing, 2000, p. 310.