Ponto de máxima resposta e efeito da endogamia sobre o teor de ácido palmítico no leite de vacas Holandesas
Eduardo Henrique Martins1, Eula Regina Carrara2, Matheus Henrique Vargas de Oliveira3, Juliana Petrini4, Gerson Barreto Mourão5, Leila de Genova Gaya6
1 - Graduando do Curso de Zootecnia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil.
2 - Mestranda do Programa "Ciência Animal e Pastagens", Departamento de Zootecnia, Universidade de São Paulo (ESALQ), Piracicaba, SP, Brasil.
3 - Graduando do Curso de Zootecnia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil.
4 - Pós-doutoranda do Programa “Ciência Animal e Pastagens”, Departamento de Zootecnia, Universidade de São Paulo (ESALQ), Piracicaba, SP, Brasil.
5 - Departamento de Zootecnia, Universidade de São Paulo (ESALQ), Piracicaba, SP, Brasil.
6 - Departamento de Zootecnia, Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), São João del-Rei, MG, Brasil.
RESUMO -
Objetivou-se com este trabalho avaliar o efeito da endogamia sobre o teor de ácido palmítico (C16:0) presente no leite de vacas da raça Holandesa. Para o estudo do efeito da endogamia sobre os teores de C16:0, utilizando-se seus fenótipos e valores genéticos, foram estimadas regressões em função dos coeficientes de endogamia das vacas. Os coeficientes das equações polinomiais foram significativos para os valores genéticos, mas não para os fenótipos avaliados. O ponto de máxima resposta para os valores genéticos foi em 0,24% de endogamia, além do qual houve a redução dos mesmos, o que poderia favorecer este aspecto da qualidade do leite nessa população, devendo-se avaliar o impacto desses níveis de endogamia em outras variáveis de interesse. O aumento dos níveis de endogamia nesta população sugere a possibilidade de modificação do perfil deste ácido graxo em função do sistema de acasalamento utilizado, visando a obtenção de um produto de maior benefício à saúde do consumidor.
Palavras-chave: ácido graxo, bovinos leiteiros, valor genético
Maximum response point and effect of inbreeding on the content of palmitic acid on Holstein cows’ milk
ABSTRACT - The objective of this study was evaluate the effect of inbreeding on the palmitic acid (C16:0) levels present in Holstein cows’ milk. For the study of inbreeding coefficient on C16:0 levels, using their phenotypes and genetic values, regressions were estimated as a function of the cows’ inbreeding coefficients. The coefficients of polynomial equations were significant for the genetic values, but not for the phenotypes evaluated. The maximum response point to the genetic values was in 0.24% of inbreeding, beyond which there was a reduction of the same, which could favor this aspect of the milk quality in this population, and assess the impact of these inbreeding levels in other variables of interest. The increased inbreeding levels in this population suggests the possibility of modifying the profile of this fatty acid in function of the mating system used in order to obtain a greater benefit to the health of the consumer.
Keywords: dairy cattle, fatty acid, genetic value
Introdução
O ácido palmítico (C16:0) é um ácido graxo saturado presente na gordura do leite associado ao aumento de doenças cardiovasculares em humanos (LIMA et al., 2000), sugerindo-se a necessidade da redução deste ácido graxo no leite. O melhoramento genético é uma ferramenta que pode possibilitar a modificação do perfil de ácidos graxos no leite, uma vez que essa característica possui variabilidade genética (PETRINI, 2016).
É importante que se acompanhem os níveis de endogamia em rebanhos de bovinos leiteiros, visto que este efeito pode atuar negativamente no desempenho reprodutivo e produtivo dos animais (ELER, 2014). O estudo da relação entre a endogamia e os teores de C16:0 do leite em populações de bovinos leiteiros pode contribuir para a obtenção de um conhecimento mais amplo sobre os fatores que afetam essa característica nos indivíduos e no estabelecimento de estratégias de melhoramento animal visando o decréscimo dessa variável.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar o efeito da endogamia sobre o teor de ácido palmítico no leite de uma população de vacas da raça Holandesa e encontrar seu ponto de mínima ou máxima resposta, em caso de regressão quadrática significativa.
O ácido palmítico compõe cerca de 30% do total de ácidos graxos presentes na gordura do leite (MANSSON, 2008). A ingestão de dieta rica nesse ácido graxo pode estar relacionada ao aumento do colesterol em humanos (MORAES & COLLA, 2006), e dessa forma, há um indicativo de que seja ideal sua diminuição no leite bovino, tornando-o um produto de melhor qualidade. A suplementação na dieta é a maneira mais rápida para modificar a composição de ácidos graxos no leite de bovinos (JENKINS & MCGUIRE, 2006); porém, o melhoramento genético torna-se mais relevante por apresentar resultados permanentes, mesmo com seu avanço mais lento e sua necessidade de planejamento a longo prazo.
Revisão Bibliográfica
O ácido palmítico compõe cerca de 30% do total de ácidos graxos presentes na gordura do leite (MANSSON, 2008). A ingestão de dieta rica nesse ácido graxo pode estar relacionada ao aumento do colesterol em humanos (MORAES & COLLA, 2006), e dessa forma, há um indicativo de que seja ideal sua diminuição no leite bovino, tornando-o um produto de melhor qualidade. A suplementação na dieta é a maneira mais rápida para modificar a composição de ácidos graxos no leite de bovinos (JENKINS & MCGUIRE, 2006); porém, o melhoramento genético torna-se mais relevante por apresentar resultados permanentes, mesmo com seu avanço mais lento e sua necessidade de planejamento a longo prazo.
Programas de melhoramento genético são realizados considerando características de interesse econômico, visando um aumento da produtividade dos animais e da qualidade do produto ofertado ao consumidor. Um dos fatores que precisa ser controlado nas populações sob seleção é o direcionamento dos acasalamentos. Embora acasalamentos endogâmicos sejam utilizados para fixar características nas populações, seu controle pode evitar o aparecimento de problemas oriundos da perda da variabilidade genética na população e da depressão endogâmica, relacionada à perda no ganho genético e reduzindo a eficiência fisiológica do indivíduo, fenômeno este conhecido como depressão endogâmica (ELER, 2014).
Dessa forma, o monitoramento dos níveis de endogamia em programas de melhoramento genético e o estudo dos seus efeitos sobre variáveis de interesse econômico é fundamental. Uma vez que a proporção de ácidos graxos saturados no leite pode variar em função de fatores genéticos (MÜLLER, 2002), é possível que o nível de endogamia da população também afete esses componentes, incluindo o C16:0.
Materiais e Métodos
As análises foram realizadas a partir de um banco de dados de vacas da raça Holandesa, cedido pelo Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). O banco de dados foi formado por mais de 7 mil informações oriundas de coletas mensais de amostras de leite, no dia controle, realizadas de maio a dezembro de 2012, em três fazendas do Estado de São Paulo.
O banco de dados continha informações referentes à identificação dos animais, rebanho, data de nascimento e o teor de ácido palmítico (C16:0), em % do volume de leite (g/100g de leite). Para a determinação dos teores de ácido palmítico, amostras de leite foram analisadas por meio de espectrometria em infravermelho médio, em colaboração com a Clínica do Leite, da ESALQ/USP (RODRIGUEZ, 2013).
O arquivo de pedigree das vacas totalizou 7.963 animais distribuídos em 6 gerações. O coeficiente de endogamia de cada indivíduo foi calculado por intermédio do procedimento PROC INBREED do programa SAS® (SAS Institute, 2008).
Os valores genéticos foram obtidos pelo método Monte Carlo via Cadeias de Markov (MCMC - Markov Chain Monte Carlo) empregando-se o Amostrador de Gibbs. Foram conduzidas um total de 1.200.000 iterações, descartadas as primeiras 120.000 iterações e período de armazenamento de 100 iterações, totalizando 10.800 registros.
Para o estudo do efeito da magnitude do coeficiente de endogamia sobre os teores de ácido palmítico do leite, utilizando-se seus fenótipos e valores genéticos, foram estimadas regressões em função dos coeficientes de endogamia das vacas. Este efeito foi testado de modo linear (Equação 01) e quadrático (Equação 02), pelo teste t de Student (p<0,05), identificando-se seu ponto de máxima ou mínima resposta, onde Max/Min=(Equação 03). Nesta equação, (Equação 04) corresponde ao coeficiente da equação polinomial de primeiro grau, e (Equação 05), corresponde ao coeficiente da equação polinomial de segundo grau.
Resultados e Discussão
As estatísticas descritivas para C16:0 e o coeficiente de endogamia estão apresentadas na Tabela 1.
Na avaliação dos fenótipos, os coeficientes das equações polinomiais de primeiro e segundo grau da variável C16:0 não foram significativos (p>0,05), sugerindo que os níveis de endogamia nesta população não interferiram nos fenótipos para o C16:0 no leite. Entretanto, estes coeficientes foram significativos (p<0,05) para os valores genéticos. A equação polinomial de segundo grau obtida foi (Equação 06) (Figura 1). Esta equação foi utilizada para o cálculo do ponto de máxima resposta, que foi de 0,24%. Valores fenotípicos são resultados da expressão genética influenciada pelo ambiente (CERÓN-MUÑOZ et al., 2004), logo não se esperam valores iguais nas avaliações dos valores genéticos e fenotípicos, conforme observado neste estudo.
O coeficiente médio de endogamia para a população estudada foi de 0,28%, justificando o valor de baixa magnitude para o ponto de máxima resposta para a variável C16:0 em função da endogamia. Um fator que contribuiu para o baixo coeficiente médio foi o número de animais da geração 1 que não possuíam informações de ancestrais (37%) e, portanto, coeficiente de endogamia igual a zero. Além disso, em populações maiores, como ocorre neste trabalho, são frequentemente observados baixos coeficientes de endogamia, pois o tamanho da população é fator de grande influência para a diluição da homozigose idêntica (FARIA, 2002).
Estudos que avaliam o efeito da endogamia sobre o perfil de ácidos graxos no leite de bovinos são escassos, porém, trabalhos apontam interferências negativas dos níveis de endogamia sobre variáveis importantes para o setor leiteiro, incluindo os teores de gordura (MIGLIOR et al., 1995). O presente estudo mostrou que quando os níveis de endogamia dessa população são menores que 0,24%, o valor genético dos animais para C16:0 aumenta. Assim, até esse ponto, a endogamia está desfavorecendo a qualidade do leite, uma vez que o C16:0 é associado negativamente à saúde humana. Por outro lado, a partir do valor máximo de endogamia igual 0,24%, o valor genético dos animais para C16:0 diminui, o que seria favorável para melhorar a qualidade do leite. Contudo, altos níveis de endogamia prejudicam características de produção (PEREIRA et al., 2016) e reprodução (GONZÁLEZ-RECIO et al., 2007).
No Brasil, ainda não existem programas de melhoramento genético voltados para o perfil de ácidos graxos no leite de bovinos e, por isso, os objetivos de seleção dentro desse perfil ainda não são claros. Rodriguez (2013) reportou herdabilidades de 0,12 a 0,31 para C16:0, e correlação genética de 0,60, entre C16:0 e teor de gordura no leite, em uma população de vacas da raça holandesa. Dessa forma, a seleção para o teor de gordura no leite poderia influenciar diretamente na variação do teor de C16:0. Mais trabalhos envolvendo o perfil de ácidos graxos no leite devem ser conduzidos para conhecer melhor os seus comportamentos genéticos.
Conclusões
O aumento dos níveis de endogamia nesta população de vacas Holandesas, a partir de 0,24%, sugere a possibilidade de modificação dos valores genéticos para o teor de ácido palmítico das vacas em função do sistema de acasalamento utilizado, visando a obtenção de um produto de maior benefício à saúde do consumidor.
Deve-se avaliar o impacto desses níveis de endogamia em outras variáveis de interesse, uma vez que maiores valores de endogamia também podem promover a depressão endogâmica.
Recomendam-se pesquisas adicionais para a definição das estratégias de melhoramento genético visando a redução do teor de C16:0 no leite.
Gráficos e Tabelas
Referências
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