Programação fetal em fêmeas multíparas de bovinos de corte

Elton Silva Resende1, Severino Delmar Junqueira Villela2, Mauricio Gomes de Sousa3, Cláudio Henrique Viana Roberto4, Michele Gabriel Camilo5, Edilane Costa Martins6, Marco Aurélio Teixeira Andrade7, Marcos Augusto dos Reis Nogueira8
1 - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
2 - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
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8 - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

RESUMO -

Nos últimos anos a cadeia de produção de bovinos de corte exibiu uma mudança em seu setor primário, principalmente quanto ao direcionamento da qualidade do seu produto final a ser fornecido para o beneficiamento, realizado pelo setor secundário, da cadeia produtiva da carne bovina. Está mudança esteve condicionada a exploração de um novo nicho de mercado, que busca carne de qualidade, de procedência e produzida de maneira sustentável, disposto a melhor remuneração e a possibilidade de obtenção de maior receita. Há relatos de que a nutrição materna, mesmo no período inicial da gestação, apresenta importância na formação dos tecidos do concepto, e igual relevância na formação do tecido placentário responsável pela manutenção da gestação. Em sua maioria, os trabalhos relatam que os efeitos do nível de nutrição maternal, principalmente o nível energético e o suprimento de aminoácidos, afetam o desenvolvimento da musculatura esquelética fetal e de outros sistemas teciduais, levando a efeitos duradouros no desempenho animal. Dessa forma, o objetivo geral apresentado nesta revisão será o de avaliar os efeitos de diferentes níveis de fornecimento nutricional às vacas de corte zebuínas já gestantes na programação fetal e no desempenho da próxima progênie.

Palavras-chave: miogênese, restrição alimentar, variações na gestação

Fetal programming in multiparous females of beef cattle

ABSTRACT - In recent years the beef cattle production chain has shown a change in its primary sector, mainly in terms of the quality of its final product to be supplied for processing by the secondary sector of the beef production chain. This change was conditional on the exploration of a new niche market, which seeks quality meat, of origin and produced in a sustainable way, prepared for better remuneration and the possibility of obtaining more revenue. There are reports that maternal nutrition, even in the initial period of gestation, is important in the formation of the tissues of the concept, and equal relevance in the formation of placental tissue responsible for the maintenance of gestation. Most studies report that the effects of maternal nutrition, especially energy level and amino acid supply, affect the development of fetal skeletal muscles and other tissue systems, leading to long-term effects on animal performance. Thus, the general objective presented in this review will be to evaluate the effects of different levels of nutritional supply to pregnant zebu cows on fetal programming and on the performance of the next progeny.
Keywords: food restriction, myogeny, pregnancy changes


Revisão Bibliográfica

Formação dos órgãos vitais Um ponto extraordinário no desenvolvimento fetal é o particionamento dos nutrientes, pois o desenvolvimento do músculo esquelético possui menor prioridade quando comparado com órgãos vitais tais como o cérebro, coração e fígado. Alguns trabalhos relatam que o desenvolvimento placentário e o peso de bezerros ao nascimento estão altamente correlacionados. Entretanto, devido à placenta bovina apresentar crescimento contínuo de massa e variações de tecido em curto espaço de tempo, algumas características do tecido placentário podem ser alteradas pela nutrição, durante o início e o meio da gestação. Segundo Perry et al. (1999 e 2002), a suplementação proteica de vacas durante o início e o meio da gestação, pode ser fator de variação no tecido placentário sem necessariamente afetar precisamente o peso corporal de bezerros ao nascimento. Em avaliação ao crescimento dos órgãos em bovinos, durante o desenvolvimento fetal, Hubbert et al. (1972) relataram que a evolução fetal dos órgãos, ocorre simultaneamente com o desenvolvimento da placenta, onde os membros tem sua formação iniciada a partir do 25º dia de gestação. A formação dos membros é posterior à formação de outros órgãos incluindo o pâncreas, glândulas adrenais, glândulas da tireoide, fígado, pulmões, baço, cérebro e rins. Nilsson e Skinner, 2009 relataram que o desenvolvimento dos testículos inicia-se próximo aos 45 dias em bezerros e o desenvolvimento ovariano em bezerras ocorre entre o 50º e 60º dia de gestação. Outro importante efeito relatado em bezerras refere-se ao desenvolvimento das gônodas, ocorrendo aproximadamente no 80º dia de gestação, havendo degeneração dos locais de síntese de oocistos formadores de folículos primordiais. Estes folículos representaram o suprimento de oocistos viáveis para a fêmea após o nascimento, durante sua vida reprodutiva. Estudos mostram que a suplementação proteica durante o período de gestação pode afetar a qualidade dos oócitos ou a formação embrionária precoce, resultando em poucos bezerros obtidos nos primeiros 21 dias da estação de parição (MARTIN et al., 2007).  Os autores descreveram ainda que as novilhas nascidas de vacas suplementadas durante o terço final da gestação apresentaram taxa de prenhês maior que as novilhas filhas de vacas não suplementadas. Entretanto, é conhecido que o suprimento de oocistos viáveis determinara numericamente a vida reprodutiva da fêmea. Desenvolvimento pós-natal em resposta a programação fetal Um dos fatores do mal desenvolvimento fetal trata-se da restrição alimentar durante o terço final da gestação. Em estudo realizado por Barker et al. (1993) avaliando registros do nascimento de bezerros no Reino Unido e Europa, e relacionaram diferentes tipos de estresse maternal com o peso jovem e características físicas de bezerros ao nascimento e suas consequências sobre o estados de saúde durante o resto da vida. Eles relataram que a subnutrição maternal na primeira metade da gestação, seguida de nutrição adequada na segunda metade da gestação, resultaram em bezerros de peso normal ao nascimento. Entretanto, os bezerros eram mais finos e mais longos que o normal. Esta subnutrição fetal inicial resultou no aumento do índice de problemas de saúde, enfrentados por estes indivíduos quando adultos, neles são incluídos a obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Underwood et al. (2010) relataram aumento no ganho de peso, peso final e peso da carcaça quente em novilhos de vacas que estiveram em pastagens melhoradas entre os 120 e 180 dias da gestação, quando comparados com a progênie de vacas em pastagens nativas durante o mesmo período de gestação (TAB. 1). Novilhos oriundos de vacas que estiveram em pastagem melhorada apresentaram aumento na deposição de gordura na carcaça e tendiam a melhores pontuações quanto à deposição de gordura de marmoreio, quando comparados com novilhos de vacas em pastagens nativas. A suplementação proteica durante o final da gestação permite elevado peso ao desmame, GMD para o desmame e maior proporção de bezerros desmamados, quando comparamos bezerros de matrizes suplementadas e não suplementadas em sistemas de pastagens de inverno, (STALKER et al., 2006; LARSON et al., 2009). Porém, Larson et al. (2009) relatou aumento no peso da carcaça quente, e pontuações de marmoreio em novilhos de vacas que receberam suplementação proteica durante a gestação. Entretanto, Stalker et al. (2006), não encontrou diferenças de desempenho e características de carcaça em novilhos confinados, quando comparou novilhos de vacas suplementadas e não suplementadas poteicamente. A ausência de diferença, entre os dois grupos de novilhos estudados, pode ter ocorrido devido ao elevado período de desmame, nos bezerros filhos de vacas não suplementadas. A tabela 2 ilustra os resultados encontrados pelos autores supracitados. Em estudo avaliando bezerras, filhas de vacas sobre suplementação proteica, houve aumento do peso das crias no momento da desmama, sem variação no peso ao nascer (TAB. 3). Porém, não apresentaram diferença na idade à puberdade. Entretanto, a suplementação proteica da mãe proporcionou um ponto positivo na vida adulta da sua prole, onde permitiu o aumentou da taxa de prenhes de sua prole no momento da primeira estação de monta (MARTIN et al., 2007). Qualidade da carcaça e cortes cárneos Animais com crescimento pré-natal e pós-natal acelerados tendem a ter um maior número de fibras musculares com áreas de secção transversal menores, consequentemente, produzem carne de melhor qualidade (GONDRET et al ., 2005). A quantidade de gordura intramuscular que determina a taxa de peroxidação de lipídeos, a qual pode causar mudanças de cor e sabor à carne (WU et al ., 2006). A deposição do tecido adiposo na carcaça é regulada pela libertação de insulina em ação conjunta da leptina, secretada a partir do próprio tecido adiposo. A leptina regula o gasto energético e o consumo de alimentos, tornando-se um importante hormônio do processo de crescimento. Assim, tanto a insulina quanto a leptina são hormônios importantes no armazenamento de nutrientes, especialmente relacionadas com a adiposidade (PECK, 2013).  A secreção destes hormônios é considerada anormal em animais que sofreram algum tipo de restrição alimentar, principalmente no terço inicial da gestação. Ford et al. (2007) demonstraram em testes de tolerância à glicose, níveis de hiperglicemia em consequência da alterada secreção de insulina, em cordeiros nascidos de ovelhas com restrição de nutrientes a partir de 28º dias de gestação. Gardner et al. (2005) relataram que a subnutrição, induzida ao final da gestação, altera a interação normal entre a glicose e a insulina no pós-parto, proporcionando evidências de efeitos hormonais como intolerância a glicose e resistência à insulina, devido a nutrição materna ineficiente. De fato, tais anormalidades hormonais impactam diretamente a composição do tecido corporal durante a vida adulta e por sua vez na qualidade da carcaça. Alguns estudos desenvolvidos com objetivo de avaliar a qualidade da carne de bovinos de corte, criados a pasto, em função do não atendimento da demanda nutricional de fêmeas gestantes, demonstraram que houve diferenças substanciais na composição e qualidade da carcaça da prole quando alcançaram a idade de abate (BERGE, 1991; HEARNSHAW, 1997). Estes autores concluíram ainda que, grupos de baixa nutrição pré-desmame, geralmente têm menos gordura do que os grupos de nutrição elevada no período pré-desmame. Entretanto, se comparados a um peso de carcaça constante, as diferenças de gordura geralmente desaparecem. Há evidências mostrando que a restrição no desenvolvimento fetal está associada com alterações na composição muscular de todo o corpo, bem como a distribuição específica do tipo de fibra muscular no músculo. A diminuição da musculosidade é um resultado normal da subnutrição maternal, principalmente devido à diminuição da energia disponível (WU et al., 2006). A diminuição da miogênese reduz a formação das fibras musculares e consequentemente a qualidade de cortes cárneos em bovinos ao atingir a idade de abate. A área de olho de lombo, considerada um parâmetro de musculosidade, foi reduzida ao nascimento em cordeiros filhos de ovelhas com fornecimento restrito de nutrientes, quando comparado com os cordeiros nascidos de ovelhas sem restrição, o que poderia indicar que prole de mães com restrição de nutrientes no nascimento exibiu musculosidade reduzida (PECK, 2013).  Avaliando os impactos da desnutrição no início da gestação, seguida de realimentação, no crescimento fetal bovino Long, et al., (2014) encontraram diferentes tamanhos de circunferência abdominal com reduzida musculosidade em fetos quem sofrem restrição nutricional. Estes fetos apresentaram menor comprimento de fibras musculares que fetos que não sofreram restrição, assim, provavelmente, apresentariam reduzida qualidade de carcaça ao abate. Considerações finais A formação do tecido muscular é um fator importante na produção de carne de qualidade, em que a nutrição maternal assume papel importante no fornecimento do aporte nutricional. O manejo nutricional da dieta maternal durante o inicio da gestação proporcionará adequada transferência nutricional entre a placenta e o feto em desenvolvimento. A formação do tecido adiposo no início da gestação proporcionara uma carne de qualidade elevada. Novos estudos são necessários para correta determinação de como se comportam os tecidos muscular e adiposo nos períodos pré e pós-parto em relação aos níveis de fornecimento nutricional, durante as primeiras semanas de gestação, principalmente com relação ao fornecimento mineral e energético nesta etapa.

Gráficos e Tabelas




Referências

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