Questões de gênero no Projeto de Assentamento Queima Fogo, Pompéu-MG: a percepção feminina sobre o reconhecimento de seu trabalho.

Sara Brito borges Maia1, Matheus Anchieta Ramirez2, Samilla vieira dos santos3, Mariana Brito Gomes4, Ranier chaves Figueiredo5, Agatha bacelar Rabelo6, Walquiria Goes Correa7, Edgard Onoda Luiz Caldas8
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RESUMO -

Objetivou-se avaliar a percepção de mulheres de um assentamento da reforma agrária, quanto à valorização de suas atividades por membros do próprio núcleo familiar e por membros externos a esse. Aplicou-se entrevista semi estruturada com moradoras do assentamento Queima Fogo, localizado na região de Pompéu-MG. Observou-se que as entrevistadas se sentem mais reconhecidas pelo núcleo familiar do que pela sociedade. Obteve-se que para 80% das entrevistadas, suas atividades são reconhecidas pelos familiares. Para 65%, suas atividades são reconhecidas pela sociedade. O reconhecimento pelo núcleo familiar pode estar associado à natureza das funções desempenhadas pela mulher, pautadas por atividades ligadas ao autoconsumo e provimento de tarefas domiciliares. Para as entrevistadas as atividades desenvolvidas por elas são valorizadas dentro do núcleo familiar.

Palavras-chave: agricultura familiar; equidade; gênero; trabalho feminino

Gender issues in the Queima Fogo settlement, Pompéu-MG: the female perception about the recognition of her work.

ABSTRACT -   The objective of this study was to evaluate the perception of women in a settlement of agrarian reform, regarding the acceptance of their activities by members of the family nucleus itself and by members external to it. A semi-structured interview was directed to residents of the Queima Fogo settlement, located in the region of Pompéu MG. It was observed that the interviewees feel more recognized by the family nucleus than by society. It was obtained that for 80% of the interviewees, their activities are recognized by the relatives. For 65%, its activities are recognized by society. The recognition by the family nucleus can be associated to the nature of the functions performed by the woman, based on activities related to self consumption and provision of household tasks.
Keywords: family farming; equity; genre; female work.


Introdução

No Brasil o movimento de mulheres rurais teve início na década de 80 e ganhou força com a incorporação da mulher nos sindicatos rurais. Neste sentido uma das principais reivindicações almejada por estes movimentos foi a inclusão das mulheres no sistema previdenciário. Assim com a promulgação da constituição de 1988, a mulher passou a ser reconhecida como possível beneficiária para a aposentadoria rural (Brumer, 2004). O trabalho produtivo realizado pelas mulheres no âmbito da agricultura familiar é subestimado pelas fontes estatísticas oficiais, pois parte-se da premissa que a mulher ocupa o espaço da casa e que sua atividade principal é, portanto, a atividade doméstica (Pacheco, 1996). A expansão dos movimentos sociais, a união e o empoderamento das mulheres, levou-as a ter consciência da importância de seu trabalho dentro e fora da unidade de produção. Muito além da complementação da renda familiar, a trabalhadora rural, além de estar presente na produção agrícola desde a infância, também assume muito cedo o papel de mãe e esposa, trabalhando nos afazeres rurais, nas hortas e pequenas criações para sustento e alimentação da família. Objetivou-se avaliar a percepção de mulheres assentadas no Projeto de Assentamento (PA) Queima Fogo quanto à valorização de suas atividades por membros do próprio núcleo familiar e por membros externos a esse.

Revisão Bibliográfica

A inserção do trabalho feminino no meio rural se dá de maneira desigual e subordinada, quando comparada à inserção do trabalho masculino (Brumer, 2014). Desta forma observa-se que o reconhecimento do trabalho feminino no meio rural se dá de maneira tardia e desigual (Brumer, 2002). Desta forma tem-se que, historicamente, a contribuição das mulheres no setor produtivo agropecuário fora interpretada como “ajuda” ao trabalho masculino (Brumer, 2002), ou até mesmo negligenciado como atividade produtiva. Alguns trabalhos demonstram que a mulher é em sua grande maioria a responsável pelo trabalho relacionado à produção para o autoconsumo. Neste sentido, segundo MDA/NEAD (2006) em 2004, dedicaram-se às atividades de autoconsumo cerca de 3.387.184 pessoas, com uma taxa de participação de 68,2% de mulheres e 31,8% homens. Com a inclusão das mulheres rurais no cenário de lutas e movimentos em prol da questão agrária, reemergentes ao final do regime militar (1964 – 1985), observou-se a consideração das mulheres como verdadeiras personagens políticas no Brasil, rompendo a invisibilidade do trabalhado feminino no meio rural (Sales, 2007).

Materiais e Métodos

O assentamento Queima Fogo existe desde o ano de 2009, localizado na região de Pompéu-MG, onde foram assentadas 44 famílias. A metodologia utilizada para coleção das informações foi a aplicação de uma entrevista semi estruturada envolvendo a percepção das entrevistadas quanto à valorização de suas atividades. A entrevista foi aplicada as mulheres do PA por alunas do Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária da UFMG. Desta forma a seleção das famílias entrevistadas ocorreu de forma arbitrária, incluindo apenas as propriedades que sabidamente residiam mulheres. Foram realizadas entrevistas com 20 mulheres de 20 propriedades diferentes. Esta amostra representa 45,45% das propriedades pertencentes ao P.A. (Projeto de Assentamento) Queima Fogo.  As entrevistas foram feitas apenas por mulheres para que estas não se sentissem inibidas ou reprimidas ao responderem as questões. Em seguida os dados foram tabulados e procedeu-se análise qualitativa das informações coletadas. A pesquisa foi possível em decorrência do prévio conhecimento das pesquisadoras com as famílias assentadas decorrente de um projeto de extensão universitária da Universidade Federal de Minas Gerais com o PA Queima Fogo.  

Resultados e Discussão

Das 20 mulheres, 16 sentem que seu trabalho é reconhecido pelo núcleo familiar, duas declaram que não sentem seu trabalho reconhecido, uma mora sozinha e outra sente seu trabalho reconhecido apenas as vezes. Desta forma, 80% das mulheres sentem seu trabalho reconhecido pelo núcleo familiar. Observa-se que as entrevistadas, de modo geral, se sentem valorizadas pelos familiares. Este dado difere dos apontamentos de Melo (2002) e Sarti (1997), que descrevem a desvalorização das tarefas desempenhadas por mulheres no meio rural. Assim pode-se observar que segundo a percepção das entrevistadas, prevalece uma cultura familiar de valorização das atividades executadas por elas dentro dos núcleos familiares do assentamento Queima Fogo. Claval (2007), aponta a existência de culturas familiares que prevalecem em ambientes domiciliares. Entretanto no âmbito social, as culturas familiares perdem valor frente as culturas hegemônicas na sociedade. Deste modo pode-se observar que os valores praticados nos ambientes domiciliares do assentamento Queima Fogo podem ser menos discriminatórios quanto ao gênero. É importante ressaltar que este dado reflete a percepção das entrevistadas, assim, a entrevistada pode influenciar seu julgamento por elementos outros, como o afeto por seus entes. Observa-se, pois, que o questionário não especifica qual o tipo de valorização estava em questão, afetiva, monetária ou outra. Quanto ao reconhecimento pela sociedade, 13 mulheres sentem-se reconhecidas, 6 não se sentem reconhecidas e uma sente-se parcialmente reconhecida. Observa-se que o reconhecimento relatado pela sociedade se difere do encontrado para o núcleo familiar. Assim, segundo a percepção das entrevistadas, a sociedade valoriza menos o trabalho feminino. Quando questionadas sobre o reconhecimento de seu trabalho por pessoas não pertencentes ao seu núcleo familiar, 30% das entrevistadas não se sentem reconhecidas, enquanto 10% não sentem seu trabalho reconhecido por pessoas do seu núcleo familiar. Esse maior número de não reconhecimento por pessoas “de fora” pode ser relacionado à invisibilidade do trabalho feminino, uma vez que as atividades domésticas, o trabalho no campo para o autoconsumo, a criação dos filhos e mesmo o trabalho agrícola são considerados uma extensão do seu papel como mãe, esposa e dona de casa.

Conclusões

Considerando o reconhecimento do trabalho da mulher dentro da propriedade, grande parte das mulheres sentem-se valorizadas pelo núcleo familiar. Quanto ao reconhecimento de seu trabalho por membros de fora da propriedade a taxa de mulheres que se sentem valorizadas diminui. O reconhecimento pelo núcleo familiar pode estar associado à natureza das funções desempenhadas pela mulher, pautadas por atividades ligadas ao autoconsumo e provimento de tarefas domiciliares o que não é igualmente reconhecido fora do núcleo familiar.


Referências

BRUMER, A. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura. Revista Estudos Feministas, Florianópolis: V. 12, n.1, p. 205-227, 2004. Brumer, A. Previdência social rural e gênero. Sociologias, 4(7), 50-81. 2002. CARNEIRO,M.J.Herança e gênero entre agricultores familiares. Revista Estudos Feministas, segundo semestre, ano/vol. 9, número001. Universidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,2001. CLAVAL,P.A geografia cultural.3.Ed.Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis-SC, 2007. mda/nead. Núcleo DE ESTUDOS AGRÁRIOS E DESENVOLVIMENTO RURAL. Gênero, agricultura familiar e reforma agrária no Mercosul. 2006 MELO, L. A. de. Injustiças de gênero: o trabalho da mulher na agricultura familiar. In: Encontro Da Associação Brasileira de EstudosPopulacionais,13., 2002, Ouro Preto. Sales, C. D. M. V. Mulheres rurais: tecendo novas relações e reconhecendo direitos. Estudos feministas, 15(2), 437-443.2007. SARTI, C. A. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória.