Suplementação lipídica sobre o perfil da gordura do leite de vacas leiteiras

Deicylene da Silva Nunes1, Bárbara Cardoso da Mata e Silva2, Fernando César Ferraz Lopes3, Vinícius Sacramento Pacheco4, Marco Antônio Sundfeld da Gama5, Mirton José Frota Morenz6, Alessandra Silva Dias7, Jordânia Gabriela de Souza Matias8
1 - Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS
2 - Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS
3 - Embrapa Gado de Leite
4 - Universidade Federal de Juiz de Fora
5 - Embrapa Gado de Leite
6 - Embrapa Gado de Leite
7 - Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS
8 - Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS

RESUMO -

Diversas pesquisas foram realizadas para alterar a composição da gordura do leite, tornando-a mais adequada ao consumo humano. Com foco na redução do risco de doenças cardiovasculares tem-se buscado a diminuição dos teores dos ácidos graxos saturados de cadeia média, e incremento da concentração do ácido oleico no leite. Por suas propriedades anticarcinogênicas tem sido também alvo das pesquisas elevar as concentrações dos ácidos linoleicos conjugados (CLA), cujo principal isômero no leite bovino é o ácido rumênico, além de seu precursor na síntese endógena na glândula mamária, o ácido vacênico. Um importante aspecto que normalmente implica em mudanças positivas no perfil de ácidos graxos da gordura do leite de ruminantes diz respeito à suplementação de dietas com fontes lipídicas ricas em ácidos oleico, linoleico e/ou α-linolênico, tais como óleos e grãos. Nesse contexto, objetivou-se descrever os efeitos da suplementação lipídica sobre o perfil da gordura do leite de vacas leiteiras.

Palavras-chave: Ácidos graxos, insaturados, lipídios, saturados

Lipid supplementation on milk fat profile of dairy cows

ABSTRACT - Several researches were carried out to alter the composition of milk fat, making it more suitable for human consumption. With a focus on reducing the risk of cardiovascular diseases, we have sought to reduce the levels of saturated medium chain fatty acids and increase the concentration of oleic acid in milk. Due to its anticarcinogenic properties, it has also been the aim of the research to increase the concentrations of conjugated linoleic acids (CLA), whose main isomer in bovine milk is rumenic acid, besides its precursor in the endogenous synthesis in the mammary gland, the vaccenic acid. An important aspect that normally implies positive changes in the fatty acid profile of ruminant milk fat concerns the supplementation of diets with oleic, linoleic and/or α-linolenic acid-rich lipid sources such as oils and grains. In this context, the objective was to describe the effects of lipid supplementation on the milk fat profile of dairy cows.
Keywords: Fatty acids, lipids, saturates, unsaturates


Revisão Bibliográfica

A gordura dietética é usada na alimentação de vacas leiteiras a fim de aumentar a ingestão de energia líquida, sendo também forma de manipular o perfil de ácidos graxos (AG) do leite, reduzir o risco de acidose ruminal, bem como a emissão de metano, o que vem ganhando grande interesse atualmente (van Lingen et al., 2014). As fontes comumente empregadas na alimentação animal são sementes inteiras de oleaginosas (soja, canola, linhaça, girassol), óleos vegetais e gorduras livres (sebo – proibido a utilização no Brasil) (Tabela 1) e as gorduras “inertes” (sais de cálcio de ácidos graxos) (Amaro et al., 2012). A dieta dos ruminantes normalmente contém até 5% de gordura e a recomendação quanto à inclusão de óleo é que este valor não ultrapasse 7% da MS. Neste contexto, óleos vegetais, tais como aqueles encontrados em alimentos comuns, podem também ser utilizados na alimentação de vacas leiteiras e variam no perfil lipídico nas concentrações dos ácidos oleico, linoleico e palmítico, influenciando na produção e composição do leite, notadamente quanto ao teor de gordura (Grummer, 1991). Essa composição centesimal é de grande importância para os diversos setores envolvidos na cadeia produtiva. Para os consumidores, ela possui valor nutricional, e para os produtores e indústrias processadoras é fundamental, pois a remuneração tem sido baseada na sua qualidade, tendo a gordura como o principal componente energético do leite, responsável pelas propriedades físicas e pela qualidade organoléptica e, com isso, também sobre as características industriais, possuindo dessa forma, importante valor econômico (Bauman; Griinari, 2001). Alguns aspectos devem ser observados quando adota-se suplementação lipídica na dieta de vacas leiteiras. Um deles seria a queda no consumo de alimentos e, por conseguinte, na produção de leite (Rego et al., 2009), possivelmente decorrente de alterações na fermentação ruminal e consequente redução na digestibilidade da dieta (Jenkins, 1993). Schroeder et al. (2004) em revisão de 18 experimentos que avaliaram os principais efeitos da suplementação lipídica sobre a produção e composição do leite de vacas leiteiras a pasto, observaram que a produção foi numericamente aumentada em 80% dos experimentos, mas em apenas 40% foram diferentes estatisticamente (P<0,05). Este fato ocorreu principalmente com a suplementação de AG saturados (1,08 kg/dia) quando comparada à realizada com AG insaturados (0,73 kg/dia). Ribeiro et al. (2014) utilizaram diferentes níveis de inclusão de óleo de girassol na dieta de vacas em lactação recebendo capim-elefante picado e verificaram que não houve efeito dos tratamentos sobre a produção de leite, mesmo com os animais ingerindo dieta com maior conteúdo de energia. Onetti e Grummer (2004) realizaram revisão de literatura compilando 41 experimentos com diferentes fontes e níveis de gordura nas dietas de vacas leiteiras.  Eles verificaram aumento médio de 1,29 kg/dia na produção de leite em 23 experimentos que utilizaram gordura protegida com óleo de palma. Souza (2011) verificou que houve efeito linear decrescente da inclusão de óleo de girassol na matéria seca (MS) de dietas à base de cana-de-açúcar (0,0; 1,5; 3,0; 4,5% de MS) sobre o teor de gordura do leite. O mesmo efeito foi observado no trabalho de Ribeiro (2009) com a suplementação de capim-elefante picado com níveis crescentes de óleo de soja (0,0; 1,5; 3,0; 4,5 de MS na dieta total), justificando esse fato pelo baixo valor do pH ruminal e aumento do teor dos isômeros de CLA trans-10 cis-12 e CLA trans-9 cis-11 no leite, que são capazes de reduzir a lipogênese na glândula mamária ocasionando a depressão de gordura no leite. Um dos efeitos observados no perfil de AG no leite com a inclusão de óleo na dieta é a redução do teor de ácidos graxos saturados (AGS) e o incremento na concentração de ácidos graxos de cadeia longa (AGCL), principalmente aqueles com 18 carbonos e, especialmente, os monoinsaturados, como o ácido oleico (C18:1 trans-9). Já os teores dos ácidos linoleico (C18:2 cis-9 cis-12) e α-linolênico (18:3 n-3) são influenciados pelos AG predominantes no óleo suplementado (Marín et al., 2013).  Agenäs et al. (2002) relataram que a gordura do leite de vacas sob pastejo recebendo suplementos com óleo de soja, apresentou menores teores de AG de cadeia curta (C4:0 a C14:0) e maiores concentrações de esteárico (C18:0), oleico e ácido rumênico (C18:2 cis-9, trans-11) no leite, e este último, com aumento de 85,7% quando comparado ao grupo controle. Stoffel et al. (2014) realizaram compilação de trabalhos para avaliar o efeito da suplementação com gordura e óleo no perfil de AG do leite de vacas alimentadas com dietas à base de silagem de milho. Estes autores encontraram que em dietas em que o principal AG suplementar foi o oleico ou o linoleico houve redução do teor de AG com cadeia menor que 16 carbonos, sendo a maior queda associada à suplementação com ácido linoleico. Eles também observaram aumento na produção de ácido esteárico, que é resultante de reações de biohidrogenação (BH) completa dos ácidos graxos poliinsaturados no rúmen (Figura 1), além do incremento do seu consumo por meio da dieta (Bauman et al., 2003). O ácido oleico do leite provém da captação pela glândula mamária que pode ser de origem dietética ou a partir do tecido adiposo, quando animais mobilizam reservas de gordura. Além disso, pode ser sintetizado na glândula mamária por meio da ação da enzima Δ9-dessaturase sobre o ácido esteárico (Ntambi et al., 1999).  Quando há suplementação lipídica com o incremento de ácido linoleico ou α-linolênico na dieta, a concentração de ácido oleico na gordura do leite depende da BH completa, que aumenta a disponibilidade de ácido esteárico para a glândula mamária, em que 49% a 60% desse AG disponível é dessaturado a ácido oleico pela ação da enzima Δ9-dessaturase, sendo responsável por 60% do total de ácido oleico no leite (Shingfield et al., 2010). A inclusão de óleo vegetal rico em ácido linoleico ou α-linolênico eleva os teores de ácido vacênico (C18:1 trans-11) e rumênico (C18:2 cis-9, trans-11) na gordura do leite. Uma vez que o ácido rumênico não é intermediário do ácido α-linolênico na BH ruminal, seu incremento se deve ao aumento na produção do vacênico no rúmen que, posteriormente, é absorvido e dessaturado na glândula mamária pela Δ9-desaturase (Figura 1) (Bauman et al., 2003). Ribeiro et al. (2014) trabalharam com dietas à base de capim-elefante picado suplementado com níveis crescentes de óleo de girassol. Eles observaram incremento linear na concentração de ácido rumênico no leite com a inclusão do óleo na dieta, e aumento respectivamente de 244% entre o tratamento controle e aquele com 3,7% de óleo de girassol na dieta. Já a concentração do isômero CLA trans-10 cis-12 (leva a depressão na gordura do leite) apresentou valor médio de 0,019 g/100 g de AG totais, não influenciando o teor de gordura, sendo que o baixo valor desse AG no leite foi atribuído à elevada relação volumoso:concentrado da dieta. Rego et al. (2009) verificaram aumento no teor de ácido rumênico no leite de vacas sob pastejo em gramíneas de clima temperado suplementadas com 0,5 kg/dia de óleo de girassol. Segundo Vlaeminck et al. (2006), vacas leiteiras alimentadas com gordura suplementar rica em ácido linoleico, como o óleo de girassol, têm o crescimento da microbiota alterado, com reduções no fluxo de AG de cadeia ímpar e ramificada (AGCIR), que são derivados das membranas dos microrganismos ruminais, e na sua absorção pelo duodeno e, consequentemente, com proporções menores no plasma e leite. As alterações no perfil de AG em virtude da suplementação lipídica são tempo-dependentes e estão diretamente associadas às mudanças no ambiente ruminal e às variações das concentrações de intermediários específicos da BH, decorrentes do processo de adaptação da microbiota do rúmen à suplementação com elevados níveis de lipídios nas dietas (Shingfield et al., 2006). Estes autores trabalharam com dietas baseadas em silagem de milho suplementada com óleos de girassol e de peixe, e observaram que os ácidos rumênico e vacênico atingiram a concentração máxima no leite no quinto dia após o inicio do fornecimento das dietas. A partir daí e até o 15o dia houve decréscimo nas concentrações destes dois AG, que se mantiveram estáveis até o final do experimento (28o dia). As concentrações de butírico (C4:0) ao mirístico (C14:0) foram progressivamente reduzidas ao longo do experimento, enquanto que o teor de palmítico reduziu-se até o 7o dia, mantendo-se relativamente estável a partir de então. Também a partir do 7o dia a concentração do ácido oleico reduziu-se, elevando-se a partir daí. Ribeiro (2013) observou que a partir do início da suplementação com óleo de girassol em dieta à base de capim-elefante picado, os AG de cadeias curta e média apresentaram redução acentuada até o 3o dia de fornecimento do óleo, com os valores sendo mantidos até a suspensão da suplementação no 21o dia do experimento. Após esse período, esses AG apresentaram rápido retorno até concentrações próximas às observadas no dia 0. Já os teores dos AG oleico e vacênico no leite foram elevados de forma rápida até o 6o dia, havendo relativa estabilidade até o final da suplementação. O teor do ácido rumênico apresentou comportamento crescente até o final do período de suplementação, e, portanto, os valores máximos não foram alcançados, sendo sugerido pelo autor que experimentos mais longos seriam necessários para certificar o comportamento do ácido rumênico. Contudo, os AG inibidores da secreção de gordura do leite também apresentaram esse efeito, com elevação contínua dos seus teores, indicando que sob condições mais prolongadas de fornecimento, pode haver comprometimento da secreção de gordura no leite.

Gráficos e Tabelas




Referências

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