Surtos de anaplasmose em rebanhos bovinos leiteiros de Unaí, Noroeste de Minas Gerais, Brasil
2 - Cooperativa Agropecuária Unaí Ltda.
3 - Universidade de São Paulo
4 - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
5 - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
RESUMO -
O estudo acompanhou dois surtos de anaplasmose em duas propriedades leiteiras de Unaí, Minas Gerais, Brasil. Na propriedade 1, foram 90 animais acometidos e quatro vieram a óbito. Na propriedade 2, foram 45 animais acometidos e 4 vieram a óbito. Em ambos os casos foi adotado o tratamento terapêutico com três administrações de Oxytetracycline 20 mg/kg com intervalos de 48 horas e submetidos a transfusão sanguínea. Porém, a transfusão sanguínea foi realizada com volume sanguíneo inferior ao necessário. O volume de sangue necessário para um tratamento ideal em bovinos é muito grande, na prática, o que se recomenda é a transfusão de 1,0 a 3,0 litros de sangue para um bezerro ou novilha dividida em uma a três aplicações com intervalo de 48 horas. A anaplasmose, sendo uma das principais enfermidades da bovinocultura leiteira do noroeste mineiro, necessita de atenção especial em bezerras dos 60 aos 150 dias de idade. Em casos onde o tratamento com Oxytetracycline não é instituído os animais podem vir a óbito. Adicionalmente, em casos mais severos, tão importante quanto o tratamento medicamentos é a transfusão sanguínea com o intuito repor as células vermelhas e ajustar a volemia.
Outbreaks of anaplasmosis in dairy herds of Unaí, Northwest of Minas Gerais, Brazil
ABSTRACT - The present study followed two outbreaks of anaplasmosis in two dairy farms in the city of Unaí, Minas Gerais, Brazil. On property 1, 90 animals were affected and four died. On property 2, 45 animals were affected and 4 died. In both cases, therapeutic treatment was adopted with three administrations of Oxytetracycline 20 mg / kg at 48-hour intervals and blood transfused. However, the blood transfusion was performed with a lower blood volume than necessary. The volume of blood needed for optimal treatment in cattle is very large, in practice what is recommended is the transfusion of 1.0 to 3.0 liters of blood to a calf or heifer divided into one to three applications with a range of 48 hours. Anaplasmosis, being one of the main diseases of dairy cattle in the northwest of Minas Gerais, requires special attention in heifers from 60 to 150 days of age. In cases where treatment with Oxytetracycline is not instituted the animals may die. In addition, in more severe cases, as important as the medication treatment is the blood transfusion with the intention of replacing the red cells and adjusting the blood volume.Introdução
A produção brasileira de foi de 35,2 bilhões de litros em 2014 (IBGE, 2015). Embora esteja presente em todo o território nacional, a produção de leite se destaca sobretudo nas regiões Sul e Sudeste do país, com produções acima de 12 bilhões de litros por estado em 2014. Entre os 200 municípios de maior produção de leite, 83 (41,5%) estão localizados na região Sul e 68 (34%) na região Sudeste, seguidas por 32 (16%) municípios do Centro-oeste, 10 (5%) no Nordeste e 7 (3,5%) no Norte. A cidade com maior produção de leite no país é Castro, no Paraná, com produção de 239 milhões de litros em 2014. Na sequência, as maiores produções foram registradas em Piracanjuba – GO; Patos de Minas – MG; Jataí – GO e Carambeí – PR. O município de Unaí, localizado na região noroeste de Minas Gerias, constitui o 10º maior produtor de leite do Brasil, com 112 bilhões de litros de leite em 2014.
Implementação de um programa de controle, tratamento e prevenção da anaplasmose depende do conhecimento adequado da resposta imune dos animais e dos fatores de risco associados com sua transmissão (SWAI et al., 2005). O estabelecimento das classes de animais mais vulneráveis do rebanho pode representar um método mais adequado de controle e prevenção. Desta forma, o presente estudo relato o acompanhamento de dois surtos de anaplasmose bovina em duas propriedades leiteiras do município de Unaí, Minas Gerais, Brasil.
Revisão Bibliográfica
As doenças transmitidas por carrapatos são importantes limitadores do desenvolvimento da indústria pecuária mundial. Em particular, a associação dos protozoários Babesia bovis, Babesia bigemina e a Rickettsia Anaplasma marginale é responsável por importantes doenças de impactos econômico, social e epidemiológico, sobretudo na África, Austrália, Ásia e América.
Anaplasma marginale é o mais prevalente patógeno transmitido por carrapatos no mundo, distribuido nos seis continentes e responsável por alta morbidade e mortalidade em bovinos (KOCAN et al., 2010). Bactérias do gênero Anaplasma são patógenos intracelulares obrigatórios, podendo ser transmitidas biologicamente por carrapatos, mecanicamente por moscas hematofagas e sangue infectado em fômitis, e, menos comumente, por via transplacentária (KOCAN et al., 2010). A distribuição mundial e alta patogenicidade do A. marginale e decorrente da capacidade desta bactéria ser transmitida por diversos vias.
Na literatura existem poucos trabalhos sobre os fatores de risco associados à frequência de A. marginale em rebanhos leiteiros. Liberg (1977) constatou diferenças nas concentrações séricas de globulina contra A. marginale em rebanhos leiteiros em função do grupo etário. Chorfi et al. (2004) verificaram que a concentração de globulinas apresentou relação inversa com a produção de leite, enquanto que a idade dos animais demonstrou correlação positiva. Bezerros tornaram-se infectados em torno de 62 dias de idade. Os anticorpos colostrais persistiram por um período variável de 12 a 40 dias, sendo que todos os animais apresentaram parasitemia, porém apenas metade apresentou sintomas clínicos (RIBEIRO et al., 2003). Estes relatos demonstram que diversos fatores devem ser considerados como pré-analíticos na interpretação das concentrações de globulina sérica e necessitam de mais estudos na área de bovinos de leite.
Levantamentos soroepidemiológicos realizados no Brasil mostram que a maioria das áreas pecuárias são caracterizadas como de estabilidade endêmica para A. marginale (ARAÚJO et al., 1998). Nestas áreas, bezerros são infectados pela primeira vez durante os primeiros meses de vida, quando em geral, os animais encontram-se protegidos pelos anticorpos colostrais. Porém, o manejo adotado nas propriedades, sobretudo as leiteiras, tem favorecido a ocorrência de anaplasmose nos bezerros (MELO et al., 2001). A falha na transferência da imunidade passiva, ou mesmo o declínio natural dos anticorpos colostrais, associados as altas infestações por carrapatos, são fatores que devem ser considerados para a ocorrência de anaplasmose neste período (RIBEIRO et al., 2003).
Materiais e Métodos
O Brasil é o 3º maior produtor de leite do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e Índia (IBGE, 2015). No Brasil, destaque especial deve ser dado ao estado de Minas Gerais, responsável por cerca de 30% da produção nacional. Na região noroeste de Minas Gerais deve ser dada ao município de Unaí, o maior produtor da região e o 10º maior produtor de leite do brasil. Neste estudo, duas propriedades com casos clínicos de anaplasmose foram acompanhadas. Essas propriedades apresentavam as seguintes características:
Propriedade 01
- Rebanho de 1.000 animais;
- Rebanho composto por animais holandeses cruzados com Kiwi Cross;
- Produção diária variando de 9.000 kg/leite/dia;
- Produtividade média da propriedade de 25 kg/leite/animal/dia;
- Bezerras criadas em sistema de casinha, novilhas em pastejo rotativo e vacas confinadas
Propriedade 02
- Rebanho de 800 animais;
- Rebanho composto por animais holandeses cruzados com Gir;
- Produção diária variando de 7.500 kg/leite/dia;
- Produtividade média da propriedade de 26 kg/leite/animal/dia;
- Bezerras criadas em sistema de casinha novilhas em pastejo rotativo e vacas confinadas.
Resultados e Discussão
As principais alterações clinicas causadas pela enfermidade aguda consiste em aumento de temperatura corporal e redução do volume globular. No presente estudo, acompanhamos casos de surto de anaplasmose em duas propriedades leiteiras do município de Unaí MG. Na propriedade 01, de um lote de 170 novilhas com idade média de 100 dias e 120 kg de peso vivo, 90 animais foram acometidos e quatro destes vieram a óbito. Na propriedade 02, de 80 bezerras com idade média de 50 dias e 70 kg de peso vivo, 45 animais foram acometidos e 4 vieram a óbito. Assim, temos duas situações epidemiológicas distintas para a ocorrência da anaplasmose em bovinos: bezerras criadas em sistema argentino sendo acometidas pela doença ainda na fase de aleitamento e novilhas na fase pós aleitamento sendo acometidas pela doença em sistema de pastejo rotativo. Em ambos os casos foi adotado o tratamento terapêutico baseado na medicação dos animais três vezes com Oxytetracycline 20 mg/kg com intervalo de 48 horas e submetidos a transfusão sanguínea. Porém, mesmo o tratamento medicamentoso tendo sido realizado de forma correta, a transfusão sanguínea foi realizada com volume de 500 mL, ou seja, volume inferior ao necessário para a maioria dos casos clínicos de anaplasmose em bezerras com peso corporal superior a 70 kg.
A anaplasmose clínica acomete principalmente bovinos jovens, entre os 60 e 150 dias de idade. Em casos clínicos, onde o tratamento com Oxytetracycline não é instituído, os animais podem vir a óbito em poucos dias por consequência do baixo volume globular. Em casos severos, onde os animais apresentam hematócrito inferior a 18%, tão importante quanto o tratamento medicamentoso, é a transfusão sanguínea com o intuito de repor as células vermelhas do sangue e ajustar a volemia do animal afetado. Nestes casos, a colheita do sangue deve ser feita preferencialmente da veia jugular de um animal adulto e sadio. O local da punção para colheita de sangue deve ser preparado com tricotomia e antissepsia e o sangue colhido em bolsas plásticas com vácuo e anticoagulante (SOLDAN, 1999). Após a punção e estabelecimento de fluxo sanguíneo, a bolsa deve ser homogeneizada para diluir o anticoagulante no sangue sem causar hemólise, mantendo a bolsa em posição inferior a via de acesso ao doador e deve-se aplicar garrote à veia proximal ao local da punção. Visto que os bovinos possuem poucas hemolisinas circulantes, as transfusões podem ser realizadas durante sete dias com poucos riscos de ocorrerem reações adversas fatais. A fórmula para cálculo do volume de sangue a ser transfundido pode ser observada a seguir:
Volume mL = 80 x peso do paciente x (Ht % pretendido – Ht % do paciente) / Ht % doador
Quando não se sabe o Hematócrito do doador, a fórmula para calcular é:
Volume mL = peso do paciente x (Ht % pretendido – Ht % do paciente) x 2,2
Apesar do volume de sangue obtido com esta fórmula ser considerado necessário para um tratamento ideal, em bovinos, devido ao tamanho destes, o volume de sangue a ser transfundido é muito grande, na prática, o que se recomenda é a transfusão de 1,0 a 3,0 litros de sangue para um bezerro ou novilha. Isto corresponde a aproximadamente 10 a 15 ml de sangue por kg de peso vivo do receptor e eleva o hematócrito deste em até 4%. Esse volume de sangue também corresponde ao volume que um único doador pode fornecer, evitando-se assim a mistura de sangues de diferentes origens.
Neste estudo, quando o surto foi comunicado, alguns animais já haviam sido medicados e recuperados ou vieram a óbito. Para os demais animais que se encontram doentes, adotamos o tratamento abaixo. Assim, todos os animais tratados apresentam melhora clínica em três dias, sendo que nenhum óbito foi observado.
Tratamento medicamentoso:
- Oxytetracycline 20mg/kg três vezes com intervalo de 48 horas
Transfusão sanguínea:
- Hematócrito do receptor por volta de 15,0 e peso corporal 120,0 kg
- Hematócrito do doador por volta de 36,0 e peso corporal 500,0 kg
- Volume transfundido = 80 x 120 kg x (22 % – 15 %) / 36 % = 1.867 mL
Conclusões
A anaplasmose é uma das principais enfermidades da bovinocultura leiteira do noroeste mineiro. Essa doença ocorre de forma clínica, principalmente, em bezerras dos 60 aos 150 dias de idade. Em casos onde o tratamento com Oxytetracycline não é instituído os animais podem vir a óbito. Porém, em casos mais severos, tão importante quanto o tratamento medicamentos é a transfusão sanguínea com o intuito repor as células vermelhas e ajustar a volemia.
Gráficos e Tabelas
Referências
1. ARAÚJO, F. R.; MADRUGA, C. R.; BASTOS, P. A. S.; MARQUES, A. P. C. Freqüência de anticorpos anti Anaplasma marginale em rebanhos leiteiros da Bahia. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v.50, n.3, p.243-246, 1998.
2. Chorfi, Y.; Lanevschi-Pietersma, A.; Girard, V.; Tremblay, A. Evaluation of variation in serum globulin concentrations in dairy cattle. Veterinary Clinical Pathology, v.33, n.3, 2004.
3. IBGE, 2015. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Brazilian Institute of Geography and Statistics] (in Portuguese). http://www.ibge.gov.br/home/
4. Kocan, K.M.; De La Fuente, J.; Blouin, E.F.; Coetzee, J.F; Ewing, S.A.; The natural history of Anaplasma marginale. Veterinary Parasitology, v.167, n.2-4, p.95–107, 2010.
5. Liberg p. Agarose gel electrophoretic fractionation of serum proteins in adult cattle. 1. A study of clinically healthy cows. Acta veterinary scandinavia. v.18, n.1, p.40–53, 1977.
6. MELO, V. S. P.; PASSOS, L. M. F.; FACURY-FILHO, E. J.; SATURNINO, H. M.; RIBEIRO, M. F. B. Natural infection off calves by Anaplasma marginle in dairy Herds off the Metalúrgica Region, Minas Gerais. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.21, n.4, p.146-150, 2001.
7. RIBEIRO, M. F. B.; FACURI FILHO, E. J.; Passos, L. M. F.; SATURNINO, H. M.; MALACCO, M. A. Uso de inóculo padronizado de Anaplasma marginale e da quimioprofilaxia no controle da anaplasmose bovina. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.55, n.1, p.21-26, 2003.
8. SOLDAN, A. Blood transfusion in cattle. In Practice, v.21, n.10, p.590-595, 1999.
9. Swai, E.S.; Karimuribo, E.D.; Ogden, N.H.; French, N.P.; Fitzpatrick, J.L.; Bryant, M.J.; Kambarage, D.M. Seroprevalence estimation and risk factors for A. marginale on smallholder dairy farms in Tanzania. Tropical Animal Health Production, v.37, p.599–610, 2005.