Um perfil empreendedor no agronegócio: o caso de Lair Antonio de Souza

Michele Roberta Rocha1, Marcelo Machado De Luca de Oliveira Ribeiro2, Celso da Costa Carrer3
1 - FZEA USP
2 - FZEA USP
3 - FZEA USP

RESUMO -

O presente estudo aborda uma análise de fundamentação teórica a partir de um estudo de caso, com base no perfil empreendedor de um agente do agronegócio do setor leiteiro: Lair Antonio de Souza. Ele foi o fundador da marca de Laticínio Xandô, no ano de 1982, em Araras/SP embora sua trajetória empreendedora tenha começado bem antes. O trabalho atual objetiva contribuir para o estudo comportamental do empreendedorismo, enquanto se propõe a aprofundar aspectos envolvidos na construção e consolidação do perfil empreendedor do principal responsável pela história de sucesso da marca Xandô. A metodologia proposta permite a realização de pesquisa qualitativa e exploratória, parte apoiada em entrevistas semi-estruturadas aplicadas junto aos diferentes tipos de atores que conheceram e interagiram com o empresário.

Palavras-chave: Empreendedorismo, Gestão de empresa do setor leiteiro, História de vida, Perfil empreendedor

Entrepreneurial profile in the agribusiness: the case of Lair Antonio de Souza

ABSTRACT - An analysis of a case is adopted in this study – based on the entrepreneurial profile of an agent in the agribusiness, more specifically, in the dairy sector: Lair Antonio de Souza, founder of Xandô dairy brand in 1982 in Araras / SP (even though his entrepreneurial trajectory had begun a lot earlier). The results to be achieved aim to contribute to the study of entrepreneurship and deepen aspects involved in building and consolidating the entrepreneurial profile of the main responsible for the story of success related to Xandô brand as well. The proposed methodology allows the accomplishment of a qualitative and exploratory research supported by semi–structured interviews with the different types of actors who knew and interacted with the entrepreneur.
Keywords: Entrepreneurship, Management of a dairy product company, History of life, Entrepreneurial profile


Introdução

O estudo de caso sobre o perfil empreendedor de um grande investidor do mercado de leite tipo A da cidade de Araras, interior de São Paulo em décadas recentes, busca resgatar os desafios demandados por ele na caminhada até o sucesso, além de possibilitar um melhor entendimento de como o mesmo soube lidar com dificuldades para se tornar um dos pioneiros a iniciar, por volta de 1964, a produção, beneficiamento e comercialização de um tipo de leite que primava pela qualidade e que, mais tarde no ano de 1982, receberia o nome de “Leite A Xandô”. É interessante estudar a forma como o empreendedor e empresário Lair Antonio de Souza soube inovar o segmento, provocando um ineditismo no mercado leiteiro ao optar por produzir (e verticalizar integralmente sua produção) um tipo de leite ainda visto como aquém das possibilidades financeiras da maioria dos consumidores: o leite Tipo A. Sua visão estratégica empresarial e alinhada ao mercado contribuiu para apontar para novos parâmetros positivos e paradigmas produtivos que influenciaram diretamente a elevação da produção leiteira em nível regional e nacional. Neste sentido, buscou-se fundamentação teórica e objetiva para o embasamento desse estudo, ao se tentar reunir, inicialmente, uma breve análise sobre as características de empreendedores brasileiros e suas ações de grande envergadura, que poderá servir como benchmarking empreendedor para produtores e novos entrantes que almejam se inserir de forma mais efetiva neste mercado. Um importante material de referência nesta temática advém do trabalho de pesquisa do ex-Reitor da Universidade de São Paulo, Prof. Jacques Marcovitch (2003), sobre os principais grupos empresariais brasileiros. Neste estudo o autor estudou a dinâmica do pioneirismo de empreendedores que apostaram certo na construção das bases da nossa economia geo-industrial. Segundo pesquisa realizada pela Organização de apoio a empreendedores ao redor do mundo (ENDEAVOR), em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil se configura a cada ano, como um país de empreendedores, ou seja, de pessoas que vislumbram ter seu próprio negócio ao invés de serem somente empregados. O estudo destaca ainda que esses sujeitos que compõem o panorama atual do empreendedorismo brasileiro fazem parte de um grupo bastante diversificado. Dialogando com esse parecer, Carrer (2010, p. 18), esclarece que os benefícios proporcionados por esses atores alcançam de modo geral a sociedade como um todo, a julgar pelas comunidades que são beneficiadas pela geração de emprego e renda, pela melhoria na qualidade de produtos e serviços e também para a própria empresa que vê a possibilidade de contribuir de forma mais efetiva na solução de problemas para essas comunidades locais e regionais. Nos dias de hoje, existe certo consenso na base teórica de estudos da área de estudos econômicos, que o fator humano, representado como a força de empreender, se constitui no quinto elemento a ser considerado (além dos fatores clássicos de produção, tais como: terra, capital, trabalho e tecnologia) para que o processo de desenvolvimento seja levado a termo. Além disso, na era da informação, cada vez mais, cresce a demanda de investidores que almejam aperfeiçoarem seus conhecimentos técnicos e desenvolverem sua capacidade empreendedora, seja o seu campo de atuação, uma pequena empresa ou na liderança de uma grande corporação. Faz se mister, portanto, analisar de modo pragmático e com método científico, a literatura disponível acerca desse tema, sobretudo se são pautadas em exemplos reais e concretos, em contrapartida das que promovem o ato de empreender como o exercício de algo surrealista ou mágico. A ideia central deste trabalho é tentar verificar aspectos sobre o perfil e o que se relaciona ao comportamento empreendedor do principal ator do empreendimento estudado. Para tanto, busca-se conhecer melhor o discurso do empresário Lair Antonio de Souza, que se configurou como um dos pilares empreendedores do agronegócio nesta região paulista.

Revisão Bibliográfica

Ao abordar a temática sobre perfis de grandes pioneiros do desenvolvimento da indústria brasileira, encontra-se um número considerável de estudos que relativizam as características inerentes desses visionários, que sem sombra de dúvida, contribuíram para a pujança econômica e social do nosso país, mesmo que esta tenha sido acompanhada de uma industrialização lenta e gradual. Esse movimento é justificado pelo atraso na introdução de manufaturas e mudanças nas estruturas de trabalho com a libertação tardia dos escravos em nosso país (DEAN, 1997, p. 251). Em função dessas características, há de se considerar que estes atores transcendem fatores como visão de futuro, capacidade estratégica e inovadora para contemplarem também as particularidades presentes na personalidade individual de cada empreendedor inserido em seu contexto de trabalho e atuação, conforme sugere Marcovitch (2003), na introdução do seu notável trabalho a respeito da saga dos primeiros empreendedores brasileiros. É interessante notar que o estudo das atividades empresariais é algo recente em nossa história, datando especificamente da primeira década do século XX, com o início do desenvolvimento da pesquisa nesse campo. Até então, tinha-se a conceituação de alguns estudiosos tradicionais como Schumpeter (1912) e Pirenne (1914) apud Lobo (1997, p. 271), que diziam que entre as atribuições de um empresário, estava a do papel de “inovador, de produtor de progresso técnico, de motor das transformações”, aliado à um perfil flexível e adaptado às inovações e mudanças paradigmáticas que tendiam transformar a dinâmica econômica a que o capitalismo estava submetido. A partir de 1926, nos Estados Unidos, a história dos negócios passa a ser abordada por um grupo que compunha o business history society, onde era caracterizado de forma isolada, o estudo das empresas sem contextualização a um campo socioeconômico. No Brasil, a história empresarial se intensifica a partir da década de 1970, priorizando como abordagens de pesquisa, conceitos tais como: a inserção no contexto socioeconômico, estudos de caso, papel dos empresários, ações do Estado e o empresário através dos órgãos de classe (LOBO, 1997). A autora salienta ainda o importante trabalho de reunião de depoimentos de empresários brasileiros bem sucedidos, intitulado “História empresarial vivida”, de autoria de Cleber Aquino (1991), responsável pelo programa de história empresarial na Universidade de São Paulo, desde a sua criação, em 1985. A utilização de alguns aspectos dessa análise poderá ser de grande valia e inspiração para a dissertação em curso, como os mencionados (LOBO, 1997, p. 237), a seguir: 1) Os empresários, na sua maioria são imigrantes ou filhos de imigrantes; 2) As empresas comerciais e industriais são de pequeno porte, inicialmente; 3) A direção desse tipo de empresas é familiar, modificando-se a partir das décadas de 1960,1970, com a associação de diretores profissionais; 4) Na fase exclusivamente familiar da direção da empresa, esta tende a ser centralizada e paternalista; 5) A duração da empresa geralmente está vinculada à duração da vida útil do dono, que é o empreendedor, empresário, planejador e executivo; 6) Os donos geralmente têm uma formação autodidata. 7) Paralelamente à estratégia de diversificação, ocorre a verticalização. Ainda sobre o estudo do empresariado brasileiro, outra obra clássica é a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1972), que discorreu a respeito do comportamento e mentalidade dos empresários diante das transformações do sistema capitalista e identificou dois perfis de empresários: os de mentalidade tradicional (com forte viés de acumulação patrimonialista) e os que almejam inovar sua metodologia organizacional na busca por maior produtividade e baixo custo (com forte viés de acumulação pautada no desempenho dos negócios). Justapondo aos apontamentos delineados no estudo de Cardoso (1972), Marcovitch (2007), no volume terceiro de sua já referida obra, “Pioneiros e Empreendedores”, nos incute a ideia de que existia um misto de aventura e trabalho árduo atrelado ao perfil dos pioneiros, quando menciona: “a ousadia e o fascínio pelo imponderável, guiavam os passos dos aventureiros, mas o elemento trabalho sempre atuou como fator minimizador dos riscos” (MARCOVITCH, 2007, p. 17). Segundo este autor, é digno de nota que até o início do século XX, a figura do empresário configurava-se perante a sociedade como alguém imbuído principalmente pelo desejo egoísta de posses materiais, em detrimento da busca pelos dons de espírito. Para esses últimos, se acreditava serem inerentes apenas aos intelectuais, dito que estes sabiam realmente valorizar o conhecimento. Talvez isso possa explicar a dificuldade em aceitar que o progresso tenha sido decorrente muito mais de iniciativas privadas, dada a disposição desses pioneiros em lidarem com o fator risco, que pela atuação do Estado junto ao desenvolvimento econômico do país. Neste aspecto, o autor permeia uma abordagem no entorno das discussões, sugerindo que o elemento personalidade e emoção podem dizer muito a respeito sobre o entendimento das características empreendedoras, e que, portanto, não deve ser relegado a um segundo plano, já que se insere em um contexto importante dos fatores norteadores na tomada de decisões. Na época em questão, o mando e a ordenação apareciam como um apoio preponderante na tomada de decisões, já que na ausência de uma composição sistematizada dos meios de produção, o senso intuitivo se apresentava, via de regra, como uma alternativa na tomada correta de decisões. Assim, uma atitude firme e robusta, era tida como essencial, posto que as raízes culturais desde a época do coronelismo caracterizavam um líder propenso à luta, produtor de riquezas e para este fim, deveria impor o jugo de labor e perseverança a si próprio e a outrem (MARCOVITCH, 2007, p. 14-15). Particularmente, embora as linhas delineadas para essa pesquisa estejam centralizadas no perfil de agente empreendedor no ramo do agronegócio, um entendimento acerca daqueles que constituíram os pilares do desenvolvimento industrial brasileiro, a citar como exemplo, o Conde Matarazzo e o Barão de Mauá, serve como inspiração e fonte de estudo que prioriza também a importância do fator humano na constituição de empreendimentos dos mais diversos setores. Se outrora tenha sido irrefutável o valor e a ousadia dos pioneiros empreendedores que deixaram como exemplo seu ávido esforço em romper paradigmas pré-estabelecidos, através de seus esforços individuais, para consolidarem as bases para o sucesso da dinâmica empreendedora, o que se dizer de hoje? Em quais aspectos e abordagens os estudiosos podem se apoiar a fim de constituírem um acervo notório e realmente relevante para estudos recentes sobre este tema? Quanto que a literatura atual disponível tem se remetido a entender os perfis individuais dos atores que compõem o novo cenário do empresariado brasileiro oriundo de um sistema que perpassa por contínuas transformações tecnológicas, econômicas e sociais? Ao citar como exemplo as particularidades existentes nos perfis de empreendedores contemporâneos, Bernardi (2009, p. 63) entende que, em tempos recentes, o agente empreendedor, em detrimento do comportamento austero dos empresários pioneiros a que se referiu Marcovitch, deve apresentar comportamento mais flexível e participativo nas tomadas de decisões. Embora necessitem de uma medida de agressividade e energia no processo decisório, buscam gerir o empreendimento com atitudes mais positivas e participativas, sobressaindo-se o otimismo, o dinamismo e não se esquecendo de desenvolver habilidades de relacionamento altruísta, liderança carismática e equilíbrio. Em uma abordagem específica, o perfil empreendedor do empresário Lair Antonio de Souza, atuante figura do setor da agroindústria leiteira, será objeto de análise detalhada a respeito dos caminhos percorridos por ele na construção de sua identidade como um respeitável e reconhecido homem de negócios, além de se tentar contextualizar quais foram os desafios e as decisões acertadas tomadas por ele nos diferentes ramos de negócio em que atuou. Outra forma de pesquisa está ligada diretamente ao sentido de se entender melhor como a figura central desse trabalho lidava com as questões administravas e na habilidade de delegar funções, em função de seu estilo gerencial.

Materiais e Métodos

Com o propósito de assegurar a importância dessa pesquisa e suas eventuais contribuições para estudos de caso relacionados ao agronegócio, cabe aqui citar convenientemente Zylbersztajn et al. (1993, p. 4) que parte do pressuposto de que “na medida em que o agronegócio brasileiro prospera a cada ano, a apresentação e discussão de estudos de caso em agribusiness em ambientes universitários, envolvendo pesquisadores e empresários, mostra-se favorável à disseminação de uma cultura voltada a entender os desafios que cerceiam o agronegócio no país e ao mesmo tempo desenvolvem ferramentas de estudos com aplicabilidade efetiva na resolução de impasses do setor”. Assim, a referida obra dedicou-se a apresentar estudos de caso potencialmente interessantes aos setores relacionados ao agronegócio. Logo, os estudos de caso que compõem esse material são de fácil compreensão ao público em geral e denota a importância deste tipo de iniciativa englobando os meios educacionais e privados nessas discussões. Corrobora-se aí a proposta preliminar do estudo de caso, que é a exposição de uma teoria, seja ela considerada como um exemplo efetivo de sucesso ou um modelo inovador a ser estudado, destacando a probabilidade de oferecer maiores subsídios para a ampliação dos resultados adquiridos, confirmando ou apresentando questionamento as teorias previamente apresentadas. Ainda para Gil (2002, p. 54), o estudo de caso envolve aprofundado estudo de um ou mais objeto, a fim de se permitir um conhecimento detalhado sobre o tema estudado. Dentre as várias especificações atribuídas pelo autor ao estudo de caso, a mais conveniente a este estudo é a de descrever o contexto onde está sendo realizada a investigação, formulando hipóteses e desenvolvendo teorias acerca dos fatores implícitos em um perfil empreendedor de sucesso. A esse respeito, o estudo de caso de um empreendedor visionário que buscou inovar, sendo um dos pioneiros a iniciar o processo de produção de leite pasteurizado do tipo A no país, poderá servir de referência para estudos sobre o empreendedorismo inspirando e motivando futuros investidores quer seja no meio empresarial, quer no ambiente educacional. Outrossim, a preferência pela escolha da análise de estudo de um caso único, permite dialogar com questões mais substanciais, do que apenas discorrer essencialmente sobre perfis e atuações de empreendedores renomados. Outro elemento importante são as entrevistas com os atores que contribuem com relatos e experiências em relação ao problema em questão. Por fim, a análise de exemplos que possam fornecer subsídios para um maior entendimento sobre o tema. O ponto positivo desse tipo de pesquisa segundo o autor, é que ela admite maior flexibilidade em termos de planejamento e execução das atividades estipuladas. Para delinear de forma eficaz o levantamento de dados da pesquisa exploratória, faz-se necessário o alinhamento dos dois instrumentos importantes de pesquisa segundo Gil (2002, p. 115-118):
  1. Questionário:
O questionário pode ser entendido como um conjunto de questões a serem respondidas por escrito pelo pesquisador ou pessoas ao seu entorno. É um instrumento prático, de fácil acesso as informações, não sendo necessário um complexo treinamento para aquele que o aplica e garante o anonimato, se assim for necessário. Se bem formulado pode promover adequadamente os objetivos da pesquisa. Apesar de não ser necessário seguir normas rígidas na sua elaboração é essencial que se defina claramente os objetivos a que se propõe. Para Severino (2007, p. 125), à medida que as questões são preparadas de forma objetiva, as respostas serão igualmente claras e não suscitarão dúvidas que poderão vir a prejudicar os resultados. Sugere ainda uma aplicação-teste com um grupo pequeno a fim de serem avaliadas possíveis modificações e reordenações para uma aplicação mais segura e definitiva. Cervo e Bervian (1980, p. 48) enfatizam a necessidade do questionário se caracterizar por uma natureza impessoal, garantindo maior uniformidade ao se examinar os resultados e deve-se tomar o cuidado de propor perguntas que levem rapidamente as respostas de forma que não se distancie muito da objetividade das questões. Os questionários (cujo modelo segue em anexo) aplicados no estudo atual foram formulados com seis perguntas semi-estruturadas, sendo três questões fechadas de múltipla escolha e três questões abertas discursivas. As questões procuraram buscar informações pessoais do entrevistado como nome, idade, tempo de convívio e grau de proximidade com o empresário. As questões abertas discursivas permitiram ao entrevistado apontar informações relevantes sobre a troca de experiências que manteve com o perfil estudado durante a época em que esteve vivo. O questionamento central baseou-se na tentativa de compreender quais aspectos levaram na ênfase atribuída por Lair de sua visão do trabalho, além de tentar analisar quais características empreendedoras foram mais marcantes na trajetória de sucesso do perfil estudado. No total, dez pessoas responderam a esse questionário. A seleção dos sujeitos desta pesquisa seguiu o critério de acessibilidade e histórico de convivência dos colaboradores que trabalharam com o perfil estudado, facilitando o acesso às informações, opiniões, perspectivas e análise da percepção coletiva. Para tanto, enquanto projeto, os questionários e a proposta metodológica foram submetidos à avaliação e foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos. Está cadastrado na Plataforma Brasil sob o no CAAE 55021416.5.0000.5422.
  1. Entrevista:
A entrevista pode se apresentada em diversas formas, mas costuma ser classificada em três tipos: informal, parcialmente estruturada e totalmente estruturada. Para a proposta deste estudo, optou-se pela parcialmente estruturada onde o entrevistador direciona seus pontos de interesse à medida que vai desenvolvendo seus questionamentos. Ainda para Severino (2007, p. 125), esse tipo de entrevista é bastante favorável no levantamento e desenvolvimentos de questões sociais, propiciando resultados simples de serem ordenados. Pinheiro (2013) vai um pouco além, classificando a entrevista como uma prática discursiva, ou seja, uma ação dentro de um contexto onde se produzem sentidos e determinadas versões da realidade. Assim, a posição do locutor e o seu entrevistado são sempre negociáveis, promovendo uma interação entre ambas as partes e onde o posicionamento de cada um é devidamente respeitado. É importante então que se atente ao fato, de que a ação de entrevistar, segundo o autor, envolve um procedimento muito mais complexo do que apenas atender ao propósito do profissional que aplica a pesquisa. Não basta ao interlocutor apenas o papel de interpretar os dados e emitir as respostas esperadas. Através da comunicação efetuada durante a entrevista, espera-se obter dados da vivência particular do indivíduo para a compreensão do fenômeno objeto do estudo. E esse processo é muito mais eficaz quanto maior for a interação entre as partes. Para esse trabalho, foram convidadas ao todo dez pessoas para participarem da entrevista. Na preparação da atividade foram levados em conta certos fatores importantes. Por exemplo, tomou-se o cuidado para que as entrevistas fossem realizadas em grande parte no mesmo dia, com exceção de três pessoas que não estavam presentes naquele momento. Dessa forma, os participantes não tiveram oportunidade de conversar entre si e não dispuseram também de muito tempo para preparar a resposta que dariam. O objetivo foi de colher informações da forma mais espontânea e autêntica possível. Houve também a preocupação em abordar essas pessoas de uma maneira bem tranquila e sociável a fim de que se sentissem a vontade em colaborar com a pesquisa. A intencionalidade de se preparar para uma entrevista com parte das questões em formato semi-estruturado explica-se por duas razões principais. Pelo prisma do entrevistador, fazer com ele não deixe de tocar em questões centrais em igualdade de condições para todos os entrevistados e, pelo lado do entrevistado, fazer com que o mesmo não fique por se delongar demais em suas respostas, fugindo assim do foco principal da pesquisa. A Granja Leiteira Fazenda Colorado, produtora do leite tipo A da marca Xandô, localiza-se no município de Araras, a 180 Km da capital São Paulo e é a base espacial para aferir o perfil empreendedor de Lair Antonio de Souza. Pertenceu a ele até o seu falecimento, em 7 de Fevereiro de 2015. Hoje, a propriedade, que ficou sob a gerência dos quatro filhos de Lair, emprega em seu quadro geral cerca 270 funcionários fixos, que se revezam em três turnos e são responsáveis por manter a fábrica de leite sempre funcionando.

Resultados e Discussão

A busca por informações baseadas em fontes secundárias (reportagens e depoimentos já publicados na mídia) e a tabulação dos questionários realizados com dez pessoas que conviveram junto ao empresário retratado no estudo de caso e a análise de sua história de vida, proporcionaram uma aferição dos aspectos envolvidos em sua carreira empreendedora, como por exemplo, a valorização do trabalho, como também as características empreendedoras atribuídas a ele pelos indivíduos entrevistados. Paralelamente, buscou-se relatar sobre os pontos fortes de sua personalidade, retratado por todos como o “homem a frente dos negócios da família”. Assim os resultados apresentados nessa seção do trabalho serão descritos sequencialmente através de uma narrativa de sua trajetória de vida até a fundação de uma de suas empresas de maior sucesso empresarial: a “Granja Leiteira Fazenda Colorado”. Posteriormente, os trechos das narrativas dadas pelos entrevistados foram sendo analisadas com o apoio metodológico da análise do discurso, sobretudo em três eixos temáticos, a saber: Por que Lair Antonio de Souza, fez sua opção pela carreira empreendedora? Quais foram as características mais marcantes que derivam de seu perfil empreendedor? E como o perfil estudado encarava a questão do trabalho? A pesquisa tentou se aproximar da visão mais fiel possível de como o público que interagia com ele o enxergava como líder e como desempenhou papel central em parte de suas vidas. Ao mencionar a questão do olhar crítico a respeito da linguagem utilizada nas falas discursivas dos empreendedores, é importante salientar que existe um campo de estudo relacionado à Análise de Discurso Crítica (ADC). Sobre esse tema o estudo de Ramalho (2010, p. 120) a respeito dos sentidos ideológicos presentes no discurso da publicidade de medicamentos brasileira, sugere que o “foco da abordagem informado pela ciência social crítica, está nas praticas sociais, isto é, no nível em que entendemos a linguagem como interação social, como discurso” e de que maneira os efeitos dessa linguagem irão influenciar as relações sociais e os valores individuais dos inseridos neste meio. A análise crítica de discurso é uma ferramenta elementar para esse estudo, já que consiste em parte na análise de depoimentos de entrevistados que conviveram com o perfil estudado e faz-se mister o entendimento racional da linguagem implícita no discurso desses entrevistados, aos valores que os mesmos atribuem as alegações valorativas do empresário Lair Antonio de Souza a respeito do seu perfil na efetivação do sucesso de suas carreiras. Buscar-se-á, a partir deste momento, discorrer sobre a trajetória de Lair Antonio de Souza. Respeitado e admirado na esfera dos negócios pela sua importante atuação no setor agroindustrial brasileiro, Lair Antonio de Souza já foi o foco de diversas publicações que sinalizaram a sua importância como empreendedor. Estão registradas nas mais diversas mídias, tais como, em revistas técnicas, artigos em sites especializados ou em matérias de canais televisivos, nas quais o empresário sempre foi reconhecido por sua singularidade e destreza na gerência das diversas frentes de negócios em que atuou. Também recebeu diversos prêmios como o troféu “Balde de Ouro” e o título de “Sheik do Leite”, pelo seu reconhecido desempenho como um dos maiores produtores de leite no âmbito nacional. Além disso, foi um grande incentivador de pesquisas relacionadas ao mercado de leite e para atender a este objetivo fez a doação dos equipamentos necessários para a estruturação da “Clínica do Leite”, um importante laboratório de Análise da Qualidade do Leite que é referência para produtos de origem animal deste setor. Situa-se na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) da Universidade de São Paulo, no município de Piracicaba (SP). Essa medida acabou por beneficiar também outros produtores de leite que passaram a enviar amostras do seu produto para análise no laboratório. O empresário disponibilizou ainda em sua propriedade, a Fazenda Colorado, um programa de estágio (bastante revolucionário para a época) para estudantes de graduação e pós-graduação das áreas relacionadas, valorizando dessa forma a disseminação do conhecimento e contribuindo para a formação profissional destes estudantes e pesquisadores. O pai de Lair Antonio de Souza, o Sr. Juvenal de Souza, possuía descendência árabe de origem libanesa, e segundo depoimento do empresário, os seus pais e outros três irmãos viviam confortavelmente na cidade de Descalvado, interior de São Paulo; a família possuía propriedades e automóveis, mas com a crise de 1929 vieram a perder tudo, forçando o chefe da família a trabalhar como motorista para sustentar os seus familiares. Sua mãe era professora primária. Esse foi o principal motivo que desencadeou a partida da família para a cidade de São Paulo em 1939, já que neste momento estavam enfrentando grandes dificuldades e necessidades básicas. Chegando a capital, puderam contar com a assistência de parentes nos primeiros meses. O pai conseguiu emprego na secretaria de agricultura, como fiscal de animais. O irmão mais velho que chegara antes à cidade conseguiu terminar o estudo básico, seus outros dois irmãos não tiveram a mesma chance, sendo que um se tornou operário na metalúrgica Matarazzo e o outro vendedor de peixes em um mercado. Quanto a Lair, dividia o seu tempo em terminar os estudos e no período inverso fazia entrega de carvão nas casas paulistanas. Aos 11 anos de idade já trabalhava e como ele mesmo relata, seu primeiro emprego foi o de auxiliar de limpeza em uma loja, chegando até a limpar privadas. Foi quando terminou o ensino fundamental (antigo ginásio) e em seguida cursou contabilidade se formando aos 18 anos conquistando nesse ponto, seu primeiro emprego na área. Fica bastante evidente dessa forma, que o ainda garoto Lair Antonio de Souza, trazia consigo, a veia da determinação e labor comum aos seus ancestrais árabes; poderia ter se conformado com a sua própria sorte, mas ao que parece sua personalidade ainda em formação, já o orientava a se arriscar para o caminho empreendedor. De fato, Lair Antonio de Souza, desde muito cedo reconhecia que teria que fazer bom uso das oportunidades que surgiam. Ao destacar a visão de futuro como faculdade essencial à qualidade de empreender, Dornelas (2008, p. 19) confronta o pensamento de Lair Antonio de Souza, sobre empreender ser um dom predestinado por Deus, tal qual uma doutrina religiosa teorizaria. Diz mais a respeito de um traço particular, a qualidade de saber se planejar e constituir uma visão segura do futuro e isso sem dúvida requer tempo e experiência. Sob esse prisma, o autor assegura que se trata de um mito, a concepção que o empreendedor nasce com o dom de empreender. Ao contrário disso, discorre que o processo de empreender pode ser satisfatoriamente ensinado e compreendido e o que o sucesso de um negócio se apoia muito mais na maneira que o empreendedor lidará com os desafios e adversidades comum a qualquer negócio. Ou seja, o empreender é muito mais produto de um aprendizado social, que na maioria dos casos se inicia no ambiente familiar (experiência muito comumente encontrada em determinados povos) do que dom ou genética. É interessante reforçar que, mesmo tentando dar crédito ao “divino” ou por uma condição inata por sua capacidade de empreender, Lair Antonio de Souza, por diversas vezes, enfatizava a real necessidade de se programar e planejar, quando afirmava que ele mesmo vislumbrava um novo negócio, pelo menos cinco anos antes de tê-lo consolidado no plano real. Marcadamente apoiado na intuição (ou acúmulo de experiências anteriores), para o empresário, o ato de empreender seria um misto de qualidades inatas acompanhado de muito trabalho e experiências adquiridas durante a vida. Nesse ponto de vista, as ideias de Bernardi (2009), dialogam com os preceitos do empresário na medida em que reconhece que competências inatas e os valores familiares constituem um meio propício ao desenvolvimento do perfil empreendedor. De fato, para este autor, fatores como motivação, observação e percepção são qualidades reconhecidas para quem almeja empreender, acompanhadas de um evidente equilíbrio nas perspectivas entre o sonho e realização do negócio. Há ainda outra abordagem prevista para discussão, apoiando parte da linha de raciocínio deste estudo a respeito da exploração meticulosa da personalidade empreendedora de Lair Antonio de Souza e que muito se assemelha ao perfil dos pioneiros empreendedores, conforme apresentado anteriormente na introdução dessa pesquisa. Um dos pilares para essa análise e que outrora já foi mencionado, Marcovitch (2003) descreve que a personalidade de Lair Antonio de Souza se equivale em muito à descrição dos pioneiros empreendedores brasileiros, enquanto seu espírito aventureiro e criativo é sempre apoiado pelo trabalho árduo e contínuo. Assim como apresentado na obra deste autor, verifica-se em Lair um espírito de disciplina e trabalho metódico na luta para alcançar seus objetivos. As características de comando e ordenação inerentes aos primeiros empreendedores foram marcadas, via de regra, pelo excesso. Tal comportamento justificava-se na época pela necessidade da ocasião e pelas heranças de um sistema político e que, assim como no caso de Lair Antonio de Souza, na maioria das vezes os empreendedores eram impelidos a se guiarem pela intuição. Ainda como atestou Fayol (1981), importante nome para a construção da teoria clássica da Administração, os primeiros empresários organizavam a administração dos seus negócios de forma limitada e marcadamente empírica, confiando por vezes apenas em sua intuição. Sob o seu ponto de vista, era primordial que se racionalizasse o sistema de produção e gerência das empresas. Constatou-se através de entrevistas e depoimentos que o empresário confiava consideravelmente em sua intuição, e por isso centralizava a tomada de decisões em torno de si. Isso não significa que ele era conduzido apenas por elementos subjetivos. Conforme mencionado na obra “Pioneiros e Empreendedores”, os primeiros empresários, em sua maioria eram intelectuais, mas sempre imbuídos de uma visão pragmática e pela necessidade de imputar a prática e a ação aos seus objetivos. Apesar de possuir duas formações acadêmicas, Lair parece ter se beneficiado muito mais de sua vivência e experiências advindas de sua longa carreira como aprendiz de negócios e, logo depois, como empresário. Em determinado trecho da mencionada entrevista ao Canal Rural em 2009, Luiz Antonio Veiga Mesquita, então presidente da Fosfértil no Brasil, relata: [...] Mas eu acho que a grande formação do Lair, é a formação da vida; ele é uma pessoa inteligentíssima, um empresário de um raciocínio tremendamente rápido e prático e eu acho que a formação dele universitária, escolar, sempre ajudou, mas a grande formação do Lair foi no dia a dia, ele é um negociante, um homem de grande visão comercial [...]. Sendo assim, seria importante relembrar as ponderações de Drucker (1986), que reconheceu que o ato de empreender, longe de ser um ato inominável, de natureza misteriosa e heróica, é um processo bastante complexo que exige um foco sistemático dos objetivos esperados, ou seja, a prática do empreendedor, não é respaldada apenas em valores subjetivos, mas necessita de um procedimento e execução realistas. Talvez a esse respeito, as discussões apresentadas pelo autor possam nos induzir a um razoável questionamento e reflexão de que até que ponto o empresário Lair Antonio de Souza estava correto em atribuir seu sucesso a sua competência intuitiva para a concretização dos seus negócios? O apropriado estudo de Baron e Shane (2007, p. 81-86) surge como uma importante referência na questão pontual da visão e habilidade que determinados empreendedores possuem em reconhecer oportunidades de investimentos, se distanciando um pouco a regra de fórmulas prontas da maioria dos artigos e publicações sobre o tema. O estudo parte de uma elaboração teórica e metodológica de fundamentos cognitivos que apuram a real capacidade de empreender em determinados indivíduos. Por este ângulo compreende-se que o fenômeno empreendedor é um processo de ordem bem mais complexa do que apenas a correspondência a uma orientação subjetiva ou de um dom característico. Os autores fundamentam sua tese tecendo um estudo analítico sobre as cognições humanas que auxiliam no reconhecimento de oportunidades, procedimento o qual eles denominaram de teoria da detecção de sinais, que consiste em o indivíduo possuir a destreza em reconhecer se uma oportunidade é concreta ou não; ou seja, que atitudes serão tomadas na ocasião em que se recebe um estímulo. As respostas podem resultar em quatro variáveis, a saber: o acerto (quando a oportunidade está de fato presente e é reconhecida); o alarme falso (quando a oportunidade não está presente mas é interpretada erroneamente como presente); o erro ( quando a oportunidade está presente, mas é julgada como sendo ausente) e, por fim, a rejeição correta (quando a oportunidade não está presente e portanto considerada corretamente como ausente). No caso de um empreendedor em potencial, os resultados dessa análise demonstraram que eles são mais propensos a terem acertos quando uma oportunidade surge diante dos seus olhos, ao passo que são sagazes em detectar quando tal oportunidade, por exemplo, se trata de um alarme falso. Outro aspecto levantado pela teoria cognitiva é a teoria do foco regulador, que busca o entendimento de como os empreendedores conseguem orientar seu próprio comportamento a fim de atingir os objetivos esperados. Sob essa perspectiva, os indivíduos se apóiam em duas vertentes opostas, segundo o desfecho da análise dos autores:
  1. foco na promoção: onde o intuito principal é se concentrar em obter resultados positivos, minimizando os fatores de riscos e potencializando os ganhos e conquistas.
  2. foco na prevenção: onde o propósito principal é evitar resultados negativos ou insatisfatórios, sendo capaz de identificar erros e alarmes falsos e utilizar-se de rejeições corretas.
Para estes autores a junção de ambas as teorias (foco regulador e detecção de sinais), resulta em um importante instrumento aliado ao processo de reconhecimento de oportunidades. Embora não seja possível chegar a um resultado definitivo de quais dos dois métodos proporcionará efetivamente as bases para um sucesso duradouro nos negócios, os empreendedores tidos como bem sucedidos demonstram corresponder aos objetivos dos dois padrões (promoção e prevenção), pois se mostram mais capacitados em identificar oportunidades realistas e lidam melhor com os riscos e alarmes falsos, isso porque seu foco central desde o inicio é a concentração em oportunidades viáveis. No que diz respeito aos empreendedores menos sucedidos, a justificativa desse estudo é a de que estes indivíduos atribuíram maior grandeza de valor a promoção, ou seja, se detiveram a se concentrar nos acertos em detrimento do divido cuidado com riscos e alarmes falsos. Outro aspecto relevante a ser elencado na análise crítica sobre os pontos característicos da personalidade empreendedora de Lair de Souza, diz respeito à passagem anteriormente citada, sobre a conduta do gestor em concentrar em torno de si o poder e a tomada de decisões, perfazendo o antigo arquétipo dos rígidos empresários. Bernardi (2009) propõe a constituição de uma nova referência em termos de liderança empresarial, mais equilibrada, participativa e flexível. Reconhece que um líder necessita manter-se enérgico e em prontidão ao tomar decisões, mas que em contrapartida, é oportuno fazê-lo com carisma, otimismo, deixando evidente que se importa com opiniões alheias. Ao mesmo tempo, muito se tem dito pelos que conviveram com Lair, sobre a sua conhecida amabilidade no trato com as pessoas, principalmente com seus funcionários a quem atribuía como parte essencial para o sucesso organizacional de suas empresas. Apenas o gosto por liderar, a figura patriarcal a frente das decisões familiares era nitidamente uma característica marcante de sua personalidade, como exemplificado em outro trecho da já mencionada entrevista concedida a Fundação Getúlio Vargas (2011): [...] Ninguém faz nada sozinho, um dos princípios é saber escolher todos os seus colaboradores. No meu primeiro discurso na Solorrico eu disse: eu só admito numa organização, como se fosse um motor de automóvel, a menor das engrenagens movimenta o motor, se não tiver aquela pequenininha, também não vai ter a grande; então pra mim o conceito é que eu tenho que ter um bom office boy, mas também tenho que ter um bom gerente. Agora tem que delegar, cobrar, eu tenho uma capacidade monstruosa para cobrar. E só sabe pedir, mandar, quem sabe fazer. [...] Eu tenho orgulho de dizer hoje que a média de funcionários que eu tenho , em torno de 1600 mais ou menos , a média é de 32 anos de empresa; então eu não mando ninguém embora, saí aquele que não sabe trabalhar, saí aquele que não sabe obedecer (...) Eu planejo tudo o que cada um tem que executar, se eu tiver que policiar um funcionário, não me interessa como funcionário, cada um tem que saber a sua responsabilidade, cada um tem que saber o que tem que fazer e assim tem sido uma sucessão de acertos. Os elementos discursivos presentes no depoimento de Lair Antonio de Souza, se encaixam perfeitamente com o arquétipo de empreendedor controlador descrito por Vries (2001, p. 4-5). Em seu título, o autor detalha as performances únicas e muitas vezes extravagantes que formam um empreendedor. Um aspecto que ele sintetiza é a necessidade de controle que muitos empreendedores possuem. Instrui ainda que ao contrário de um administrador ou executivo, que procuram se adequar de forma positiva com questões de domínio e submissão, esse tipo de empreendedor lida com dificuldade sobre a já difícil questão de delegar importantes funções aos seus subordinados. Ao mesmo tempo, procuram construir, na maior parte do tempo, um cenário fantasioso que somente ele detém o domínio, a capacidade de liderança, poder e influência sobre outros no ambiente corporativo. Para o autor, esse tipo de comportamento é verificado em pessoas que gostam de se manter no controle, mas tem aversão a serem controlados. Neste sentido, observam-se então elementos divergentes, para não dizer paradoxais, no discurso do empresário Lair Antonio de Souza, posto que na mesma fala em que ele reconhece a necessidade da atuação de uma equipe, comparando-a a um motor e sua engrenagem, assume também sua faceta controladora, quando diz que tem “uma capacidade monstruosa para cobrar e que seguramente era ele quem planejava todas as tarefas a serem executadas em suas empresas”. Em consonância com a exposição das dez características empreendedoras apresentadas pelo programa do SEBRAE inspiradas no estudo de McClelland (1967), observamos nos dizeres dos entrevistados que alguns desses comportamentos insinuam-se com bastante evidência em torno do perfil de Lair de Souza, como “persistência”, “exigência de qualidade e eficiência”, “busca de oportunidade e iniciativa”, “comprometimento” e ainda “independência e autoconfiança”. Verifica-se nos relatos que o empresário era movido por desafios ao mesmo tempo em que demonstrava acreditar plenamente em sua capacidade para cumprir seus objetivos e ainda sua costumeira prontidão em administrar seus negócios, sendo o próprio lazer e tempo com a família sacrificados em prol de sua constante atenção com os negócios. Em equidade de raciocínio, Mcmullen e Shepherd (2006) relembram que ao empreendedor se espera a capacidade em lidar com novos desafios, o que sugere a confiança em si mesmo ao se envolver em vindouros projetos e por esse motivo também Ribas (2012), baseando seus estudos na “Teoria da Necessidade da Realização” de McClelland, constatou que uma das premissas da motivação empreendedora dizia respeito a trazer para si a responsabilidade de lidar com as  eventuais incertezas de um negócio e que a motivação pessoal funciona tal como um motor conduzindo ao caminho do sucesso empresarial e conseqüentemente da satisfação individual do empreendedor em ação. Finalmente, estabelecendo a análise do terceiro pilar do comportamento empreendedor de Lair Antonio de Souza proposto no questionário dessa pesquisa a respeito do conjunto  das performances de maior destaque que conduziram o empresário a consolidação do seu sucesso, obteve-se os seguintes resultados apontados sob o ponto de vista dos entrevistados:   [...] Ele era corajoso, muito corajoso. O seu Lair não tinha medo de começar um negócio, tanto que aos 84 anos de vida, já estando doente ele reergueu a Sucorrico e colocou ela pra funcionar. Enquanto a gente estudava o que fazer o Seu Lair já tinha os planos dele pra dois anos a frente. Antes de morrer ele já tinha coisas a serem feitas em 2017.Ele também era muito correto em tudo que fazia, gostava de tudo certo. Ele tratava a gente como amigo; em primeiro lugar vinha o bem estar das pessoas; ele cumprimentava, queria saber como estava a família da gente, depois ia ver as contas e a ordenha. (Depoimento de Pedro Geraldo José Hernandes – Encarregado do setor de serviços externos da pecuária na Fazenda Colorado)   [...] Vou pontuar a inteligência dele e algumas oportunidades que ele teve em alguns tempos que muitas pessoas não acreditavam que ia acontecer ,só que ele já estava tendo uma visão lá na frente; então ele já fazia algo hoje para colher lá na frente, enquanto o pessoal estava vivendo o hoje, ele já estava vivendo lá na frente. O leite teve uma época que teve uma queda enorme na venda , no preço do leite,  e ele continuou e foi nesse momento que ele conseguiu ir alavancando, alavancando ; porque depois disso teve o movimento reverso e ele começou a ganhar dinheiro com leite ; laranja pagava o leite e por fim isso acabou invertendo ; então ele estava sempre olhando pra frente ; gostava daquilo que fazia, tava ali em cima , olhando , porque o que engorda o gado é o olho do dono. (Depoimento de Rodolpho Moreira – Auxiliar Administrativo na Fazenda Colorado)   [...] Lair sempre foi uma pessoa muito dedicada e persistente; essa é a grande característica e junto a isso ele aliava a honestidade e muito trabalho. Ele tinha uma capacidade de administrar muito grande, uma inteligência muito voraz e ele conseguia fazer com que a coisa pequena se tornasse grande, por isso daquela frase que não existia coisa ruim e sim mal administrada; ele pegou essa fazenda e desenvolveu de uma forma bastante grande, então a gente fala que isso é uma indústria, não é mais uma fazenda. Então isso era nato dele, de fazer o desenvolvimento das pessoas e das coisas, colocar as pessoas no lugar certo, isso também foi uma grande parte do sucesso dele, que ele não era onipotente; ele era bastante exigente, mas colocava as pessoas no lugar certo e cobrava. (Depoimento de Carlos Alberto Pasetti de Souza)   Os trechos dos depoimentos elencados nessa passagem embora sejam narrativas de pessoas diferentes entre si, trazem aspectos semelhantes em seus discursos ao afirmarem que a base fundamental para tudo que Lair Antonio de Souza constituiu em sua vida esteve alicerçado em sua coragem e seguridade em investir em novos negócios, pela sua visão de futuro, na inteligência incomum, e em como ele demonstrava aptidão administrativa para os negócios e ainda habilidade na gerência de pessoas. Para Fialho et al. (2006, p. 36-39) tais valores se fundem em um círculo de tendências empreendedoras, sendo as principais, a necessidade de sucesso e autonomia, tendência criativa, assunção de riscos e determinação. É nítido como o empreendedor e administrador Lair Antonio de Souza reunia em torno de si muitas dessas caracterizações, as quais fizeram dele o perfil de um modelo a ser copiado, bem como de fonte de respeito e inspiração no mundo dos grandes nomes do agronegócio brasileiro. A questão da visualização do futuro foi enfática nos três relatos a respeito de Lair e a esse propósito o autor admoesta que a visão de futuro é capaz de induzir ao êxito, pois nessas ocasiões o empreendedor de visão é motivado e inspirado a buscar resultados, a fim de confirmar que suas avaliações sobre determinada oportunidade eram factíveis e viáveis. Conforme amplamente discutido, os discursos empregados pelo empresário Lair eram ricos em mensagens e conotações de motivação e persistência para o exercício do trabalho de modo pleno e satisfatório. Em resposta a esses apelos, observam-se as verbalizações do membro da família e de colaboradores que atuaram junto ao empresário por pouco ou considerável tempo, de que ele era sem dúvida uma personificação ou a representação inconteste do que seria um empreendedor em sua totalidade. Baron e Shane (2007, p. 337) atribuem essa situação a uma das habilidades essenciais aos empreendedores, que é a capacidade de influenciar ou persuadir os outros ou ainda em um entendimento mais amplo, trata-se de um aspecto da competência social importante para o alcance do sucesso no contexto dos negócios, já que sob este raciocínio, o líder poderá convencer seus colaboradores a se dedicarem ainda mais às suas funções no trabalho.

Conclusões

O presente estudo foi delineado com base em uma revisão bibliográfica pertinente ao tema de empreendedorismo, sobretudo com foco em se entender a dinâmica que discorre sobre o perfil empreendedor. A pesquisa foi originada no interesse em se retratar um estudo de caso com um empreendedor em específico, ou seja, o empresário do agronegócio Lair Antonio de Souza, buscando entender elementos que o fizeram dar ênfase ao seu trabalho e as resultantes desse trabalho no entorno de si e o impacto decorrente no território em que atuava. A partir da constatação do teor de entrevistas impressas, reportagens e depoimentos diretos com pessoas que foram de seu círculo de convivência, foi possível estruturar uma análise dos principais enunciados presentes em seu discurso e que o acompanharam por toda a sua trajetória de vida empresarial. Dessa forma pode-se entender que apesar de Lair Antonio de Souza atribuir a si mesmo pontos fortes relacionados à sua competência administrativa e na gestão de seus negócios, como sendo portador de um dom diferenciado e particular, é nítido que os bons resultados que obteve ao longo do seu percurso como empresário, atribui-se também por uma ordenação racional e sistematizada na forma de gerir empreendimentos e sobretudo gerir pessoas ao seu redor. Ao se estabelecer uma análise específica do caminho delineado pelo tema deste estudo, é possível visualizar as nítidas características empreendedoras demonstradas por ele através da leitura da narrativa de sua história de vida. Em consonância com os dizeres de Lobo (1997), o perfil de Lair de Souza assume um papel paternalista e centralizador na gestão de suas empresas e demonstrava competência autodidata para os negócios, apesar de ter recebido formação profissional. Sua origem proveniente de família imigrante, como grande parte de empresários pioneiros de destaque na época, é outra característica marcante de sua trajetória. Na origem árabe, denota-se uma cultura com forte transmissão familiar de que o empreendedorismo é algo natural e positivo. Ainda, que é fonte de sobrevivência e de progresso na vida. A partir da construção descritiva das especificidades do perfil comportamental, traços de personalidade e das particularidades de atuação empreendedora do empresário Lair Antonio de Souza, os resultados obtidos proporcionaram uma discussão complementar que diz respeito de como o conjunto dessas habilidades empreendedoras contribuíram para a atuação de Lair em um mercado até então desconhecido para ele: o do setor leiteiro. Ficou constatado que ele soube inovar e lidar com os desafios impostos pelo próprio mercado no ano que iniciou a construção do seu grande império de leite até o momento que foi elevado a reconhecida posição de maior produtor de leite no cenário brasileiro.


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