Uso de polpa cítrica úmida em dietas para cordeiros confinados

Gabriela Bagio Oliveira1, Raquel Rodrigues Costa Mello2, Elizângela Mírian Moreira3, Daniel Montanher Polizel4, Marcos Vinícius de Castro Ferraz Júnior5, Analisa Vasques Bertoloni6, Ivanete Susin7, Alexandre Vaz Pires8
1 - FMVZ / USP
2 - ESALQ/USP
3 - FMVZ / USP
4 - FMVZ / USP
5 - ESALQ/USP
6 - FMVZ / USP
7 - ESALQ/USP
8 - ESALQ/USP

RESUMO -

O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da polpa cítrica úmida (Polpinha) sobre o desempenho e perfil enzimático hepático (aspartato-aminotransferase – AST e gama-glutamiltransferase – GGT) de cordeiros em confinamento. Foram utilizados 42 cordeiros (15 Santa Inês e 27 ½ Dorper x ½ Santa inês), com idade (60 ± 5 dias) e peso inicial 24,65 ± 1.5 kg. Os tratamentos constituiu na inclusão de 0 (controle), 20 e 40% da Polpinha na matéria seca (MS). Durante o período de adaptação, os cordeiros alimentados com Polpinha apresentaram menor (P 0,05) no GMD e EA entre os tratamentos. Nenhum cordeiro apresentou concentrações de AST e GGT maiores que o limite superior. A inclusão de até 40% de Polpinha na dieta de cordeiros em confinamento prejudicou somente a performance dos animais na fase de adaptação.

Palavras-chave: ganho médio diário, subprodutos, ingestão de matéria seca, eficiência alimentar

Use of moist citrus pulp in diets for lambs in feedlot

ABSTRACT - The objective of this study was to evaluate the effects of moist citrus pulp (Polpinha) on performance and hepatic enzyme profile (aspartato-aminotransferase - AST, gamma-glutamyltransferase - GGT) of lambs in feedlot. Forty-two lambs (15 Santa Inês and 27 ½ Dorper x ½ Santa inês), with aged of 60 ± 5 days and initial body weight (BW) of 24.65 ± 1.5 kg were used. The treatments consisted in the inclusion of 0 (control), 20 and 40% of the Polpinha in the dry matter (DM). During the adaptation period, lambs fed with Polpinha had lower (P <0.01 treatment*period) BW, average daily gain (ADG) and feed efficiency (F:E). However, there was no difference (P> 0.05) in ADG and F:E among treatments in other periods. Lambs did not have AST and GGT concentrations higher than the upper limit. The inclusion of up to 40% of Polpinha on diet for lambs in feedlot affected only the performance of animals during adaptation phase.
Keywords: average daily gain, co-products, dry matter intake, feed efficiency


Introdução

A polpa cítrica é um subproduto das indústrias que produzem suco de laranja e tem sido mais comumente utilizada na alimentação animal na forma peletizada, pois apresenta excelente valor energético e alta digestibilidade da fração fibrosa. Entretanto, em virtude do elevado custo de secagem, têm-se buscado alternativas para a utilização do bagaço de laranja“in natura”, como a forma úmida. Além do fator custo, a redução no teor de amido e o aumento nos níveis de pectina e fibra de alta digestibilidade podem melhorar o pH e a fermentação ruminal, a síntese microbiana, o consumo de matéria seca e o desempenho animal (Porcionato et al., 2004; Pereira et al., 2008; Peixoto et al., 2015). A polpa cítrica úmida (Polpinha) utilizada neste trabalho é um subprotudo produzido pela CP Kelco Brasil S/A., empresa produtora de pectina cítrica que é utilizada na composição de vários alimentos da alimentação humana. A Polpinha é contituída por pedúnculo, endocarpo (gomos), vesículas de suco, columela, sementes e frações minúsculas de epicarpo e mesocarpo (albedo) que é separada da casca com pectina. A Polpinha apresenta valores de proteína bruta variando de 7 a 9% e nutrientes digestíveis totais de cerca de 68%, composição bromatológica esta, próxima da polpa cítrica peletizada e do milho. Assim, a hipótese desse trabalho foi que a adição de teores crescentes de Polpinha em dietas com alto concentrado para cordeiros confinados pode aumentar o consumo de matéria seca (CMS), o ganho peso, melhorando o desempenho e a eficiência alimentar. Dentro dessa hipótese nós acreditamos que a Polpinha fornecida para cordeiros não causaria danos ao fígado e a seus órgãos associados, não alterando o perfil das enzimas hepáticas (aspartato-aminotransferase – AST e gama-glutamiltransferase - GGT) por não possuir metais pesados e agentes contaminantes em sua composição. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da inclusão de diferentes níveis de Polpinha na performance de cordeiros em confinamento submetidos a dieta com alta inclusão de concentrado.

Revisão Bibliográfica

O crescimento da atividade de confinamento no Brasil tem se viabilizado devido ao crescimento expressivo da produção agrícola nacional na última década, com aumento na disponibilidade de grãos de cereais e de subprodutos agroindustriais. A maior oferta desses alimentos, aliada ao aumento do custo de produção dos volumosos e a melhoria do potencial genético dos animais têm contribuído para aumentar a competitividade de rações com teores elevados de concentrado para ruminantes em terminação (Pires, 2010). A pectina é o carboidrato complexo de mais rápida degradação ruminal, podendo apresentar digestibilidade de 30% a 50% por hora. Estes valores são bem superiores aos do amido de milho, que podem variar de 10 a 35% por hora nas suas diversas formas de processamento. Desse modo, a polpa cítrica apresenta uma ótima quantidade de energia, o que a torna como concentrado energético, podendo substituir em até 75% a energia total da dieta, sendo necessária a inclusão em menores proporções de outros alimentos, o que, consequentemente, diminui o custo final da alimentação em regiões onde o preço da polpa cítrica encontra-se inferior ao do milho (Van Soest et al., 1991). Aliada a essas características nutricionais, a época de produção da polpa cítrica é favorável, tendo início em maio e término em janeiro, abrangendo justamente a entressafra de grãos como o milho e o período de escassez de forragem. Dessa forma, quando o milho atinge a cotação máxima e os pastos níveis mínimos de utilização, a polpa cítrica representa uma forma de suplementação energética para essa época do ano (Peixoto et al., 2015). Há na literatura diversos trabalhos sobre o uso da polpa cítrica peletizada na nutrição de ruminates, além de outros subprodutos provenientes da indústria da laranja, como por exemplo polpa cítrica despectinada úmida (Braspolpa® PCDU registrada no MAPA sob SIF – SP59279-30001), que também é utilizada como ingrediente na ração de ruminantes. No entanto, não há na literatura trabalhos sobre o uso da Polpinha na nutrição de ruminantes.

Materiais e Métodos

O experimento foi conduzido nas estalações experimentais do SIPOC – Sistema Intensivo de Produção de Ovinos e Caprinos ESALQ / USP. Foram utilizados 42 cordeiros, machos (15 Santa Inês e 27 mestiços ½ Dorper x ½ Santa Inês), com idade média de 60 ± 5 dias e com peso corporal médio de 24,65 ± 1,5 kg. Os cordeiros foram confinados em sistema de “tie stall”, com baias cobertas, com comedouro e bebedouro. No início do experimento, os cordeiros foram pesados após jejum de sólidos por 14 horas e distribuídos de acordo com o peso inicial para receber uma das três dietas experimentais: 0% (Controle, sem a inclusão de Polpinha), 20% e 40% de Polpinha na matéria seca (MS) da dieta. Os teores de 20 e 40% de Polpinha na dieta correspondeu a 26,5 e 46,1% de substituição do milho quando comparado com a dieta controle, respectivamente. As dietas foram formuladas para conter 14,8% de PB, e constituídas por 10% de feno “coastcross” e 90% de concentrado na MS. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos cazualizados, sendo que os blocos foram definidos de acordo com o peso inicial e grau de sangue dos animais no início do experimento. O período experimental teve duração de 70 dias, sendo dividido em 3 períodos (o primeiro período de 14 dias para a adaptação dos animais e os dois períodos de 28 dia cada). No dia 0 e no fim de cada período, foram colhidas amostras de sangue por punção da veia jugular para acessar as concentrações das enzimas hepáticas (AST e GGT). Todas as análises estatísticas foram feitas utilizando medidas repetidas no tempo pelo procedimento MIXED do software SAS (version 9.3, SAS Institute Inc,, Cary, NC). A normalidade dos dados e a homogeneidade das variâncias foram avaliadas pelos testes de Shapiro-Wilk e Bartlett, respectivamente, antes da análise de variância. O teste de Tukey foi utilizado para acessar a diferença entre os tratamentos que foram considerados diferentes quando P < 0.05.

Resultados e Discussão

Os cordeiros alimentados com Polpinha apresentaram menor CMS em todos os períodos experimentais quando comparados com os cordeiros alimentados com dieta controle, sendo que as variáveis de desempenho como peso corporal (PC), ganho médio diário (GMD) e eficiência alimentar (EA) apresentaram interação entre os períodos experimentais e os tratamentos (Tabela 1; Figura 1D). O GMD e a EA apresentaram o mesmo comportamento no experimento, sendo que as dietas com Polpinha apresentaram menor GMD e EA durante o período de adaptação às dietas quando comparadas com o tratamento controle. Nos outros dois períodos pós-adaptação, os cordeiros apresentaram GMD e EA semelhantes ao controle (Figuras 1B e C). Devido ao menor GMD no período de adaptação, os cordeiros alimentados com 40% de Polpinha apresentaram menor peso corporal que os cordeiros do tratamento controle em todos os períodos analisados (Figura 1A). Os dados desse trabalho mostram que a Polpinha pode ser um ingrediente para a ração de ovinos. Esse achado é importante porque os ovinos são utilizados como modelo animal para pesquisas na área de nutrição de bovinos (Ferreira et al., 2016; Soto-Navarro et al., 2014), sendo assim, os resultados desse estudo podem ser extrapoladas para bovinos. No entanto, é importante ressaltar que os ovinos apresentam maior seletividade ao ingerir os alimentos quando comparado com os bovinos (Van Soast, 1982), o que, em parte, explica o menor desempenho de cordeiros na dieta com Polpinha durante o período de adaptação. Por outro lado, os cordeiros alimentados com Polpinha apresentaram o mesmo desempenho dos cordeiros submetidos à dieta controle nos períodos pós-adaptação, mostrando que os cordeiros não recusaram a Polpinha após o período de adaptação. Acredita-se que a Polpinha reduziu o CMS durante a adaptação devido a seletividade dos cordeiros que não estavam adaptados com o alimento. No entanto, o menor CMS durante os outros dois períodos do experimento pode ser devido a grande quantidade de água contida na Polpinha. Esta grande quantidade de água na dieta fez com que o volume da dieta ingerida fosse maior com a inclusão da Polpinha, o que pode ter induzido a repleção do rúmen-retículo, promovendo o controle do consumo pelo mecanismo físico (Allen, 2000). Não houve interação entre tratamento e período na concentração de GGT. Também não houve efeito (AST P = 0,61; GGT P=0,45) dos tratamentos na concentração das enzima hepáticas. No entanto, houve interação (P < 0,01) entre período e tratamento na concentração de AST. A concentração de AST foi maior (P < 0,05) no tratamento controle no fim do período de adaptação quando comparado com os outros tratamentos, e os cordeiros alimentados com 40% de Polpinha apresentaram maior (P < 0,05) concentração dessa enzima no fim do experimento quando comparado com os outros tratamentos. Mesmo com este aumento não foi ultrapassada a concentração limite estabelecida por Kaneko et al. (2008) para estes metabólitos, que é de 60-280 U/L pare AST e 20-52 U/L para GGT.

Conclusões

Os resultados mostraram que a inclusão de até 40% de Polpinha na dieta de cordeiros em confinamento prejudicou somente a performance dos animais na fase de adaptação. Após essa fase, os cordeiros apresentaram desempenho semelhante quando alimentados com a dieta controle que, no caso, foi à base de milho.

Gráficos e Tabelas




Referências

ALLEN, M. S. Effects of diet on short-term regulation of feed intake by lactating dairy cattle. Journal of Dairy Science, v.83, p.1598-1624, 2000. FERREIRA, L. M. M.; HERVAS, G.; BELENGUER, A.; CELAYA, R.; RODRIGUES, M. A. M.; GARCIA, U.; FRUTOS, P.; OSORO, K. Comparison of feed intake, digestion and rumen function among domestic ruminant species grazing in upland vegetation communities. Journal of Animal Physiology and Animal Nutrition. doi:10.1111/jpn.12474. 2016. KANEKO, J. J.; HARVERY, J. W.; BRUSS, M. L. Clinical biochemistry of domestic animals. 6.ed. San Diego: Academic Press, 2008. 916p PEIXOTO, E. L. T.; MORENZ, M. J. F.; FONSECA, C. E. M.; MOURA, E. S.; LIMA, K. R.; LOPES, F. C. F.; CABRAL, L. S. Polpa cítrica em dietas para cordeiros: consumo, digestibilidade e parâmetros ruminais. Semina: Ciências Agrárias, v.36, n.5, p.3421-3430, 2015. PEREIRA, M. S.; RIBEIRO, E. L. A.; MIZUBUTI, I. Y.; ROCHA, M. A.; KURAOKA, J. T.; NAKAGHI, E. Y. O. Consumo de nutrientes e desempenho de cordeiros em confinamento alimentados com dietas com polpa cítrica úmida prensada em substituição à silagem de milho. Revista Brasileira de Zootecnia, v.37, n.1, p.134-139, 2008. PIRES, A. V. Bovinocultura de Corte. Piracicaba: FEALQ, 2010, Volume I, 760p. PORCIONATO, M. A. F.; BERCHIELLI, T. T.; FRANCO, G. L. Digestibilidade, degradabilidade e concentração amoniacal no rúmen de bovinos alimentados com polpa cítrica peletizada normal ou queimada. Revista Brasileira de Zootecnia, v.33, n.1, p.258-266, 2004. SOTO-NAVARRO, S. A.; LOPEZ, R.; SANKEY, C.; CAPITAN, B. M.; HOLLAND, B. P.; BALSTAD, L. A.; KREHBIEL, C. R. Comparative digestibility by cattle versus sheep: Effect of forage quality. Journal of Animal Science, v.92, p.1621-1629, 2014. VAN SOEST, P. J. The kinetics of digestion. In: P. J. Van Soest, editor, Nutritional ecology of the ruminant. Cornell Univ. Press, Ithaca, NY. p. 211-229, 1982. VAN SOEST, P. J.; ROBERTSON, J. B.; LEWIS, B. A. Methods for dietary fiber, neutral detergent fiber, and nonstarch polysaccharides in relation to animal nutrition. Journal of Dairy Science, v.74, p.3583-3596, 1991.