Vacas leiteiras e música clássica brasileira: um encontro inusitado

Arthur Fernandes Bettencourt1, Angélica Tarouco Machado2, Tisa Echevarria Leite3, Larissa Braganholo Vargas4, José Victor Vieira Isola5
1 - Universidade Federal do Pampa
2 - Universidade Federal do Pampa
3 - Universidade Federal do Pampa
4 - Universidade Federal do Pampa
5 - Universidade Federal do Pampa

RESUMO -

O enriquecimento ambiental tem sido utilizado como ferramenta na busca da melhoria do ambiente de animais mantidos em confinamento. A música é uma alternativa de enriquecimento ambiental e bem-estar durante a ordenha, e sua utilização tem o objetivo de proporcionar melhores condições de vida, incrementando o desempenho das vacas e a interação humano-animal. O objetivo deste estudo foi verificar o efeito da música sobre o comportamento em sala de ordenha e a produtividade de vacas leiteiras da raça Holandesa. A música utilizada foi a música instrumental brasileira Odeon, composta por Ernesto Nazareth em 1910. As variáveis produtivas analisadas foram volume, densidade, pH, teores de gordura, proteína e contagem de células somáticas do leite e as comportamentais foram escore de movimentação e ocorrência de micção e defecação na sala de ordenha. Foram avaliadas 16 vacas multíparas, com idade média de 5,9 anos, durante 20 dias em duas ordenhas diárias. O Grupo 1 apresentava média de 76,75 dias em lactação (77DEL) e o Grupo 2, média de 121,5 dias em lactação (122DEL). O período experimental foi dividido, sendo que nos primeiros 10 dias o 77DEL foi exposto à música desde a entrada até a saída da sala da ordenha e o 122DEL a sons rotineiros de ordenha. No segundo período, os grupos foram invertidos. A incidência de música afetou significativamente a produção de leite do 77DEL, verificando-se um acréscimo da produção quando as vacas foram ordenhadas com música. A densidade do leite produzido pelas vacas do 122DEL foi significativamente afetada pela música. Não houve efeito sobre o comportamento das vacas, os valores médios de gordura, pH, proteína e contagem de células somáticas. Com base nesses resultados, considera-se que a música agiu de maneira positiva e eficiente na produção de leite de vacas leiteiras de maior produção, traduzida pelo aumento de sua produtividade.

Palavras-chave: bem-estar, bovinos leiteiros, enriquecimento ambiental, música instrumental

Dairy cows and brazilian classical music: an unused encounter

ABSTRACT - Environmental enrichment has been used as a tool to improve the environment of animals kept in confinement. Music is a alternative for environmental enrichment and well-being during milking, and its use is aimed at providing better living conditions, enhancing cow performance and human-animal interaction. The objective of this study was to verify the effect of music on the behavior in the milking parlor and the productivity of dairy cows of the Dutch breed. The music used was the Brazilian instrumental music Odeon, composed by Ernesto Nazareth and the productive variables analyzed were volume, density, pH, fat and protein contents and milk somatic cell counts and behavioral ones were movement and micturition score and Defecation in the milking parlor. Sixteen multiparous cows were evaluated, with a mean age of 5.9 years, during 20 days in two daily milks. Group 1 had a mean of 76.75 days in lactation (77DEL) and Group 2 had a mean of 121.5 days in lactation (122DEL). The experimental period was divided, and in the first 10 days 77DEL was exposed to music from the entrance to the exit of the milking room and 122DEL to routine milking sounds. In the second period, the groups were reversed. The incidence of music significantly affected the production of milk from 77DEL, with an increase in production when cows were milked with music. The milk density produced by 122DEL cows was significantly affected by music. There was no effect on cow behavior, mean values of fat, pH, protein and somatic cell count. Based on these results, it is considered that the music acted in a positive and efficient way in the production of milk of dairy cows of greater production, translated by the increase of its productivity.
Keywords: animal welfare, dairy cattle, environmental enrichment, instrumental music


Introdução

A bovinocultura é um dos principais destaques mundiais do agronegócio brasileiro, com o Brasil estando na segunda colocação de maior rebanho efetivo do mundo, com cerca de 200 milhões de cabeças (MAPA, 2013). No que se refere à produção de leite, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Brasil ocupa a quinta posição entre os principais produtores de leite, com cerca de 35,17 bilhões de litros/leite ficando atrás da União Europeia, Índia, Estados Unidos e China. Já a região Sul, é a região com maior produção do país, sendo responsável por 34,7% da produção nacional, enquanto que a região Sudeste produziu ligeiramente menos, representando 34,6% do total (IBGE, 2014). Com o significativo aumento da produção dos rebanhos leiteiros, o mercado consumidor tem se tornado cada vez mais exigente em relação ao modo de como são criados os animais, sobretudo ao ambiente e ao estresse a que são submetidos. Há consumidores que exigem produtos adquiridos de animais que não tenham passado por situações de maus-tratos e desconforto, adotando um padrão de consumo que procure por produtos saudáveis e condizentes com a ética em relação às questões ambientais e de bem-estar animal. Na bovinocultura de leite os animais estão expostos diariamente a diversas situações estressantes como mudança de dietas, de tratador, ruídos, além da realização de procedimentos veterinários. Estas atividades podem causar transtornos negativos como medo, dor e frustração. Todas estas são consideradas desafios pelos quais os animais precisam se adaptar (WAIBLINGER, 2006). Diante disto, nota-se a importância da interação homem-animal, uma vez que ela influencia no manejo e tem fundamental importância na pecuária leiteira, pois ações aversivas ou não aversivas podem resultar em maiores ou menores níveis de estresse aos animais, e consequentemente, surtindo efeitos no bem-estar e na produtividade. Dessa maneira, a busca pela informação sobre comportamento e bem-estar animal no dia-a-dia tanto na propriedade ou empresa e a utilização de estratégias que beneficiem o desempenho do animal, resultarão em uma maior produtividade e qualidade do seu produto final, proporcionando ganhos ao produtor e assim, assegurando o conforto e bem-estar dos animais. Uma das alternativas para reduzir o estresse entre o tratador e os animais, principalmente na hora da ordenha, é o enriquecimento ambiental, que visa ampliar e melhorar a qualidade de vida dos animais. Newberry (1995) definiu o enriquecimento ambiental como melhorias no âmbito em que os animais vivem, alterando o seu funcionamento biológico de forma positiva. Grinde (2000) demonstrou que uma das formas de enriquecer o ambiente é através da música, que pode apresentar efeito relaxante tanto para os animais quanto para os tratadores. A presença de música na sala de ordenha pode ser um fator positivo, podendo ser utilizada para melhorar a condução das vacas e estimular a produção de leite. O objetivo deste estudo foi analisar a influência da música clássica instrumental durante a ordenha na produção de leite das vacas, sobre índices produtivos e características quantitativas e qualitativas do leite.

Revisão Bibliográfica

Bem-estar animal   Atualmente, o bem-estar animal tem sido visto como um fator de grande importância em qualquer sistema de produção, além de ser um indicador para pesquisas e estudos que proporcionem escolhas e alternativas que possam reduzir o estresse do animal na atividade pecuária (LOBO et al., 2010). Segundo Bach et al. (2007), o conforto das vacas leiteiras é um coeficiente que assume grande abrangência por influenciar no aumento de produção, visto que um ambiente que apresente deficiências acabará implicando de maneira negativa na saúde do úbere, fertilidade e consumo de matéria seca. Contudo, o conforto dos animais também está relacionado à saúde física e mental do animal, considerando que os animais são seres sensitivos, o que possibilita a satisfação das necessidades básicas desde beber água, comer, se locomover e descansar (DUNCAN, 1993; DAWKINS, 2004). Broom (1991) ainda enfatiza que o bem-estar animal é “o estado de um indivíduo em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente”. De acordo com essa afirmação, o conceito de bem-estar deve estar totalmente ligado às necessidades etológicas e biológicas dos animais, incluindo as “Cinco Liberdades” que são utilizadas de modo a avaliar o bem-estar animal, de maneira que eles estejam livres de: medo e estresse; fome e sede; desconforto; dor e doenças; além da liberdade para expressar seu comportamento natural.   Comportamento Animal   O comportamento constitui um importante papel para a avaliação do bem-estar (FRASER, 1993), por isso a informação e o conhecimento acerca de suas atividades comportamentais tornaram-se essenciais para melhorias na produtividade (CERQUEIRA et al., 2011). Os bovinos são animais que apresentam boa memória e são capazes de discriminar as pessoas envolvidas nas interações, apresentando reações específicas a cada ação de acordo com a experiência vivida, assim, caracterizando um aprendizado associativo (PARANHOS DA COSTA, 2006). Na bovinocultura de leite há intensa relação entre pessoas e animais, devido à interação rotineira entre as vacas e os tratadores (HEMSWORTH; COLEMAN, 1998). Autores como Breuer et al. (2000) constataram que o tipo de interação durante a ordenha pode causar mudanças comportamentais no animal e alguns estudos (RUSHEN et al., 1999; BREUER et al., 2000) indicaram que interações negativas homem-animal poderão influenciar de forma deletéria a produção das vacas leiteiras.   Interação homem-animal e a ordenha   As interações entre o ser humano e os animais podem ser positivas, neutras ou negativas (DUNCAN et al., 1993). De acordo com Breuer (2000), boa parte dos contatos entre os tratadores e os bovinos leiteiros está relacionada com ações de manejo negativas, como as vacinações, tratamento de doenças como a mastite, as pancadas, os gritos e o uso de cachorros na condução. Todas estas ações resultam no aumento do medo dos animais referente aos humanos. Dentre as ações de manejo consideradas positivas encontram-se os afagos, tapinhas na região da garupa, conversas com timbre de voz suave, coçadinhas na cabeça, assobios e música (PARANHOS DA COSTA et al., 2002). Nesse sentido, a produtividade leiteira pode estar relacionada em parte, com a qualidade da relação e interação humano-animal. Pois, vacas que receberam atitudes aversivas ao entrarem na sala de ordenha podem apresentar um decréscimo na produção de leite, quando comparadas com vacas que foram conduzidas de forma gentil (BREUER et al., 2000). A presença de um tratador, durante a ordenha, com atitudes aversivas para com o animal pode elevar os níveis de cortisol, a frequência cardíaca e o leite residual, sendo estes, considerados indicadores fisiológicos de que o animal se encontra com medo e estresse (BREUER et al., 2000).   Enriquecimento ambiental e a música   O enriquecimento ambiental busca ampliar e melhorar a qualidade de vida dos animais em cativeiro através da identificação e fornecimento de estímulos ambientais que são necessários para alcançar o seu bem-estar psíquico e fisiológico, estimulando comportamentos característicos da própria espécie, e assim, reduzindo o estresse e tornando o ambiente mais diversificado por contemplar as necessidades etológicas dos animais. Dessa forma, o enriquecimento ambiental atua como uma ferramenta que proporciona melhores condições de vida aos animais (SHEPHERDSON, 1998). Existem diversas formas de se enriquecer o ambiente no qual o animal está inserido, para Grinde (2000), uma dessas formas é através da utilização de música, sendo que esta pode apresentar um efeito relaxante, tanto para os animais quanto para os humanos, por ser rítmica e contínua. Para Sant’Anna et al. (2014), é comprovado que a música na sala de ordenha é um fator positivo para as vacas, sendo assim, pode ser utilizada para uma melhor condução das vacas a sala de ordenha, além das evidências de que vacas que são expostas a música, produzem mais leite do que quando ouvem os sons rotineiros da própria ordenha.   Controle físico-químico do leite   De acordo com Tronco (2008), o leite é composto por aproximadamente 87,3% de água e 12,7% de sólidos totais, os quais são divididos em 3,6% de gordura e 9,1% de extrato seco desengordurado que compreende as proteínas (3,3%), a lactose 4,9% e os minerais (0,9%). A composição e a qualidade microbiológica do leite são fatores de grande importância para a obtenção de bons resultados econômicos, tanto para as propriedades leiteiras quanto para as empresas de laticínios (ALVES, 2006). O leite pode ser prejudicado e comprometido pelas condições de higiene durante a ordenha, da limpeza dos utensílios e equipamentos antes e após a pasteurização. Além disso, a higiene dos tetos antes e após a ordenha também é considerada um fator importante, prevenindo e controlando infecções nas glândulas mamárias (SILVA et al., 2010).

Materiais e Métodos

O experimento foi conduzido em uma propriedade particular no município de Santana do Livramento-RS. Foram utilizadas 16 vacas lactantes, multíparas (2,9 partos em média), da raça Holandesa, com idade média de 5,9 anos. Os animais foram ordenhados duas vezes ao dia, às 5h da manhã e às 17h da tarde. Após a ordenha cada vaca recebia 3 kg de concentrado com 16% de proteína acrescido de 150g de sal mineral e homeopatia contra mastite e carrapato, além de receberem um reforço de silagem de milho. Durante o período da manhã, as vacas permaneciam em pastagem de Tifton 85 (cynodon spp.) por duas horas, e o restante do dia em pastagem de campo nativo, com água e sal mineral ad libitum. A sala de espera e de ordenha eram pavimentadas, sendo a última do tipo espinha de peixe, comportando oito vacas de cada lado, totalmente mecanizada, com o leite sendo canalizado para baldes na sala de ordenha, com o intuito de facilitar a pesagem do mesmo. Utilizaram-se medidas de controle de mastite como caneca de fundo preto, “pré-dipping”, secagem dos tetos com papel toalha descartável e “pós-dipping”, ambos com produtos comerciais.

Os animais foram divididos em dois grupos, pelo proprietário da propriedade, de acordo com a média de dias em lactação (DEL) ao início do experimento, de modo que não interferisse no calendário e no manejo adotado dentro da propriedade, sendo o Grupo 1 (n=8) identificado como 77DEL, por apresentar 76,75 dias em lactação e o Grupo 2 (n=8) como 122DEL, por apresentar 121,5 dias em lactação. O período experimental foi de 20 dias, dividido em dois períodos de dez dias. No primeiro período, o 77DEL foi submetido a música na sala de ordenha e o 122DEL aos sons rotineiros de ordenha. No segundo período houve a inversão dos dois grupos.

A música utilizada foi a Odeon, música instrumental composta por Ernesto Nazareth em 1910, tocada ao piano, a qual foi transmitida por uma caixa de som, acoplada a um dispositivo móvel, com distância de um metro das vacas, durante todo o período de ordenha, tanto na parte da manhã quanto da tarde. Durante a ordenha, nos dois períodos, foram realizadas observações visuais dos animais. O observador se posicionou na parte lateral da sala de ordenha, a uma distância de 2 metros das vacas. Foram realizadas anotações referentes à ocorrência de defecação e micção, desde a entrada até o momento de saída da vaca da sala de ordenha. As amostras de leite in natura foram coletadas dos baldes, de cada grupo, após cada ordenha. Realizou-se a homogeneização por, aproximadamente, dois minutos, retirando-se uma amostra de 400 mL de leite, colocada em frascos de vidro devidamente identificados, contendo 0,4g de dicromato de potássio, para posterior análise laboratorial das características qualitativas do leite como teor de gordura e proteína, densidade e contagem de células somáticas (CCS). As amostras foram acondicionadas na geladeira com temperatura entre 6°C e 12°C. Semanalmente o material coletado foi levado ao Laboratório de Microscopia da Universidade Federal do Pampa. A avaliação das características fisico-químicas do leite foi feita pela determinação da densidade do leite, por meio de termolactodensímetro de Quevenne (TRONCO, 2008), o teor de gordura foi medido por intermédio do butirômetro de Gerber, segundo Fagundes (1997), a proteína bruta foi determinada pelo método de Kjedahl (SILVA et al., 1997), o teste do alizarol foi realizado conforme descrito por Tronco (2008), a mensuração do pH foi realizada por meio de um pHmetro de bancada e a contagem de células somáticas foi determinada por microscopia direta. Os dados foram submetidos à análise de Correlação de Pearson para verificar a associação entre a exposição à música, a produção de leite e o comportamento dos animais, verificado por meio da incidência de micção e defecação das vacas na sala de ordenha. A correlação entre a música e as características do leite foram submetidos à Análise de Variância (ANOVA), a um nível de significância de 1% sendo as médias comparadas pelo teste t de Student, com auxílio do estatístico SPSS®.

Resultados e Discussão

A presença de música na sala de ordenha, nos primeiros 10 dias, afetou significativamente (P<0,01) a produção de leite. O Grupo 77DEL - submetido a música clássica - apresentou produção média diária de 24,68±1,54 kg/leite, variando de 22,88 a 27,74 kg/leite, enquanto que o Grupo 122DEL - exposto aos sons rotineiros de ordenha - teve produção de 22,42±1,18 kg/leite (Figura 1) variando de 20,10 a 23,89 kg/leite. A diferença de produção entre os grupos foi de 2,26 kg/leite. O aumento na produção de leite quando em presença de música, verificado neste trabalho, concorda com o observado por Evans (1990), que relatou que vacas leiteiras produziram mais leite quando expostas à música do que aos ruídos gerados por uma máquina de ordenha. Além disso, em estudos recentes, Kiyici et al. (2013) utilizando a música com o intuito de reduzir os níveis de estresse das vacas durante a ordenha, observaram que as vacas expostas a música clássica por um período de 28 semanas, obtiveram uma maior velocidade na descida do leite quando comparado ao grupo controle sem exposição à música (6,27±0,12 min vs. 6,68±0,13 min, respectivamente). Após os 10 primeiros dias de experimento, os grupos foram invertidos de modo que o Grupo 122DEL passou a ser submetido a música clássica e o Grupo 77DEL aos sons rotineiros de ordenha. Não houve efeito significativo (P>0,01) da música sobre a produção de leite do grupo 122DEL, o qual apresentou produtividade média diária de 20,21±0,85 kg/leite e o 77DEL de 19,83±0,75 kg/leite (Figura 2), sendo que os dois grupos diminuíram a produção de leite. Observou-se que o Grupo 122DEL diminuiu sua produção quando exposto a música (22,42±1,18 versus 20,21±0,85 kg/leite) e o Grupo 77DEL mostrou redução na produtividade quando não exposto a música (24,68±1,54 versus 19,83±0,75 kg/leite). Como houve diferença entre os resultados obtidos nos dois períodos experimentais, decidiu-se verificar se houve diferença entre a produção global de leite entre os grupos, independente do efeito da música. Verificou-se que houve diferença significativa (P<0,01) na produção diária entre os grupos, sendo que o Grupo 77DEL produziu média diária de 23,56±1,77 kg de leite (variação de 27,74 a 20,10 kg) e o Grupo 122DEL produziu média diária de 20,03±0,80 kg de leite (variação de 21,53 a 18,4 kg). Essa diferença pode ser explicada pelo período de lactação em que as vacas se encontravam, já que havia uma diferença média de 44,75 dias de lactação entre os grupos. A curva de lactação é a representação gráfica da produção de leite em função do tempo (YADAV et al., 1977). O Grupo 77DEL estava com 76,75 dias de lactação, isto é, a curva de lactação dessas vacas estava próxima ao pico de produção, apresentando maior produção de leite que o Grupo 122DEL, independente da música, enquanto que o Grupo 122DEL com 121,5 dias apresentava-se em fase decrescente da curva, ou seja, já tinha atingido o seu pico de lactação, apresentando um declínio na produtividade de leite das vacas. Molento et al. (2004) observaram que o pico de produção ocorreu durante o segundo mês de lactação, em vacas holandesas. No entanto, Tekerli et al. (2000) verificaram que nem todas as vacas ou um determinado grupo de vacas possuem curvas de lactação iguais, pois além do componente genético, a magnitude dos parâmetros que determinam sua forma varia segundo a influência de determinados fatores como o rebanho, o ano do parto, a ordem de parição, a idade da vaca e a estação de parição. Portanto, a diferença de efeito da música nos dois períodos pode ser devido às próprias diferenças de produtividade entre os dois grupos, pois o Grupo 77DEL efetivamente produziu maior quantidade de leite que o Grupo 122DEL, durante todo o período experimental, independente da presença de música, o que pode ser verificado quando se fez a comparação entre a produção global entre os mesmos (P<0,01; Figura 2). O Grupo 77DEL na ordenha da manhã apresentou produção de 95,52±6,99 kg/leite (média de 11,94±0,87 kg), enquanto que o Grupo 122DEL produção de 82,68±3,99 kg/leite (média de 10,33±0,50 kg), representando uma diferença de 12,84 kg/leite. Na ordenha da tarde o Grupo 77DEL apresentou produção de 92,92±8,14 kg de leite (média de 11,62±1,02 kg), enquanto que o Grupo 122DEL uma produção de 77,54±3,67 kg de leite (média de 9,69±0,46 kg), havendo diferença significativa (P<0,01) na produção de leite entre as ordenhas da manhã e a da tarde (Figura 3). A variação na produção de leite entre o turno da manhã e o turno da tarde é considerada normal devido ao maior intervalo entre a ordenha da tarde e a da manhã seguinte e, também, devido às melhores condições de temperatura para vacas leiteiras no período da noite na época mais quente do ano, já que durante este período ficam na zona de termoneutralidade (-5ºC a 21ºC) comparadas ao longo do dia, quando as temperaturas se encontram mais elevadas. Muller (1982) ressalta que a zona de termoneutralidade para a produção de leite está entre 5ºC e 21ºC para vacas holandesas, sendo ligeiramente superior (24ºC) para vacas Jersey. No período experimental a temperatura variou entre 17°C e 35°C, ou seja, durante boa parte do dia os animais estavam submetidos a temperaturas médias superiores (15°C versus 26oC) àquelas estabelecidas como zona de conforto para bovinos leiteiros. Dentre as características qualitativas do leite, somente a densidade do leite foi afetada significativamente (P<0,01) pela presença da música na sala de ordenha. O leite produzido pelas vacas do Grupo 122DEL apresentou densidade de 31,43±0,39 g/mL sob efeito da música e 30,68±0,41 g/mL sob sons rotineiros. Quando comparadas independentemente da presença de música na sala de ordenha, também foi observada diferença significativa (P<0,01) na densidade do leite produzido pelos dois grupos (Figura 4). Era esperado que o leite do Grupo 122DEL apresentasse maior densidade, pois os animais produziram menor quantidade de leite do que o Grupo 77DEL, provavelmente devido a curva de lactação já que, conforme a curva de lactação diminui, os sólidos totais tendem a aumentar. Porém, o observado nesse caso foi o contrário. Desse modo, a diferença de densidade observada pode ter sido ocasionada por fatores genéticos, já que os demais fatores que poderiam vir a influenciar, segundo Teodoro et al. (1994), estavam controlados, como o número de partos e a idade das vacas. As vacas usadas no experimento apresentavam média de idade de 2,87 anos e a média de partos do Grupo 77DEL foi de 5,87 e do Grupo 122DEL de 5,5 partos. Através da densidade do leite é possível avaliar a relação entre os sólidos e o solvente no leite, que quando abaixo do nível serve para identificação de fraude (adição de água), problemas nutricionais ou ainda problemas na saúde do animal, podendo variar entre 1,023 g/mL e 1,040 g/mL (KATIANI et al., 2007). Os demais parâmetros qualitativos do leite não foram afetados pela presença da música clássica na sala de ordenha. Os valores médios de gordura, pH, proteína e contagem de células somáticas de ambos os grupos submetidos a música clássica podem ser observados na Tabela 1. Quanto às características comportamentais, não foi observada diferença significativa (P>0,01) na frequência de micção ou defecação entre os Grupos. No entanto, de acordo com Boissy et al. (2007), as emoções positivas podem não alcançar grandes magnitudes, podendo seus efeitos não serem verificados. Assim, é necessário averiguar o efeito da música sobre o comportamento de vacas leiteiras por meio de outros métodos de análise comportamental. Sabe-se que, além da música ser uma maneira de enriquecer o ambiente de ordenha das vacas, ela também atua na interação dos ordenhadores com os animais, pois tratadores menos estressados vão se comportar de forma gentil, manejando os animais de maneira calma e sem causar estresse. A presença de tratadores aversivos durante a ordenha pode aumentar os níveis de cortisol, a frequência cardíaca e o leite residual, o que são considerados indicadores fisiológicos de estresse e medo (HEMSWORTH et al., 2000) e também podem influenciar na produção de leite (RUSHEN et al., 1999). De acordo com Boissy et al. (2007) a música pode gerar emoções positivas e consequentemente fazer com que as vacas se sintam menos estressadas diante da ordenha e do tratador, sendo assim, produzindo e liberando mais leite.

Conclusões

Considera-se necessário reconhecer as necessidades dos animais, além do efeito dos estímulos causados diariamente pelo homem sobre os mesmos, com a finalidade de produzir alternativas que minimizem o estresse. A música, utilizada como um estímulo positivo, pode proporcionar um ambiente tranquilo tanto para os animais quanto para os tratadores, o que por sua vez pode influenciar para a obtenção de índices produtivos superiores.

Gráficos e Tabelas




Referências

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