Vacas leiteiras e música clássica brasileira: um encontro inusitado
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RESUMO -
O enriquecimento ambiental tem sido utilizado como ferramenta na busca da melhoria do ambiente de animais mantidos em confinamento. A música é uma alternativa de enriquecimento ambiental e bem-estar durante a ordenha, e sua utilização tem o objetivo de proporcionar melhores condições de vida, incrementando o desempenho das vacas e a interação humano-animal. O objetivo deste estudo foi verificar o efeito da música sobre o comportamento em sala de ordenha e a produtividade de vacas leiteiras da raça Holandesa. A música utilizada foi a música instrumental brasileira Odeon, composta por Ernesto Nazareth em 1910. As variáveis produtivas analisadas foram volume, densidade, pH, teores de gordura, proteína e contagem de células somáticas do leite e as comportamentais foram escore de movimentação e ocorrência de micção e defecação na sala de ordenha. Foram avaliadas 16 vacas multíparas, com idade média de 5,9 anos, durante 20 dias em duas ordenhas diárias. O Grupo 1 apresentava média de 76,75 dias em lactação (77DEL) e o Grupo 2, média de 121,5 dias em lactação (122DEL). O período experimental foi dividido, sendo que nos primeiros 10 dias o 77DEL foi exposto à música desde a entrada até a saída da sala da ordenha e o 122DEL a sons rotineiros de ordenha. No segundo período, os grupos foram invertidos. A incidência de música afetou significativamente a produção de leite do 77DEL, verificando-se um acréscimo da produção quando as vacas foram ordenhadas com música. A densidade do leite produzido pelas vacas do 122DEL foi significativamente afetada pela música. Não houve efeito sobre o comportamento das vacas, os valores médios de gordura, pH, proteína e contagem de células somáticas. Com base nesses resultados, considera-se que a música agiu de maneira positiva e eficiente na produção de leite de vacas leiteiras de maior produção, traduzida pelo aumento de sua produtividade.
Dairy cows and brazilian classical music: an unused encounter
ABSTRACT - Environmental enrichment has been used as a tool to improve the environment of animals kept in confinement. Music is a alternative for environmental enrichment and well-being during milking, and its use is aimed at providing better living conditions, enhancing cow performance and human-animal interaction. The objective of this study was to verify the effect of music on the behavior in the milking parlor and the productivity of dairy cows of the Dutch breed. The music used was the Brazilian instrumental music Odeon, composed by Ernesto Nazareth and the productive variables analyzed were volume, density, pH, fat and protein contents and milk somatic cell counts and behavioral ones were movement and micturition score and Defecation in the milking parlor. Sixteen multiparous cows were evaluated, with a mean age of 5.9 years, during 20 days in two daily milks. Group 1 had a mean of 76.75 days in lactation (77DEL) and Group 2 had a mean of 121.5 days in lactation (122DEL). The experimental period was divided, and in the first 10 days 77DEL was exposed to music from the entrance to the exit of the milking room and 122DEL to routine milking sounds. In the second period, the groups were reversed. The incidence of music significantly affected the production of milk from 77DEL, with an increase in production when cows were milked with music. The milk density produced by 122DEL cows was significantly affected by music. There was no effect on cow behavior, mean values of fat, pH, protein and somatic cell count. Based on these results, it is considered that the music acted in a positive and efficient way in the production of milk of dairy cows of greater production, translated by the increase of its productivity.Introdução
A bovinocultura é um dos principais destaques mundiais do agronegócio brasileiro, com o Brasil estando na segunda colocação de maior rebanho efetivo do mundo, com cerca de 200 milhões de cabeças (MAPA, 2013). No que se refere à produção de leite, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Brasil ocupa a quinta posição entre os principais produtores de leite, com cerca de 35,17 bilhões de litros/leite ficando atrás da União Europeia, Índia, Estados Unidos e China. Já a região Sul, é a região com maior produção do país, sendo responsável por 34,7% da produção nacional, enquanto que a região Sudeste produziu ligeiramente menos, representando 34,6% do total (IBGE, 2014). Com o significativo aumento da produção dos rebanhos leiteiros, o mercado consumidor tem se tornado cada vez mais exigente em relação ao modo de como são criados os animais, sobretudo ao ambiente e ao estresse a que são submetidos. Há consumidores que exigem produtos adquiridos de animais que não tenham passado por situações de maus-tratos e desconforto, adotando um padrão de consumo que procure por produtos saudáveis e condizentes com a ética em relação às questões ambientais e de bem-estar animal. Na bovinocultura de leite os animais estão expostos diariamente a diversas situações estressantes como mudança de dietas, de tratador, ruídos, além da realização de procedimentos veterinários. Estas atividades podem causar transtornos negativos como medo, dor e frustração. Todas estas são consideradas desafios pelos quais os animais precisam se adaptar (WAIBLINGER, 2006). Diante disto, nota-se a importância da interação homem-animal, uma vez que ela influencia no manejo e tem fundamental importância na pecuária leiteira, pois ações aversivas ou não aversivas podem resultar em maiores ou menores níveis de estresse aos animais, e consequentemente, surtindo efeitos no bem-estar e na produtividade. Dessa maneira, a busca pela informação sobre comportamento e bem-estar animal no dia-a-dia tanto na propriedade ou empresa e a utilização de estratégias que beneficiem o desempenho do animal, resultarão em uma maior produtividade e qualidade do seu produto final, proporcionando ganhos ao produtor e assim, assegurando o conforto e bem-estar dos animais. Uma das alternativas para reduzir o estresse entre o tratador e os animais, principalmente na hora da ordenha, é o enriquecimento ambiental, que visa ampliar e melhorar a qualidade de vida dos animais. Newberry (1995) definiu o enriquecimento ambiental como melhorias no âmbito em que os animais vivem, alterando o seu funcionamento biológico de forma positiva. Grinde (2000) demonstrou que uma das formas de enriquecer o ambiente é através da música, que pode apresentar efeito relaxante tanto para os animais quanto para os tratadores. A presença de música na sala de ordenha pode ser um fator positivo, podendo ser utilizada para melhorar a condução das vacas e estimular a produção de leite. O objetivo deste estudo foi analisar a influência da música clássica instrumental durante a ordenha na produção de leite das vacas, sobre índices produtivos e características quantitativas e qualitativas do leite.Revisão Bibliográfica
Bem-estar animal Atualmente, o bem-estar animal tem sido visto como um fator de grande importância em qualquer sistema de produção, além de ser um indicador para pesquisas e estudos que proporcionem escolhas e alternativas que possam reduzir o estresse do animal na atividade pecuária (LOBO et al., 2010). Segundo Bach et al. (2007), o conforto das vacas leiteiras é um coeficiente que assume grande abrangência por influenciar no aumento de produção, visto que um ambiente que apresente deficiências acabará implicando de maneira negativa na saúde do úbere, fertilidade e consumo de matéria seca. Contudo, o conforto dos animais também está relacionado à saúde física e mental do animal, considerando que os animais são seres sensitivos, o que possibilita a satisfação das necessidades básicas desde beber água, comer, se locomover e descansar (DUNCAN, 1993; DAWKINS, 2004). Broom (1991) ainda enfatiza que o bem-estar animal é “o estado de um indivíduo em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente”. De acordo com essa afirmação, o conceito de bem-estar deve estar totalmente ligado às necessidades etológicas e biológicas dos animais, incluindo as “Cinco Liberdades” que são utilizadas de modo a avaliar o bem-estar animal, de maneira que eles estejam livres de: medo e estresse; fome e sede; desconforto; dor e doenças; além da liberdade para expressar seu comportamento natural. Comportamento Animal O comportamento constitui um importante papel para a avaliação do bem-estar (FRASER, 1993), por isso a informação e o conhecimento acerca de suas atividades comportamentais tornaram-se essenciais para melhorias na produtividade (CERQUEIRA et al., 2011). Os bovinos são animais que apresentam boa memória e são capazes de discriminar as pessoas envolvidas nas interações, apresentando reações específicas a cada ação de acordo com a experiência vivida, assim, caracterizando um aprendizado associativo (PARANHOS DA COSTA, 2006). Na bovinocultura de leite há intensa relação entre pessoas e animais, devido à interação rotineira entre as vacas e os tratadores (HEMSWORTH; COLEMAN, 1998). Autores como Breuer et al. (2000) constataram que o tipo de interação durante a ordenha pode causar mudanças comportamentais no animal e alguns estudos (RUSHEN et al., 1999; BREUER et al., 2000) indicaram que interações negativas homem-animal poderão influenciar de forma deletéria a produção das vacas leiteiras. Interação homem-animal e a ordenha As interações entre o ser humano e os animais podem ser positivas, neutras ou negativas (DUNCAN et al., 1993). De acordo com Breuer (2000), boa parte dos contatos entre os tratadores e os bovinos leiteiros está relacionada com ações de manejo negativas, como as vacinações, tratamento de doenças como a mastite, as pancadas, os gritos e o uso de cachorros na condução. Todas estas ações resultam no aumento do medo dos animais referente aos humanos. Dentre as ações de manejo consideradas positivas encontram-se os afagos, tapinhas na região da garupa, conversas com timbre de voz suave, coçadinhas na cabeça, assobios e música (PARANHOS DA COSTA et al., 2002). Nesse sentido, a produtividade leiteira pode estar relacionada em parte, com a qualidade da relação e interação humano-animal. Pois, vacas que receberam atitudes aversivas ao entrarem na sala de ordenha podem apresentar um decréscimo na produção de leite, quando comparadas com vacas que foram conduzidas de forma gentil (BREUER et al., 2000). A presença de um tratador, durante a ordenha, com atitudes aversivas para com o animal pode elevar os níveis de cortisol, a frequência cardíaca e o leite residual, sendo estes, considerados indicadores fisiológicos de que o animal se encontra com medo e estresse (BREUER et al., 2000). Enriquecimento ambiental e a música O enriquecimento ambiental busca ampliar e melhorar a qualidade de vida dos animais em cativeiro através da identificação e fornecimento de estímulos ambientais que são necessários para alcançar o seu bem-estar psíquico e fisiológico, estimulando comportamentos característicos da própria espécie, e assim, reduzindo o estresse e tornando o ambiente mais diversificado por contemplar as necessidades etológicas dos animais. Dessa forma, o enriquecimento ambiental atua como uma ferramenta que proporciona melhores condições de vida aos animais (SHEPHERDSON, 1998). Existem diversas formas de se enriquecer o ambiente no qual o animal está inserido, para Grinde (2000), uma dessas formas é através da utilização de música, sendo que esta pode apresentar um efeito relaxante, tanto para os animais quanto para os humanos, por ser rítmica e contínua. Para Sant’Anna et al. (2014), é comprovado que a música na sala de ordenha é um fator positivo para as vacas, sendo assim, pode ser utilizada para uma melhor condução das vacas a sala de ordenha, além das evidências de que vacas que são expostas a música, produzem mais leite do que quando ouvem os sons rotineiros da própria ordenha. Controle físico-químico do leite De acordo com Tronco (2008), o leite é composto por aproximadamente 87,3% de água e 12,7% de sólidos totais, os quais são divididos em 3,6% de gordura e 9,1% de extrato seco desengordurado que compreende as proteínas (3,3%), a lactose 4,9% e os minerais (0,9%). A composição e a qualidade microbiológica do leite são fatores de grande importância para a obtenção de bons resultados econômicos, tanto para as propriedades leiteiras quanto para as empresas de laticínios (ALVES, 2006). O leite pode ser prejudicado e comprometido pelas condições de higiene durante a ordenha, da limpeza dos utensílios e equipamentos antes e após a pasteurização. Além disso, a higiene dos tetos antes e após a ordenha também é considerada um fator importante, prevenindo e controlando infecções nas glândulas mamárias (SILVA et al., 2010).Materiais e Métodos
O experimento foi conduzido em uma propriedade particular no município de Santana do Livramento-RS. Foram utilizadas 16 vacas lactantes, multíparas (2,9 partos em média), da raça Holandesa, com idade média de 5,9 anos. Os animais foram ordenhados duas vezes ao dia, às 5h da manhã e às 17h da tarde. Após a ordenha cada vaca recebia 3 kg de concentrado com 16% de proteína acrescido de 150g de sal mineral e homeopatia contra mastite e carrapato, além de receberem um reforço de silagem de milho. Durante o período da manhã, as vacas permaneciam em pastagem de Tifton 85 (cynodon spp.) por duas horas, e o restante do dia em pastagem de campo nativo, com água e sal mineral ad libitum. A sala de espera e de ordenha eram pavimentadas, sendo a última do tipo espinha de peixe, comportando oito vacas de cada lado, totalmente mecanizada, com o leite sendo canalizado para baldes na sala de ordenha, com o intuito de facilitar a pesagem do mesmo. Utilizaram-se medidas de controle de mastite como caneca de fundo preto, “pré-dipping”, secagem dos tetos com papel toalha descartável e “pós-dipping”, ambos com produtos comerciais.Os animais foram divididos em dois grupos, pelo proprietário da propriedade, de acordo com a média de dias em lactação (DEL) ao início do experimento, de modo que não interferisse no calendário e no manejo adotado dentro da propriedade, sendo o Grupo 1 (n=8) identificado como 77DEL, por apresentar 76,75 dias em lactação e o Grupo 2 (n=8) como 122DEL, por apresentar 121,5 dias em lactação. O período experimental foi de 20 dias, dividido em dois períodos de dez dias. No primeiro período, o 77DEL foi submetido a música na sala de ordenha e o 122DEL aos sons rotineiros de ordenha. No segundo período houve a inversão dos dois grupos.
A música utilizada foi a Odeon, música instrumental composta por Ernesto Nazareth em 1910, tocada ao piano, a qual foi transmitida por uma caixa de som, acoplada a um dispositivo móvel, com distância de um metro das vacas, durante todo o período de ordenha, tanto na parte da manhã quanto da tarde. Durante a ordenha, nos dois períodos, foram realizadas observações visuais dos animais. O observador se posicionou na parte lateral da sala de ordenha, a uma distância de 2 metros das vacas. Foram realizadas anotações referentes à ocorrência de defecação e micção, desde a entrada até o momento de saída da vaca da sala de ordenha. As amostras de leite in natura foram coletadas dos baldes, de cada grupo, após cada ordenha. Realizou-se a homogeneização por, aproximadamente, dois minutos, retirando-se uma amostra de 400 mL de leite, colocada em frascos de vidro devidamente identificados, contendo 0,4g de dicromato de potássio, para posterior análise laboratorial das características qualitativas do leite como teor de gordura e proteína, densidade e contagem de células somáticas (CCS). As amostras foram acondicionadas na geladeira com temperatura entre 6°C e 12°C. Semanalmente o material coletado foi levado ao Laboratório de Microscopia da Universidade Federal do Pampa. A avaliação das características fisico-químicas do leite foi feita pela determinação da densidade do leite, por meio de termolactodensímetro de Quevenne (TRONCO, 2008), o teor de gordura foi medido por intermédio do butirômetro de Gerber, segundo Fagundes (1997), a proteína bruta foi determinada pelo método de Kjedahl (SILVA et al., 1997), o teste do alizarol foi realizado conforme descrito por Tronco (2008), a mensuração do pH foi realizada por meio de um pHmetro de bancada e a contagem de células somáticas foi determinada por microscopia direta. Os dados foram submetidos à análise de Correlação de Pearson para verificar a associação entre a exposição à música, a produção de leite e o comportamento dos animais, verificado por meio da incidência de micção e defecação das vacas na sala de ordenha. A correlação entre a música e as características do leite foram submetidos à Análise de Variância (ANOVA), a um nível de significância de 1% sendo as médias comparadas pelo teste t de Student, com auxílio do estatístico SPSS®.