Nesta edição de Prosa com o Zootecnista, conversamos com Chiara Albano de Araújo Oliveira, zootecnista e professora Adjunta da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal da Bahia.
Em 2018, ela e um grupo de pesquisadores e ambientalistas se uniu em uma força tarefa para pesquisa em diversas áreas, entre elas o resgate de jumentos abandonados e negligenciados no Nordeste.
As primeiras publicações começaram a sair em 2021. A ideia é realizar e estimular pesquisas na área da conservação do jumento nordestino, além de trabalhos de extensão rural para estimular a manutenção destes animais.
Confira a entrevista exclusiva dela à ABZ:
Como surgiu a ideia para esse projeto de pesquisa e a partir de qual necessidade?
O projeto surgiu com a necessidade de estudar os impactos da “cadeia” extrativista e predatória de abate do jumento nordestino, principalmente aos impactos relacionados a questões de rastreabilidade, sanitárias, de bem-estar e de conservação do ecótipo.
Por que você acredita que ainda não existiam estudos a respeito do impacto do abate de jumentos nordestinos?
Os estudos são recentes. Em 2018 um grupo de pesquisadores e ambientalistas se uniu em uma força tarefa e iniciou trabalhos de pesquisa em áreas diversas, ouve também mobilização para o resgate de jumentos abandonados e negligenciados. As primeiras publicações saíram em 2021, mas ainda não temos dados do impacto da velocidade de abate no número de indivíduos da população de jumentos nordestinos. Ainda não existem estudos dessas populações.
O jumento nordestino vem perdendo seu valor econômico há alguns anos, sua função e sua importância, principalmente na região nordeste, têm sido ignoradas pelo governo e órgãos de realizam levantamento demográfico de animais de produção no país.
O abate de equídeos (cavalos, jumentos e muares) no Brasil é permitido e acontece há décadas. Como não temos cadeia de produção de equídeos para o abate, são abatidos animais aposentados em suas funções, velhos e de baixo valor zootécnico. Existem abatedouros especializados no abate de cavalos, onde a carne é o principal produto de exportação para países específicos da União Europeia.
No caso dos jumentos, o abate tem outro interesse. A pele é o produto principal e é exportado exclusivamente para a China, onde o colágeno extraído do couro do jumento é matéria prima do ejiao, produto da medicina chinesa de elevada demanda.
O abate do jumento para a exportação da pele para a China foi iniciado em 2016 na Bahia, a partir de negociações de empresários chineses com o governo da Bahia. São abatidos em média 64.000 jumentos/ano sem rastreabilidade e sem controle sanitário. A meta é abater 200 mil/ano.
Desde então, em todo o Nordeste, jumentos são comprados por valores entre R$ 20,00 e 80,00, capturados nas estradas, transportados e aglomerados sem condições sanitárias, sem alimentação adequada e sem bem-estar mínimo. Uma cadeia extrativista.
Que particularidades destacaria nesse tipo de jumento?
O jumento nordestino é um ecótipo nordestino. Morfologicamente são distintos do jumento Brasileiro e do jumento Pêga. São animais de pequeno porte, dóceis, fortes e resilientes.
Os estudos genéticos dessa população já foram iniciados pela equipe do GEMA-UFBA e indicaram que se trata de uma raça única. É fundamental a preservação de uma espécie/raça que ainda não foi estudada.
O jumento nordestino ainda hoje é fundamental nos sistemas de produção familiar, 85% dos sistemas de produção familiar no Nordeste brasileiro são dependentes da força de trabalho desse animal. E outros vários sistemas de produção agrícolas de maior porte também utilizam essa força de trabalho, como exemplo: a produção de sisal e de cacau.
Que avanços esperar atingir com o projeto?
Espero realizar e estimular pesquisas na área da conservação do jumento nordestino, além de trabalhos de extensão rural para estimular a manutenção dos jumentos como força de trabalho no campo. Disseminar o valor do jumento como ativo de produção nos sistemas onde ele é utilizado, além das práticas sanitárias e de bem-estar animal. Espero divulgar para todo o país o valor cultural e do trabalho do jumento no campo. E principalmente, quero contribuir para que o abate desses animais seja proibido no Brasil, pois já são muitos os estudos de casos, denúncias e dados que comprovam que o abate de jumentos é um crime ambiental, sanitário e que vai dizimar uma raça nativa brasileira.
Como zootecnista, qual a importância de um trabalho desse para a área? Espera que esse conhecimento ajude outros profissionais?
Como zootecnista, acredito que esse tipo de trabalho faz parte da nossa missão. Valorar, reconhecer o papel e a importância do jumento nordestino é fundamental para as nossas práticas de produção de agora e do futuro nas regiões semiáridas do nosso país. Como profissionais devemos disseminar o conhecimento e a ética para o campo.
Espero que esse trabalho possa ajudar os agricultores que dependem da força de trabalho animal, mas principalmente os zootecnistas em formação para que eles sejam os disseminadores desse conhecimento.
Sou professor da UFRN e teve o enorme prazer de conhecer o professor Fernando Viana Nobre, como aluno e profissional. O mesmo foi um lutador em defesa do jumento nordeste, desenvolveu pesquisas e trabalhos de preservação. Tenho interesse de continuar o trabalho iniciado por ele, procurei informações na EMPARN, onde ele desenvolvia os trabalhos, para saber como se encontra hoje as pesquisas e os trabalhos de preservação mais não tive resposta. Caso possa ajudar em algo estou à disposição. Faço parte do RGA/Nordeste.